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ConversasEduardo Moreira: "O planejamento de vida tem que andar junto com o financeiro"
Economista, escritor e educador que abraçou uma cruzada contra os bancos afirma que eles podem envolver o investidor desinformado num rolo de dívidas. “Não existe investimento com retorno alto e risco baixo”
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Economista, escritor e educador que abraçou uma cruzada contra os bancos afirma que eles podem envolver o investidor desinformado num rolo de dívidas. “Não existe investimento com retorno alto e risco baixo”
O economista Eduardo Moreira não é o educador financeiro padrão, daqueles que falam muito em investir para ficar rico. Ele pode até já ter acreditado nessas ideias no passado, mas passou por uma mudança de visão de mundo que o fez ter hoje o discurso oposto ao de um homem do mercado. Para ele, educação financeira pode ser o passaporte para o não endividamento, para fazer escolhas mais acertadas e, acima de tudo, para ter liberdade. E, para isso tudo, é preciso ficar bem longe das armadilhas dos bancos, que são, para ele, os maiores vilões do bolso de todos nós.
Fundador do Instituto Conhecimento Liberta, que oferece mais de 240 cursos online, mas que virou também um canal de notícias econômicas alinhado à esquerda, ele é autor de livros como “Travessia: De banqueiro a companheiro” (Civilização Brasileira, 2021) e “O que os Donos do Poder não Querem que Você Saiba” (idem, 2019).
Formado em engenharia pela PUC do Rio de Janeiro, ele estudou economia na Universidade da Califórnia de San Diego (UCSD), trabalhou no Banco Pactual até 2009, onde foi o sócio responsável pela área de Tesouraria, e de onde saiu para fundar a Brasil Plural e a Genial Investimentos. Nesta época, o seu currículo conta com acontecimentos curiosos, como a condecoração pela rainha Elizabeth II, da Inglaterra, em 2012 pela campanha que encampou contra a violência direcionada a cavalos.
Hoje, seu trabalho está mais marcado pela proximidade com o MST que pelo mercado. Ele foi um dos mentores da captação de milhões pelo movimento no mercado financeiro em julho de 2021. Com altíssimo engajamento nas redes sociais e mais de 1 milhão de seguidores no Youtube, é proximo também de nomes como Padre Julio Lancelotti e Leonardo Boff, e virou persona non grata do ex-presidente Jair Bolsonaro (2018-2022). Fala contra o sistema capitalista e casa seu trabalho de educação financeira com toques de espiritualismo e filosofia, como aponta seu livro mais recente “A Intenção Primeira: Um ensaio sobre a natureza do real” (Civilização Brasileira, 2023).
Divulgação
Na entrevista a Gama, Moreira afirma que o planejamento financeiro não pode se distanciar da sua filosofia de vida e dos seus projetos pessoais. Ele alerta contra estratégias usadas pelos bancos para envolver investidores desinformados em um rolo de dívidas e fala sobre como é possível ter mais liberdade, sem perder de vista que o sistema capitalista não dá chance para quem está na base da pirâmide.
Muito do que se chama de educação financeira no Brasil é uma isca de bancos e corretoras para vender seus serviços financeiros
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G |Tem gente que tem certo medo da palavra finanças, acha que não entende nada sobre dinheiro e fica aflito quando a ideia é mergulhar nesse mundo. O que você diz a essas pessoas, qual a importância de fazer um planejamento financeiro?
Eduardo Moreira |Eu costumo dizer que só tem dois tipos de pessoas: as que têm e as que devem dinheiro. Para fazer um planejamento financeiro é preciso primeiro ter uma educação financeira, conhecimento, informação. Mas o grande problema é que muito do que se chama de educação financeira no Brasil é uma isca de bancos, corretoras e outras empresas para vender seus serviços financeiros. As pessoas morrem de medo de chegar no banco e não entender nada do que o gerente vai falar, não saber se o empréstimo está numa taxa boa, se aquela tarifa é justa ou injusta. Mas também não perguntam nada. Quem lucra com isso é o banco. Então como é que o banco vai oferecer uma educação financeira para você não cair mais nessas armadilhas e conseguir otimizar o uso do seu dinheiro, diminuindo assim o lucro dele mesmo? O que eles chamam de educação financeira é mostrar como comprar e vender ações ou títulos de renda fixa. Mas não ensinam por que existe uma ação, qual o propósito das coisas. A educação financeira tem que explicar os caminhos e a função do dinheiro e permitir organizar o seu caminho de onde você está hoje — seja em uma posição super endividada ou em uma posição com dinheiro sobrando — até onde você quer ir (pagar dívidas, guardar mais para comprar um carro ou pagar a faculdade dos filhos, por exemplo).
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G |Como é possível então furar esse esquema e se educar efetivamente?
EM |Poderia ser nas escolas ou nos cursos curriculares, mas não é o que ocorre. E há um problema enorme: as empresas que oferecem a educação financeira nas escolas são, muitas vezes, extremamente influenciadas pelos bancos. Isso tem um nome: conflito de interesse. Quem ensina educação financeira não pode ter patrocínio de banco, nem ser banco ou receber apoio de uma fundação que é de um banco. Eu tenho 1,3 milhão de alunos cadastrados nos meus cursos, então você imagina a quantidade de proposta que eu recebo para fazer propaganda nas minhas redes sociais, que são das mais engajadas do país. Eles querem me contratar para dar palestra, mas eu não posso ou entro naquele conflito de interesse. Como é que eu vou falar uma coisa que é ruim para os lucros dos bancos, se eles estão me pagando? Teve uma moda muito grande no Brasil, o chamado COE, Certificado de Operação Estruturada. Esse produto já tinha sido praticamente banido do mercado norte-americano e do europeu há mais de dez anos por causa da falta de transparência. Mas, aqui, os bancos chegavam a ganhar 10% no momento em que você comprava o negócio. E nada saiu nos jornais sobre como funcionavam os COEs, que os bancos ganhavam uma fortuna. Quem são os principais anunciantes dos jornais? São os bancos. Então, parece que eu estou falando de investimento, e você me perguntou sobre planejamento financeiro, mas eu quero te falar que é a mesma coisa, porque quando você não se planeja bem financeiramente, você perde dinheiro. Ter um bom planejamento financeiro, fazer bons investimentos, se organizar mensalmente para suas contas fecharem depende da mesma educação financeira.
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G |Como pensar em investir se você tem dívida? tem um pensamento de que quem não ganha suficiente não investe. Isso faz sentido?
EM |Quem tem dívida tem que primeiro resolver o problema. O Brasil é um dos países onde as dívidas rolam a uma velocidade mais rápida. Em algumas categorias, você chega a ter oficialmente mais de 1.000% ao ano de taxa de juros. Cem reais emprestados nessas taxas altíssimas ao ano podem virar uma dívida, em cinco anos, de R$ 15 milhões. Quando você tem uma dívida a uma taxa considerada baixa, de 30% ao ano, se você tem um dinheiro que sobra na tua mão, quando você abatê-la, é como se você tivesse aplicando a 30% o seu dinheiro, porque você está evitando pagar isso de juros. Então, não adianta arranjar o melhor investimento do mundo, porque o melhor investimento do mundo não vai te dar mais de 30% ao ano sem você assumir muito risco. E se você já está endividado, a única coisa que você não quer assumir é risco; você quer resolver o teu problema. Quando há dívida, a primeira coisa a fazer é se organizar para quitá-la. Primeiro, indo até a quem você deve e negociando com ele. Já vi dívida de R$ 96 mil que o cara negociou por R$ 4 mil; de R$ 300 mil, que foram a R$ 50 mil. Segundo, ir quitando essas bolas de neve.
Qualquer investimento que promete mais de 2% ao mês é muito arriscado. E o que diz mais de 5% é golpe, desses em que você perde tudo
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G |Todo mundo pode investir?
EM |Para quem tem sobra de dinheiro, é possível investir a partir de qualquer valor. Por exemplo, os investimentos de menor risco que temos no Brasil são os títulos públicos, que têm um retorno muito bom. Alguns pagam mais de 10% ao ano — em poucos países do mundo há isso. E é possível comprar esses títulos públicos aqui a partir de R$ 30 pelo tesouro direto. Agora, para isso, elas precisam ter esse conhecimento para não cair no conto de uma corretora, que logo começará a oferecer produtos perigosos. E nunca acreditar na história de investimento com retorno grande e risco baixo. Isso não existe. Qualquer investimento que promete mais de 2% ao mês é muito arriscado. Qualquer investimento que promete rendimento mais de 5% é golpe. Um golpe em que você perde tudo.
Agora, eu vejo um monte dos chamados “gurus financeiros” dizendo que o problema das pessoas mais pobres do Brasil é aprender a poupar. Quem fala isso é de uma insensibilidade e de um desconhecimento total do que é ser pobre no Brasil. Como quem ganha R$ 1,5 mil por mês vai poupar, se tem que pagar um lugar para morar, comida, vestuário, transporte, remédio? É impossível. O problema não é que “vamos dar educação financeira para as pessoas mais pobres que elas vão começar a poupar”; não vão começar a poupar. O que elas podem fazer é não se endividarem por desconhecimento. Só isso já é uma ajuda muito grande.
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G |Mas tem algum jeito dessas pessoas se programarem para o futuro, para quando não puderem mais trabalhar?
EM |Não tem. Essa é a resposta que ninguém quer dar porque, se der, você questiona o sistema. A vida de quem ganha um salário mínimo está fadada ao sofrimento. O coach diz que tem que pensar positivo; tem a lei da atração e não sei o quê. Mas o cara tenta e não consegue. E aí a culpa é dele, e não do sistema. Mas temos que começar a colocar a culpa no sistema, em vez de colocar a culpa nas pessoas. O sistema é o culpado quando faz com que as pessoas trabalhem até mais de oito horas por dia ilegalmente para ganhar R$ 1,3 mil no final do mês.
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G |Você tem falado muito contra a lógica dos bancos. Como é possível fugir dela e ainda assim ser um investidor?
EM |Não existe não usar banco; todo mundo tem que usar banco, vivemos no sistema capitalista, onde se usa dinheiro e banco. E banco tem em qualquer lugar: em regimes comunistas, em países socialistas, na ditadura e na democracia. Não dá para fugir dos bancos, mas é preciso ter um conhecimento dos produtos financeiros para não cair nas armadilhas deles. E, do lado das instituições e do Estado, é preciso ter uma regulação dos bancos muito maior do que existe hoje, uma taxação muito maior do que existe hoje sobre o lucro e não sobre a receita deles, porque se for sobre a receita ela vai ser repassada para o custo das pessoas. Os bancos estatais também precisam oferecer uma competição real para os bancos privados.
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G |A que um investidor iniciante precisa ficar atento?
EM |O poder devastador dos juros compostos, principalmente para quem assume dívidas. Uma pergunta que todo mundo deveria fazer quando pega um dinheiro emprestado é a seguinte: “Se por algum acaso eu não te pagar nada, nenhuma parcela, quanto que eu te devo daqui a dois anos?” Essa pergunta é crucial porque o banco diz que a parcela cabe no seu bolso para a pessoa não fazer a conta do total. Se ela fizer essa pergunta, ela vai ter noção de quanto de juros o banco está colocando em cima dela e vai ter uma dica de que o negócio é furada.
O dinheiro é um meio, o capitalismo que o transformou em um fim
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G |Na sua trajetória, teve uma hora em que você mudou de caminho. Neste momento, você fez algum tipo de planejamento?
EM |Planejamento de vida. Eu o fiz no momento em que eu percebi que, ao trabalhar em banco, eu contribui para essa máquina de desigualdade, de geração de pobreza, de sofrimento. Eu não conseguia enxergar esse sistema, a forma como ele funcionava, enquanto eu trabalhava lá. Quando consegui enxergá-lo, percebi que eu trabalhava ajudando o vilão e, então, planejei mudar de vida. Passei a trabalhar tentando levar a educação financeira para as pessoas, lutando contra essa situação dos bancos. Mas tem um lado interessante também: quando eu quis sair dos bancos, eu era sócio, eu deixei de ter a receita, os ganhos, o salário, os bônus, os dividendos etc. Tive que readaptar completamente a minha estrutura financeira. Tive que cortar absurdamente os meus gastos e me adequar à nova realidade que eu teria ganhando menos. Fiz um grande planejamento financeiro para fazer uma mudança de vida. O planejamento de vida tem que andar junto com o financeiro porque muitas vidas se perdem, famílias se separam, casamentos são destruídos por conta de problemas financeiros. Para a vida andar do lado que a gente quer, a gente tem que ter equilíbrio nas finanças. Não precisa ser rico, mas tem que ter equilíbrio financeiro.
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G |Nos últimos anos um discurso muito diferente de quem fala de finanças pessoais, mais consciente e até anticapitalista. No entanto, o seu instituto oferece cursos para quem quer aprender a investir. Como conciliar essas duas coisas?
EM |Ensinamos a hackear o sistema também, tanto que a gente fez uma operação que captou, usando o sistema financeiro, quase R$ 20 milhões para o MST, um movimento que é atacado o tempo inteiro na imprensa apesar do trabalho maravilhoso que faz. Mas tem outro ponto: todas as pessoas que têm alguns centavos no Brasil estão colocando o dinheiro para financiar alguma coisa, mesmo que elas não saibam. O dinheiro que está na conta corrente delas pode estar sendo usado para financiar um fazendeiro que está degradando o meio ambiente ou uma mineradora que está poluindo os rios. E ela pode está pagando de revolucionária, de socialista, mas está financiando o inimigo dela. Então a educação financeira, aprender como funcionam os investimentos, é exatamente para você fazer com que o seu dinheiro não alimente as coisas contra as quais você luta e para que o seu dinheiro financie o mundo que você defende. Essa confusão acontece quando ensinar investimento vira uma coisa de estimular a pessoa a ficar rica. Isso nunca prometemos e, pelo contrário, dizemos que não existe fórmula que garanta riqueza.
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G |Nos seus livros, você tem falado mais e mais sobre espiritualidade e filosofia. Como elas podem andar juntas ao dinheiro?
EM |O dinheiro é um meio, o capitalismo que o transformou em um fim. A gente tem uma doença causada pelo dinheiro. Antigamente, as pessoas deviam sonhar com uma montanha de maçã, de carne, das coisas às quais elas faziam uso. Mas, hoje, as pessoas estão sonhando com uma montanha de dinheiro. E o dinheiro em si, a nota, a moeda não serve para nada. A não ser a troca. Uma vida equilibrada e feliz precisa de algumas coisas: um casaco para quando está com frio, um espaço para repousar quando está cansado. E, para você ter essas coisas, você precisa trocar trabalho por dinheiro e o dinheiro por essas coisas. O dinheiro deve te permitir ter escolhas, mas cabe a você fazer as escolhas corretas na vida.
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