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Mariana Simonetti

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Reportagem

Jovens, futuro e saúde mental

Em meio à crise econômica e às barreiras para o primeiro emprego, jovens brasileiros encaram falta de perspectivas e impacto na saúde mental

Leonardo Neiva 30 de Outubro de 2022
Mariana Simonetti

Jovens, futuro e saúde mental

Em meio à crise econômica e às barreiras para o primeiro emprego, jovens brasileiros encaram falta de perspectivas e impacto na saúde mental

Leonardo Neiva 30 de Outubro de 2022

Hoje no segundo ano do ensino médio, a jovem paulistana Dora, 16, decidiu fazer um curso de gestão administrativa em 2021, por meio da organização Instituto da Oportunidade Social (IOS), já pensando em trabalhar como jovem aprendiz. Até o momento, foram quatro entrevistas em diferentes empresas, por onde parece ter deixado um rastro de boas impressões. “Em três delas eu passei, mas não pude aceitar porque me pediam para estudar de noite”, conta a adolescente. Como Dora é bolsista numa escola particular e não tem possibilidade de mudar o horário do curso, largar mão da bolsa às vésperas do vestibular lhe pareceu inviável.

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No momento, ela segue atrás de uma vaga para estrear no mercado de trabalho. Seu objetivo: iniciar a faculdade já empregada. Dora diz que a insegurança para assumir um emprego mais para a frente é o que a tem movido a buscar uma maior bagagem profissional desde tão cedo. “O mercado de tecnologia muda muito rápido, então vivo fazendo cursos online para me manter atualizada.”

Ela também faz críticas à falta de compreensão e flexibilidade das empresas que buscam jovens profissionais, ainda com necessidades típicas da adolescência e em fase de intenso aprendizado. “Precisam entender que o jovem está lá para aprender e também porque precisa do emprego. O trabalho não deve sugar nem os estudos nem a vida pessoal.”

Precisam entender que o jovem está lá para aprender, o trabalho não deve sugar nem os estudos nem a vida pessoal

Pesquisas já mostram o quanto, dentro da realidade brasileira, cursos de capacitação e treinamentos profissionais desde cedo ampliam consideravelmente as chances de jovens conseguirem trabalhos duradouros e com maior estabilidade. No entanto, nem o fato de um quarto da população brasileira estar na faixa dos 15 aos 29 anos tem levado o governo brasileiro a desenvolver mais políticas públicas específicas para auxiliar essa população.

E a falta de perspectivas já fica clara numa pesquisa como o Datafolha voltado para essa faixa etária. No total, 76% dos jovens demonstraram vontade de deixar definitivamente o Brasil, buscando gramados mais férteis e promissores lá fora.

De acordo com a economista Claudia Costin, diretora do FGV Ceipe (Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais), esse dado aponta para a desesperança dos jovens em relação ao futuro no país. Se, por um lado, os índices de desemprego de fato têm caído, a renda do trabalho também faz um movimento parecido de queda — na verdade, o índice acaba de ter sua primeira alta após quase dois anos inteiros de declínio . “O trabalho disponível é mais precarizado, e o jovem observa isso”, afirma Costin, que é ex-diretora de educação do Banco Mundial.

Postos de trabalho informais ou menos especializados, onde costumam se concentrar os trabalhadores mais jovens, estão entre os mais afetados pelas crises econômicas, diz o pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Carlos Henrique Corseuil. Eles foram, portanto, alguns dos principais impactados nas crises de 2015 e de 2020, no contexto da pandemia.

Num mercado que se transforma o tempo todo, fica difícil projetar o que é uma formação profissional bem-sucedida num horizonte de 10 ou 15 anos, afirma Corseuil. “Já se foi o tempo em que ter concluído o ensino médio o colocava nessa posição de destaque relativo”, considera o pesquisador. “O jovem tem que fazer um esforço cada vez maior de formação para ingressar num mercado de trabalho que hoje ele enxerga como oferecendo poucas boas oportunidades.”

Além da crise econômica instalada por aqui, porém, a especialista aponta outro fator crucial na hora de entender esse aumento de vagas precárias: a automação acelerada do mercado, que vem exigindo profissionais cada vez mais capacitados para determinadas funções. Um fenômeno de proporções globais, ela afirma.

Segundo Costin, o mercado brasileiro ainda olha com desconfiança para jovens sem experiência profissional e não oferece incentivos suficientes para que eles entrem numa empresa e criem desde cedo um vínculo com ela. “Precisa haver incentivos para capacitar pessoas dentro de uma organização, de forma que se fidelizem e sintam pertencentes a ela, inclusive com oportunidades de crescer profissionalmente ali”, declara. Além disso, a economista destaca a importância de políticas públicas que acolham e complementem a formação de jovens de baixa renda.

Para a superintendente do IOS, Kelly Christine Lopes, investir na capacitação de jovens de baixa renda, com pouca ou nenhuma experiência profissional, pode inclusive ser um bom negócio. “Além de entenderem aquilo como uma grande oportunidade, eles têm medo de perder essa chance e um sentimento de respeito e gratidão pelo trabalho”, declara. Portanto, segundo ela, apesar de demandarem maiores esforços de treinamento, são jovens profissionais que tendem a permanecer por mais tempo na empresa. “Dá resultado, não é nenhum favor.”

O enigma do primeiro emprego

Se conseguir uma vaga já não era fácil para os jovens brasileiros, a tarefa ficou ainda mais complicada no pós-pandemia, diz Lopes. “Vagas administrativas, que usam do computador, se tornaram mais exigentes até para o primeiro emprego”, aponta a representante do IOS. Além de muitas dessas posições terem passado ao regime híbrido ou 100% home office — o que requer um treinamento específico, difícil de ser realizado à distância, e uma estrutura tecnológica à qual nem todo mundo tem acesso em casa –, segundo Lopes, algumas empresas já pedem inglês intermediário ou mesmo algum tipo de experiência até para quem está começando.

“Por isso, para uma vaga de primeiro emprego que paga um salário mínimo, encontramos candidatos até com três anos de experiência, mas que ficaram desempregados na pandemia e precisam trabalhar de alguma forma”, aponta. Por isso, um dos lemas da organização é que os jovens precisam sim de ajuda nesse momento. Não porque estejam desinteressados, mas porque necessitam mais do que nunca de um mentor para apontar o melhor caminho, diz Lopes.

Enquanto jovens de classe média sonham em trabalhar fora do país, segundo ela, os vindos da periferia buscam objetivos mais simples e imediatos: ajudar a colocar comida na mesa e sustentar a família. Nesse caso, cursos profissionalizantes ou técnicos, que ensinem novas tecnologias, trazem uma formação mais imediata e a possibilidade de uma inserção rápida no mercado. Um dos grandes desafios, porém, é incluir as famílias mais pobres num mundo cada vez mais conectado, em que elas vêm sendo deixadas para trás, afirma Lopes. “Senão, cada vez mais teremos jovens de 28 ou 29 anos que nunca tiveram um registro na carteira e só trabalharam até ali fazendo bicos.”

Panela de pressão

Esse estado de coisas e as poucas perspectivas de futuro vêm contribuindo para a queda nos níveis de saúde mental entre os jovens, diz a professora de psicologia da USP Leila Tardivo. Às pressões de todos os lados nessa fase da vida — escolher uma carreira, ter uma formação adequada, buscar um emprego –, se une também o impacto dos dois anos de isolamento, que teriam ajudado a gerar um aumento significativo nos casos de depressão e ansiedade. “Pós-pandemia, atendimentos psicossociais dobraram não só na rede pública, mas também em escolas particulares”, lembra Kelly Lopes, do IOS.

“A pressão em cima do adolescente quando começa a crescer, de precisar ter uma faculdade e um trabalho, é muito grande”, revela Dora. As constantes entrevistas de emprego, que acabaram não dando certo, também foram uma dolorosa fonte de frustrações este ano, conta a adolescente. “Você quer um emprego, se desenvolver, virar adulto. Isso suga muito a gente, a ansiedade fica a mil.”

A pressão em cima do adolescente quando começa a crescer, de precisar ter uma faculdade e um trabalho, é muito grande

Coordenadora do Apoiar, projeto da USP que presta serviço a jovens e pais ou responsáveis em situação de vulnerabilidade social, Tardivo diz atender com frequência inclusive estudantes da universidade com quadros depressivos ou demonstrando uma intensa desesperança em relação ao futuro. “Depressão, ansiedade e até casos de autolesão vêm crescendo muito, em meio às angústias sobre o futuro e as condições de trabalho. Tudo isso precisa ser devidamente tratado.”

Segundo a psicóloga, só com as políticas públicas que existem hoje ou criando mais vagas de subemprego, a situação não deve mudar. “Não são iniciativas suficientes para a imensidão de jovens que estão sofrendo hoje.” Para ela, o ideal é implementar políticas de qualidade de vida em larga escala, também com cursos e oportunidades profissionais para que os jovens tenham uma vida melhor. “É preciso fazer um trabalho de prevenção na saúde mental e incentivar esses jovens a desenvolver seus próprios recursos profissionais”, declara.

Projeto de vida

Para dificultar ainda mais um momento que já é tradicionalmente complexo, ainda há no Brasil uma tendência à infantilização dos adolescentes, diz Claudia Costin, da FGV. Esse fator, segundo ela, ainda impede nosso sistema educacional de expor os estudantes desde cedo à necessidade de fazer escolhas. “Tínhamos um ensino médio com 13 matérias espremidas em quatro horas de aula. Em outros países, são até nove horas diárias, com não mais do que oito disciplinas. Assim, o jovem já vai escolhendo seu caminho, o que é muito positivo.” Para ela, o interesse no mercado de trabalho não vem naturalmente e precisa ser estimulado nessa fase.

Uma mudança que a especialista considera positiva, no entanto, é a inclusão da matéria Projeto de Vida no currículo do Novo Ensino Médio, que começou a ser implementado gradativamente em 2022. Segundo Costin, a disciplina permite ao aluno “um tempo na jornada escolar, com mentoria de professores, para refletir sobre seus sonhos, buscando entender a conexão deles com as matérias que estão à sua disposição.”

Também há estigmas sociais e culturais com que é preciso lidar no Brasil para que a formação superior dos jovens seja mais igualitária, diz a representante da FGV. Um deles é a diferença de visão sobre os gêneros, com homens ainda sendo mais comumente associados a profissões da área como engenharia, matemática e as ciências. “É muito importante que as escolas exponham as crianças desde pequenas a diferentes possibilidades profissionais. Hoje em dia, existe uma consciência sobre isso, que inclusive deve ser mais trabalhada junto aos pais, que podem acabar reproduzindo esses estereótipos.”

Depressão, ansiedade e até casos de autolesão vêm crescendo muito, em meio às angústias sobre o futuro

Os pais, ela reforça, também têm grande impacto na formação de um sentimento que também costuma ser mais presente em profissionais do sexo feminino: a síndrome do impostor. Ele ocorre quando a pessoa pensa que não tem o talento ou preparo suficientes para ocupar uma determinada posição e que seria, portanto, uma fraude. “Muitas vezes os pais, com as melhores intenções, querem que o filho se empenhe mais. Mas, ao fazer isso na dose errada, podem levar o jovem a não confiar nos próprios talentos.”

Apesar de ainda não estar empregada, a adolescente Dora conta que só o fato de ter passado por entrevistas profissionais, sendo aprovada na maioria delas, já a faz se sentir mais segura em relação às suas capacidades. A angústia, no entanto, continua viva. Ela confessa sentir medo de ser deixada para trás num mercado extremamente competitivo e em constante mudança. “Por mais que eu seja jovem, fico pensando que, quando sair da escola, já não vou ser mais tão jovem quanto as pessoas que estão estudando hoje.”