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ReportagemCasais gays com filhos inspiram milhares nas redes sociais
Famílias compostas por dois pais fazem sucesso na internet compartilhando alegrias e dificuldades do dia a dia da paternidade em dose dupla
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Casais gays com filhos inspiram milhares nas redes sociais
Famílias compostas por dois pais fazem sucesso na internet compartilhando alegrias e dificuldades do dia a dia da paternidade em dose dupla
A cara da família brasileira está mudando. Não sem lutas contínuas por direitos e igualdade, muito menos sem esbarrar em preconceitos diários, mas o fato é que de alguns anos para cá, com possibilidades que vão da adoção à reprodução assistida, cada vez mais casais gays com o sonho de paternar têm formado o próprio núcleo familiar e, hoje, celebram o Dia dos Pais em dobro.
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Com o objetivo de mostrar ao mundo a conquista familiar e compartilhar os percalços até aqui para quem tem o mesmo desejo pegar alguns atalhos, muitas dessas duplas vão às redes sociais para dividir a rotina, os desafios e as alegrias, conquistando milhares de seguidores e se transformando em verdadeiros exemplos de amor, cuidado e diversidade.
O fenômeno, que se concentra no TikTok e no Instagram, não apenas desafia a homofobia, mas inspira quem está do outro lado do smartphone a acreditar que é possível construir a família que se quer, do jeito que se quer. Mesmo que isso custe processos que levam tempo e somam burocracias — como acompanhamos nas postagens.
Entre vídeos de momentos de brincadeiras com bastante dancinha e trends, fofurices mil, trocas de afeto e até debates sobre questões sérias e importantes do cotidiano, como educação e busca por dignidade e respeito, esses perfis se tornam verdadeiros faróis de esperança e inclusão, confirmando, como diz Milton Nascimento em “Paula e Bebeto”, que “qualquer maneira de amor vale a pena”.
Papá e papai
Uma dessas famílias que bombam na internet é a de Robert Rosselló Garcia, 33, e Gustavo Catunda de Rezende, 32. Juntos há 13 anos, eles são os nomes por trás do @2depais — perfil acompanhado nas mídias sociais por quase duas milhões de pessoas. Mas, antes do “final” feliz, o casal de engenheiros passou por várias coisas, como preconceitos vindos de parentes religiosos, um curso universitário conservador e um mercado de trabalho “extremamente homofóbico”.
“Foi luta atrás de luta e batalha atrás de batalha até a gente conseguir deixar tudo isso para trás, chutar a porta do armário e encarar a nossa relação para viver o que vivemos hoje”, diz Robert.
Apesar dessas pedras pesadas no caminho, desde a primeira ficada surgiu a conversa sobre a vontade de terem filhos, o que se concretizou pouco mais de uma década depois, em 23 de fevereiro de 2022 com o nascimento de Marc e Maya, 2.
Os gêmeos foram os primeiros no Brasil gerados com a genética dos dois pais — prática possível após a resolução CFM 2.294/21, que permite a utilização de óvulos de parentes de até quarto grau para gerar bebês, o que foi feito a partir dos óvulos de Camila e do útero de Lorenna, respectivamente irmã e prima de Gustavo, e do sêmen de Robert.
Registrando nas redes o passo a passo da barriga solidária, incluindo o processo de fertilização, custos, felicidades e frustrações, o nascimento dos pequenos e o dia a dia da família, aos poucos a dupla foi ganhando fãs fiéis.
Setenta e cinco por cento desses seguidores é composto por mulheres heterossexuais com filhos, mas há gays que pensam na paternidade, famílias de lésbicas e uma boa parcela de mães e avós de homens homossexuais que torcem para que seus filhos e netos tornem-se pais. “Essas são as mais engajadas, que mandam os nossos conteúdos para os filhos e os netos porque sonham em um dia serem avós e bisavós”, revela Robert.
Quando as publicações viralizam e furam a bolha, porém, essa chuva de carinho vira hate — o ódio online. Algumas eles respondem educativamente, noutras os próprios seguidores tratam de pontuar aos recém-chegados. “É chato, maçante, mas a gente sabe quem está chegando com amor e tem uma dúvida real, e quem chega com perguntinhas maliciosas só para tirar a gente do sério”, comenta Gustavo.
Há muitas maneiras para realizar esse sonho. E todas são lindas, incríveis e genuínas
Perguntas essas como a famosa e desnecessária: “Mas quem de vocês é a mãe?”. No caso, ninguém, pois essa é uma família de dois pais, ou de papá e papai, como as crianças os chamam. “Eu sou cubano e queria que elas me chamassem de papai em espanhol, e assim ficou, papá”, conta Robert. Para ele, a paternidade, com todas as suas nuances, alegrias, desesperos e cansaços, “é uma loucura, é puxada, mas é linda””
Gustavo incentiva: ”Hoje em dia, existem diversas formas de casais gays serem pais. Tem a barriga solidária, a barriga de aluguel fora do país, existe a adoção. Há muitas maneiras para realizar esse sonho.” “E todas são lindas, incríveis e genuínas”, complementa Robert.
Dois pais de Francisco
A paternidade de Alan Vieira, 34, e Patrick Campello, 33, se deu por meio da adoção. Em uma união há quase 11 anos, a chegada do filho foi aguardada por, aproximadamente, quatro anos, seguindo à risca todos os trâmites legais necessários para adotar uma criança.
Francisco, 2, chegou na vida dos dois com um mês e 12 dias, após uma ligação da assistência social perguntando se o casal gostaria de conhecer o bebezinho. “Claro, já é meu filho”, respondeu Patrick que, horas depois, foi às compras para providenciar tudo o que um recém-nascido precisa. No dia seguinte, às 9h, conheceram o filho e, às 14h, já estavam em casa, como uma família de três.
Até então, Alan era empreendedor e Patrick, professor de artes visuais. Quando, no entanto, o vídeo que fizeram com os familiares conhecendo de surpresa — todos sabiam da fila da adoção, mas o lugar nem a data da chegada — o novo membro foi visto por milhares de pessoas, eles assumiram um novo ofício, o de criadores de conteúdo no @2paisdefrancisco.
Não temos ajuda, paternamos sozinhos mesmo
“Esse vídeo viralizou e, em uma semana, tinha marcas querendo fazer parceria e trabalhos com a gente. As pessoas passaram a mandar mensagens em relação à representatividade, queriam saber como era o processo da adoção. Porque na televisão há um pouco de romantismo sobre o tema, e falta esclarecimento a respeito de como começar, onde ir”, lembra Patrick. Atualmente, Francisco aparece com os pais no perfil, em conteúdos divertidos.
“Começamos nessa nova profissão com a chegada do nosso filho, então pudemos nos dedicar bastante. Foram praticamente dois anos nos dedicando muito ao Francisco e à paternidade. Não temos ajuda, paternamos sozinhos mesmo. A nossa rede de apoio é para uma folga eventual, é para ir ao cinema ou para fazer um trabalho fora. No dia a dia, somos nós três”, fala Patrick.
Três é (bom) demais
O três pode ser considerado o número da sorte de Carlos Henrique Ruiz, 37, e Lucas Rabello Monteiro, 33. Eles se conheceram em 2009 numa sala de bate-papo do UOL e seguem juntos, agora acompanhados de um trio especial, os filhos Kawã, 16, Edgar, 14, e Ketlin, 9.
A adoção ocorreu em 2019, não muito tempo depois da habilitação do casal. A notícia do nascimento da nova família veio por mensagem instantânea de celular, a mais inesquecível. “Nos mandaram as iniciais do nome de cada um, ‘K’, ‘E’, ‘K’, e as respectivas idades. Nos apaixonamos só com essas informações. Já sabíamos que eram os nossos filhos”, relembra Lucas.
Quando as crianças são adotadas um pouco mais tarde, explica Lucas, elas também são perguntadas se aceitam ou não os adotantes. Desde então, os irmãos sabiam que iriam para um lar homoafetivo, com dois pais, e concordaram sem enxergar problemas — como deveria ser com todos.
Com a convivência, Carlos, pedagogo, e Lucas, professor de língua portuguesa, foram criando conteúdos e envolvendo Kawã, Edgar e Ketlin, que não têm redes sociais próprias, mas participam eventualmente dos vídeos dos pais. Como influenciadores que se tornaram, também conseguiram mudar o padrão de vida da família.
“Tentamos juntar tudo isso a favor deles, tomando cuidado com a exposição, obviamente, mas a favor deles para que possam crescer e ser o que quiserem ser. Eu e o Carlos, por muito tempo, não tivemos a oportunidade de escolher ser o que a gente era. Então, queremos dar essa oportunidade”, elucida Lucas.
A educação, que antes fazia parte do dia a dia profissional do casal, agora está inserida nas postagens do perfil @paisde3_. “Vimos que poderíamos trabalhar com a educação de uma outra forma. Uma educação que mexe com a sociedade como um todo, que trabalha o amor, o respeito e a diversidade.” Pais de filhos pretos, a dupla também aprende sobre negritude e empoderamento para preparar ao máximo os três para o mundo real que, às vezes, é cruel e racista.
Carlos define a paternidade como um processo de transformação. “A gente começa a conhecer uma outra pessoa que vive dentro de nós. Revisitamos a nossa infância por meio do olhar dos nossos filhos e revisitamos lugares com uma perspectiva totalmente diferente daquela que nós vivemos algum dia como um casal ou na nossa individualidade, porque tudo começa a ter um novo peso. A paternidade é um processo de transformação, de autoconhecimento e de aprendizado. A paternidade é uma maravilha”, frisa.
Mais famoso como pai
Ator consagrado, Carmo Dalla Vecchia, 54, é pai de Pedro, 4, filho que chegou por meio de uma barriga de aluguel feita nos Estados Unidos, e é criado por ele junto do companheiro de quase duas décadas, o novelista João Emanuel Carneiro, 54.
“Acredito que hoje sou muito mais conhecido por esses vídeos do que com o meu trabalho como ator”, ri. Ele diz isso pelo retorno que tem das pessoas, nas ruas ou por mensagens diretas. “Recebo muitos elogios de mães que me agradecem pela representatividade que eu trago aos filhos delas. Muitos outros casais homoafetivos vêm conversar comigo também.”
Compartilhando recortes do cotidiano ao lado do garoto, ora pílulas de comédia ora pequenos vídeos que trazem assuntos mais sérios, Carmo relata que cria esses conteúdos para seu 1,5 milhão de seguidores porque acha a representatividade importante. “Para que homens como eu não se sintam tão sozinhos. Para que outras pessoas sejam mais felizes”, observa.
Acredito que hoje sou mais conhecido por esses vídeos do que com o meu trabalho como ator
E o retorno do seu público é tamanho que ele está produzindo, para 2025, uma obra teatral baseada nos feedbacks vindos pelas redes sociais. “O espetáculo se chama ‘A Alma Debruçada na Janela’ e se baseia em histórias de pessoas que me contaram, pelo Instagram, as suas questões e os seus dilemas. Histórias essas que fazem parte da minha comunidade ou de outra letra da comunidade LGBTQIAP+.”
Como pai de uma criança pequena, é certo que perrengues existem. Carmo, entretanto, vê com ternura até as adversidades. Ele conta o porquê: “Quando dois pais resolvem ter filhos, ou duas meninas decidem ser mães, geralmente é uma decisão que foi muito pensada, articulada, muito conversada em casa, muito analisada. Então, todas as questões que eu passei até agora com o meu filho, nunca considerei grandes dificuldades. Foram alegrias. Até quando ele me acorda no meio da noite.”
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