Mark Moffett: o que precisamos aprender com a natureza e os animais — Gama Revista
Qual a sua natureza?
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Foto: Mark W. Moffett/Minden Pictures

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Conversas

"Os humanos modernos são, em muitos aspectos, mais parecidos com formigas do que com chimpanzés"

O naturalista americano Mark Moffett fala sobre o que temos em comum — e o que precisamos aprender — com outras sociedades do reino animal

Laura Capelhuchnik 11 de Julho de 2021

“Os humanos modernos são, em muitos aspectos, mais parecidos com formigas do que com chimpanzés”

Laura Capelhuchnik 11 de Julho de 2021
Foto: Mark W. Moffett/Minden Pictures

O naturalista americano Mark Moffett fala sobre o que temos em comum — e o que precisamos aprender — com outras sociedades do reino animal

Agora tem sido mais fácil localizar o ecologista e fotógrafo americano Mark Moffett “preso em casa, na frente de um computador” no bairro do Brooklyn, em Nova York. Antes da pandemia, talvez fosse necessário procurá-lo na Guiana Francesa, na Nova Zelândia ou, com sorte, em alguma floresta no Brasil. Apelidado de Indiana Jones da entomologia, a área da biologia dedicada aos insetos, e Jane Goodall das formigas, Moffett se dedica há pelos menos 40 anos a explorar lugares remotos nos quatro cantos do mundo. Sua missão é documentar novas espécies, examinar seus comportamentos e estudar vida e morte das sociedades que compõem o reino animal — dos insetos aos seres humanos. Até setembro deste ano, ele lança no Brasil a tradução “Enxame Humano: Como as Sociedades Surgem, Prosperam e Caem” (Alta Books).

Algumas publicações sobre seu trabalho chamam atenção para o fato de que é surpreendente que ele ainda esteja vivo. O pesquisador já figurou em edições do Guinness Book depois de ter escalado a árvore mais alta do mundo, durante os estudos para seu primeiro livro: “The High Frontier: Exploring the Tropical Rainforest Canopy”(A alta fronteira: explorando o dosséu da floresta tropical, em tradução livre), de 1993. E esteve cara a cara com o animal vertebrado mais venenoso do planeta, a rã Phyllobates terribilis, na Colômbia.

O encontro com o anfíbio, que comporta veneno suficiente para matar dez homens adultos, e outras aventuras estão documentadas em centenas de fotos, artigos científicos e, por que não, em um espetáculo de stand-up. “Eu acredito que a vida é contar histórias. Minhas narrativas pessoais são sobre como fazer as pessoas se apaixonarem pelo inesperado da natureza”, diz a Gama o pesquisador, que divide sua rotina de expedições com o fotojornalismo e a eventual aparição em programas de rádio e TV americanos divertindo as pessoas com suas descobertas.

Mark Moffett é colaborador da National Geographic desde os anos 1980, quando publicou a documentação de campo de seu doutorado em Harvard — uma pesquisa baseada em mais de dois de viagem pela Ásia para estudar o comportamento de formigas. Sem muito conhecimento técnico, aprendeu a retratar o meio ambiente a partir de um livro sobre iluminação para fotografia de modelos — e parece que os estudos foram bem sucedidos.

Foto: Mark W. Moffett / Minden Pictures

As formigas, com seus cérebros minúsculos, levaram milhões de anos para desenvolver as soluções que lhes permitiram viver em grandes sociedades

Apesar da produção de pesquisa sobre diversos outros assuntos, as formigas são, desde então, suas principais modelos. Elas e os paralelos com as sociedades humanas são assunto de um de seus livros, “Adventures Among Ants”(Aventura Entre as Formigas), de 2010, a partir de estudos feitos com espécies da Amazônia, Congo, Austrália, Irã, entre outros. Um dos insights que teve durante a produção desse livro é hoje um ponto centrais de seu trabalho: a maneira como as formigas forjam sociedades é um atributo compartilhado por nós, seres humanos.

O tema foi ampliado para sua obra mais recente, lançada no ano passado: “The Human Swarm” (O enxame humano, em tradução livre), com lançamento em português previsto para o ano que vem pela Alfa Books, fala de como diversas sociedades surgem, prosperam e desaparecem. Moffett une conhecimentos da psicologia, da sociologia e da biologia para explicar as adaptações sociais que nos permitiram criar civilizações tão complexas.

Nesta entrevista a Gama, Moffett fala sobre o que compartilhamos com os outros membros do reino animal e comenta assuntos ligados à ecologia e a suas passagens pelo Brasil.

  • G |Como tem sido a quarentena para o Indiana Jones? Você já tem planos de próximas viagens?

    Mark Moffett |

    Eu estava me preparando para três anos completos de expedições a algumas dezenas de países, incluindo o Brasil! Meu objetivo era examinar a organização social de diferentes tipos de animais para descrever em meu próximo livro. Nem todos eles eram insetos. Por exemplo, planejei visitar o Senegal em novembro para rastrear chimpanzés, mas agora estou preso em casa na frente de um computador como tantas outras pessoas.

  • G | Você é apaixonado por biologia desde criança. Mas quando veio a paixão por contar histórias, popularizar as suas descobertas?

    MM |

    Eu acredito que a vida é contar. Minhas histórias pessoais são sobre como fazer as pessoas se apaixonarem pelo inesperado da natureza. Acontece que sou bom em encontrar espécies e comportamentos raramente vistos ou novos e registrá-los com palavras e fotografias. Isso pode ser para a revista National Geographic, embora mais recentemente eu tenha me concentrado em escrever livros e também performar no palco.

  • G |Em seu último livro, você examinou chimpanzés e bonobos, golfinhos, leões, elefantes, formigas e abelhas. Qual a importância de estudar outras espécies para entender os humanos?

    MM |

    Uma resposta é que nós mesmos somos animais, com uma história evolutiva que compartilhamos com outros primatas. Essa ancestralidade compartilhada pode fornecer pistas de como passamos a nos comportar como seres humanos. Mas mesmo espécies que não são intimamente relacionadas a nós podem ser informativas. Os humanos modernos são, em muitos aspectos, muito mais parecidos com certas formigas do que com nossos primos chimpanzés.

Foto: Mark W. Moffett / Minden Pictures

“Em uma cidade grande, convivemos com milhares de estranhos todos os dias! É essa característica dos humanos que tornou nossas nações possíveis. Um chimpanzé, em comparação, ficaria louco se estivesse rodeado por outros chimpanzés que nunca conheceu”

  • G |E o que temos em comum com as formigas?

    Mark Moffett |

    Nenhum chimpanzé tem de lidar com a construção de infraestrutura, trabalhando em linhas de montagem e equipes, seguindo as regras de trânsito, distribuindo bens e mão de obra, assumindo um trabalho especializado ou participando da guerra em massa. As comunidades de chimpanzés são muito pequenas para que tais problemas surjam. Mas, uma vez que existem milhares ou milhões de indivíduos em uma sociedade, como é o caso dos humanos modernos e de algumas formigas, essas questões precisam ser abordadas — ou a sociedade se desintegra. As formigas, com seus cérebros minúsculos, levaram milhões de anos para desenvolver as soluções que lhes permitiram viver em grandes sociedades. Os humanos, cujas nações são muito mais recentes, estão lutando para lidar com as mesmas coisas com sua capacidade intelectual.

  • G |Há alguma questão relativa à vida em sociedade que as formigas resolveram melhor do que nós, humanos?

    MM |

    Se você fizer uma pergunta como quanto nossas sociedades devem investir em saúde pública, acho intrigante recorrer, digamos, às colônias de formigas-cortadeiras do Brasil que chegam a um milhão ou mais. Esses ninhos podem empregar esquadrões de saneamento 24 horas por dia para enterrar resíduos potencialmente prejudiciais em catacumbas que são escavadas no subsolo – o que representa uma grande parte de seu investimento social. Lidar com doenças é uma prioridade para as formigas. Mais uma evidência de que precisamos para torná-la fundamental também.

  • G | No seu livro, você diz que o ato aparentemente trivial de entrar em um café cheio de estranhos sem nenhuma preocupação é uma das realizações mais subestimadas de nossa espécie. Poderia explicar isso melhor?

    MM |

    Uma das coisas notáveis sobre os humanos – e uma característica social que compartilhamos com formigas e muito poucas outras espécies – é que podemos ficar à vontade com estranhos em nossas sociedades. Em uma cidade grande, convivemos com milhares de estranhos todos os dias! Na verdade, é essa característica dos humanos que tornou nossas nações possíveis. Um chimpanzé, em comparação, ficaria louco se estivesse rodeado por outros chimpanzés que nunca conheceu – ele os atacaria ou fugiria. Além disso, os humanos, ao contrário dos chimpanzés, têm sorte porque também podemos fazer amizade com outros grupos – estrangeiros ou membros de outra raça e etnia em nossa sociedade. Este é um desafio para nós hoje, além do que os primeiros humanos, ou qualquer outra espécie, já tiveram que enfrentar.

  • G |Será que a gente tem piorado nessa habilidade? Pensando na polarização política que tem acontecido em vários países, como o Brasil e os Estados Unidos, no preconceito com minorias e imigrantes…

    MM |

    Eu não acho que nossas habilidades estejam piorando; mas esses relacionamentos sempre terão que ser administrados com muito cuidado, como descrevo nos capítulos finais de The Human Swarm. Desde o surgimento, nos últimos séculos, de grandes sociedades, passamos por longos ciclos de aceitação de décadas, seguidos pela rejeição de imigrantes e minorias e mudanças nas tensões entre as próprias nações. Momentos de crise, como o que vivemos agora, ocorrem quando as pessoas se sentem ameaçadas: quando os recursos são escassos ou os empregos são escassos, reagimos rejeitando estranhos e aumentando nossos preconceitos. A principal dificuldade a partir de agora será o aquecimento global, que pode forçar populações inteiras a migrar de áreas destruídas pelo calor ou incêndios para locais onde os residentes as tratam como um problema.

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Foto: Mark W. Moffett / Minden Pictures

“Fiz um esforço especial para encontrar sapos incomuns [na Mata Atlântica], como o menor sapo do mundo!

  • G |Poderia nos contar um pouco sobre suas passagens pelo Brasil? O que aprendeu com as espécies daqui?

    Mark Moffett |

    Passei algum tempo em Manaus, na Amazônia, e também no Pantanal, mas o que mais prezo é a Mata Atlântica, ao longo da costa sul do país de vocês. É a região mais densamente povoada do Brasil, mas as manchas de floresta remanescentes ainda abrigam algumas das espécies mais exclusivas de qualquer lugar, de borboletas espetaculares a primatas, como o mico-leão-dourado. Apenas por diversão, por exemplo, fiz um esforço especial para encontrar sapos incomuns lá. A espécie inclui um que come frutas em vez de insetos, outro onde os machos dançam em vez de cantar, um terceiro cujo girino vive na terra … e também o menor sapo do mundo!

  • G | Temos debatido bastante sobre o fato de a pandemia ser uma consequência do modo equivocado como nos relacionamos com os recursos naturais. O que precisa mudar para evitar essa escalada de destruição?

    MM |

    Nossas deficiências cognitivas são difíceis de superar, uma vez que algumas estão embutidas em nossas mentes.Pensar a longo prazo tem sido especialmente difícil, visto que há recompensas rápidas em explorar a natureza. Essa falha continua mesmo agora que vemos evidências claras dos problemas à frente – mudanças bruscas no clima, incêndios, COVID. A educação é fundamental, é claro, mas, é triste dizer, as pessoas muitas vezes não reconhecem o valor de algo até que o perdem.