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ReportagemPoluição, algas, erosão, óleo: o que é preciso saber antes de ir à praia
Especialistas em oceanografia respondem questões fundamentais sobre degradação, restauração e preservação dos mares e da biodiversidade na costa litorânea brasileira
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Poluição, algas, erosão, óleo: o que é preciso saber antes de ir à praia
Especialistas em oceanografia respondem questões fundamentais sobre degradação, restauração e preservação dos mares e da biodiversidade na costa litorânea brasileira
É verão, calor, tempo de férias escolares e de praias abarrotadas no litoral do país. Famílias e grupos de amigos lotam a costa brasileira, de Sul a Nordeste, em busca de sol, descanso, sombra e água fresca. No entanto, é preciso mergulhar na realidade socioambiental desses balneários não apenas entre dezembro e janeiro.
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O cuidado com os mares e a biodiversidade que os cercam deve durar 12 meses, ano após ano, mesmo que de longe. Trata-se de uma responsabilidade coletiva que cabe a governos e à sociedade civil, individualmente ou por meio de projetos de preservação, restauração e conservação. Afinal, a falta de saneamento básico, as construções irregulares, os fertilizantes usados na agricultura e o lixo que descartamos seja em Belo Horizonte, no Amazonas ou em São Paulo, em algum momento e de diferentes formas, transformam-se em grandes prejuízos que desembocam numa praia, poluindo a água e contaminando os peixes.
“É fundamental cuidar do mar não só no momento em que você está ali na praia, tem que ser durante o ano todo, da sua residência, a partir de escolhas por produtos com embalagens orgânicas ou recicladas e de um consumo consciente”, diz Ricardo Haponiuk, oceanógrafo e coordenador da Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente (ANAMMA).
Estamos perdendo tanto as praias quanto a qualidade das praias
O biólogo Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da USP (Universidade de São Paulo) e coordenador da Cátedra UNESCO para Sustentabilidade do Oceano, fala que o turismo de sol e praia vai existir apenas enquanto existir praia. “Isso é um problema porque estamos perdendo tanto as praias quanto a qualidade das praias”, alerta.
Para compreender questões importantes relacionadas à problemática que envolve o ambiente praiano, como erosão, poluição, derramamento de óleo e os cinturões de algas que se acumulam à beira-mar, Gama conversou com especialistas que explicaram cada item e deram dicas de como ajudar a preservar esses locais.
O mar do Brasil está mais poluído?
A resposta curta e seca é: sim. Para o oceanógrafo Ricardo Haponiuk, “se a referência for ontem, hoje, infelizmente, o mar brasileiro está mais poluído porque todos os dias chegam às águas novos resíduos”.
De acordo com um estudo publicado em 2022 pela rede Blue Keepers, iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU) para combater a poluição plástica em rios e oceanos, o Brasil está entre os 20 países do mundo que mais poluem os oceanos com plástico — também somos o quarto país que mais produz lixo do material, segundo o Fundo Mundial para a Natureza (WWF). A pesquisa da ONU indica que, anualmente, cada brasileiro pode ser responsável por 16 quilogramas de resíduos que chegam ao mar.
O plástico cai nos rios, que vão drenando esses detritos até chegarem ao mar. Os rios são os grandes injetores de lixo plástico no oceano
Haponiuk afirma que cerca de 70% de todo o lixo que está no mar não é gerado na costa, ele vem do continente. “Esse é o exemplo mais claro de que todo brasileiro tem responsabilidade sobre isso. É a pessoa que está no litoral, mas também quem está no Acre ou numa cidade do interior. A gente tem um desafio de reciclagem grande no Brasil, que está bem longe de ser o ideal. E aí, geralmente, o plástico cai nos rios, que vão drenando esses detritos até chegarem ao mar. Os rios são os grandes injetores de lixo plástico no oceano.”
O biólogo Alexander Turra comenta que participou de um mapeamento do projeto Blue Keepers que mostrou as principais áreas de entrada de lixo do continente para o mar. Entre elas estão: a Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, cuja área de drenagem passa por Porto Alegre, a Baixada Santista, em São Paulo, e a Baía de Guanabara, na região metropolitana do Rio de Janeiro. “Daí temos a foz do Amazonas, em função do que ocorre em Manaus e em cidades com bastante bolsões de pobreza, além das capitais costeiras do Nordeste, especialmente em Recife”, lista.
O professor conta também que as chamadas zonas mortas, grandes áreas oceânicas que contêm pouco ou nenhum oxigênio, impossibilitando uma vida marinha regular, têm aumentado diariamente. “A água fica estagnada, basicamente sem vida, a não ser por micro-organismos que consomem oxigênio, e entra em um processo de degradação que libera, por exemplo, o enxofre, causador de um odor parecido com o de ovo podre.” Ele explica que esse fenômeno ocorre ao longo do litoral.
Como saber se uma praia é própria para o banho?
Alguns órgãos ligados ao meio ambiente, como a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), avaliam com frequência a qualidade das praias, com o objetivo de guiar os banhistas a evitar o contato com águas contaminadas. Semanalmente, a Cetesb emite um boletim com a classificação (entre própria e imprópria para o banho) das 150 praias do estado — mesmo assim, muita gente ignora os alertas e nada ou brinca em mares inapropriados, correndo o risco de contrair hepatite A, infecções (principalmente nos olhos e nas peles), cólera e gastroenterite.
Para produzir as classificações, são consideradas a presença de bactérias fecais na água das praias, a partir de um critério estabelecido pela Resolução 274 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). A legislação, porém, prevê a utilização de três indicadores de micro poluição fecal: os coliformes termotolerantes (chamados comumente de coliformes fecais), a bactéria escherichia coli e os enterococos. Nas praias paulistas, o teste de qualidade é feito pela quantidade dos enterococos encontrados.
Conforme informações do site da companhia, uma praia é considerada imprópria quando são identificadas densidades superiores a 100 unidades de colônias de enterococos para cada 100 mililitros de água (100 UFC/100 ml) “em duas ou mais amostras de um conjunto de cinco semanas ou valores superiores a 400 UFC/100 ml na última amostragem”.
Alexander Turra diz que a frequente perda de balneabilidade de uma praia por contaminação fecal humana se dá porque “o Brasil não tem tratamento de esgoto adequado”. “Em algumas regiões, o tratamento é feito com fossas. Assim, quando chove muito, as fossas extravasam e esse esgoto acaba indo parar no mar, contaminando a água”, detalha.
O docente da USP lembra também que atividades ao mar são desaconselhadas em outros tipos de situação, como a presença de óleo provocado por derramamento, como o que aconteceu no Nordeste em agosto de 2019. O vazamento se espalhou por mais de 3 mil quilômetros do litoral brasileiro, do Maranhão chegando ao norte do Rio de Janeiro, e provocou prejuízos econômicos ao turismo e às comunidades que sobrevivem da pesca, além da perda da biodiversidade, com a morte e o afugentamento de algumas espécies.
Mais de quatro anos depois desse que foi o maior desastre ambiental na costa nacional, há óleo, em pequenas quantidades, no litoral brasileiro devido ao movimento de marés e correntes marítimas — Leonardo Rosa, professor e pesquisador das áreas de ecologia costeira e biologia marinha da Universidade Federal de Sergipe, enfatiza, entretanto, que não é possível afirmar que esse óleo que aparece vez ou outra é resquício de 2019: “Pode ser de outras atividades que continuam acontecendo”.
Turra cita um terceiro elemento que pode deixar uma praia imprópria para banhistas, que é a já abordada questão do lixo.
Da mesma forma, o profissional traz à tona a erosão costeira, resultado de um desequilíbrio no balanço sedimentar das praias, em que a retirada de areia é mais intensa do que seu aporte natural. Um dos motivos para esse cenário ocorre devido à ocupação inadequada de áreas da costa, construção de resorts e estradas, além da exploração irregular de areia para obras, o que é proibido, mas acontece. “Ou seja, a areia sai mais do que chega, resultando na diminuição e, em alguns casos, na completa ausência de praias”, salienta Turra.
Por que tem se falado tanto em erosão costeira?
Nos últimos anos, o Brasil viu uma alta repentina de obras para frear e proteger a costa da erosão, como o alargamento de praias e a construção de espigões. O oceanógrafo Ricardo Haponiuk, da Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente, destaca que a erosão é um processo natural que ocorre desde sempre no planeta, independentemente da presença humana. “Os sistemas costeiros lidam naturalmente com a erosão e o seu oposto, a progradação, quando a praia ganha areia”, frisa.
O problema, segundo ele, se dá quando a erosão é resultado da intervenção humana na costa, ou seja, por meio da “artificialização de uma região que é naturalmente dinâmica”. “É assim que começam os choques. Você asfalta, pavimenta e constrói numa região que, de forma natural, tirava aquela areia e depois devolvia, mas que não consegue fazer mais isso porque há uma barreira física que dificulta essa regulação com naturalidade. A partir daí, temos então a erosão costeira”, explana.
Haponiuk reforça que a erosão é um problema socioeconômico global que se quantificou no Brasil. “Aproximadamente 60% da costa brasileira enfrenta algum tipo de processo erosivo”, realça. O oceanógrafo ressalta a complexidade do problema e a necessidade de uma abordagem integrada e conta que muitas cidades costeiras no Brasil são pequenas, com menos de 50 mil habitantes, e carecem de recursos e capacidade técnica para enfrentar a erosão. Portanto, a solução efetiva exige a coordenação entre os entes federados, com o governo federal desempenhando um papel crucial.
Ele sublinha a importância de ordenar os espaços costeiros, respeitando ecossistemas naturais como manguezais e restingas. A recomposição desses ambientes, embora desafiadora, é vital para a preservação da biodiversidade.
O coordenador da Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente fala que é fundamental um planejamento urbano ecológico, entendendo o município como um todo. Haponiuk argumenta que a falta de qualificação nesse planejamento pode levar a ocupações desordenadas, aumentando os impactos da erosão costeira. Esse enfoque integrado, conforme apresentado pelo especialista, visa não apenas resolver problemas pontuais de erosão, mas também promover o equilíbrio ambiental e a sustentabilidade ao longo do tempo.
Por que às vezes a beira do mar fica cheia de algas marinhas?
Não é uma sensação agradável caminhar ou nadar em meio a concentrados de algas marinhas, como os sargaços. Mas por que, cada vez mais, elas aparecem nas praias?
A presença abundante de algas na beira do mar está relacionada ao aumento de nutrientes na água. Nutrientes esses que provêm tanto do esgoto quanto de fertilizantes usados na agricultura e que são carregados pela chuva para o mar. Esse fenômeno natural de arribada de algas intensificado pelo aporte excessivo de nutrientes causa impactos nas praias e exige uma compreensão aprofundada dos processos naturais e antropogênicos que o influenciam.
“O crescimento excessivo das algas pode indicar problemas como o lançamento irregular de esgoto, não se limitando apenas ao doméstico, mas podendo envolver atividades industriais”, diz Ricardo Haponiuk. Mas elas fazem mal à saúde humana? Ele explica que a toxicidade das algas depende da espécie.
“É necessário realizar estudos para determinar a natureza das algas presentes em cada região, pois algumas espécies podem ser nocivas, liberando substâncias tóxicas. Em certas localidades, como Santa Catarina, por exemplo, medidas rigorosas são adotadas para monitorar e controlar a venda de frutos do mar, como mexilhões e ostras, que podem acumular toxinas presentes nas algas. Portanto, é crucial evitar o contato direto com áreas com grande presença de algas e não consumir produtos marinhos dessas regiões sem a devida verificação”, conclui.
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