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SemanaNFT e música: fonte de renda e aproximação com fãs?
Ganhando força na indústria musical no Brasil e no mundo, NFTs são vistos como nova fonte de renda e forma de aproximar artistas e fãs
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Ganhando força na indústria musical no Brasil e no mundo, NFTs são vistos como nova fonte de renda e forma de aproximar artistas e fãs
Em março, a banda de rock americana Kings of Leon lançou seu mais novo álbum, “When You See Yourself”, de forma inusitada. O álbum foi disponibilizado em diferentes formatos de NFT (non-fungible token ou token não-fungível). Para quem continua “boiando” com essa explicação — desconhecimento que representa 88% dos americanos —, NFTs são certificados digitais armazenados na plataforma blockchain, que garantem a autenticidade de praticamente qualquer coisa no mundo virtual. Diferentemente de outros tipos de tokens feitos por aí, e até mesmo de álbuns físicos, NFTs são únicos e não intercambiáveis, característica que tem sido a principal responsável pelo alvoroço que eles vêm fazendo em diversos setores e mercados pelo mundo.
O álbum da banda Kings of Leon, uma das primeiras a investir fundo nesse novo formato, chegou ao mercado em três categorias diferentes: um pacote especial incluindo o álbum; mordomias para shows ao vivo da banda, como acesso ao camarim e assentos nas primeiras fileiras por toda a vida; e artes visuais exclusivas relacionadas à música da banda. Rapidamente, a estratégia deu resultado. Em pouco mais de uma semana, as vendas de tokens exclusivos do álbum superaram os US$ 2 milhões (cerca de R$ 10 milhões).
Entre os atrativos do NFT aos artistas, estão a maior independência financeira em relação a gravadoras e aos streamings de músicas
Embora estejam entre os pioneiros, os Kings of Leon não são os únicos representantes da música a aderir ao mercado de NFTs, que até agora vem se mostrando bastante lucrativo — recentemente, o primeiro NFT da história foi vendido em leilão por mais de R$ 500 mil. Gigantes como Jay-Z e o lendário produtor americano Quincy Jones também estão investindo no formato.
O disco “When you see yourself”, da banda Kings of Leon, comercializado em NFTs
No Brasil, as NFTs no mercado da música ainda estão engatinhando, com algumas das primeiras empresas especializadas no assunto surgindo no horizonte. Nomes como Phonogram.me, All Be Tuned e Brodr já estão abrindo as portas para os músicos nacionais, alguns deles colocando seus primeiros NFTs musicais no mercado com resultados promissores.
Entre os principais atrativos vendidos aos artistas, estão a maior independência financeira em relação a gravadoras e aos streamings de músicas, que ainda trazem poucos resultados principalmente para artistas iniciantes e independentes. Além disso, acredita-se que o recurso ajude a aproximar os artistas de seus fãs e do público em geral, que poderá ter às mãos conteúdos exclusivos de suas bandas e cantores preferidos.
Uma empresa
Em março, a CEO da empresa de blockchain Moeda Seeds, Taynaah Reis, 33, decidiu aproveitar um antigo empreendimento para adentrar o mercado de NFTs musicais. Criada em 2012, num projeto que incluía também uma carreira como cantora solo, a All Be Tuned nasceu como uma gravadora voltada para projetos musicais colaborativos. Só que, depois de um tempo, o projeto acabou sendo abandonado. Este ano, em meio ao hype desse tipo de produto no universo artístico, a empresária decidiu retomá-lo, mas como uma plataforma de lançamento e venda de NFTs de músicos e artistas brasileiros independentes.
Como uma espécie de protótipo do projeto — e da ideia de que esse mercado é adequado para artistas independentes ainda em início de carreira —, ela lançou 100 tokens de sua música “Tudo Bem”, cada um pelo valor de US$ 333 (R$ 1.688). E vendeu tudo, para investidores brasileiros e estrangeiros, em menos de 48 horas.
Taynaah destaca que o universo dos NFTs representa uma carreira a longo prazo, que demanda planejamento e cuidado. “Os primeiros NFTs têm grande influência no desempenho dos próximos”, explica. Até por isso, a empresa tem investido em uma maior educação dos artistas sobre o formato. Ao mesmo tempo, segundo ela, NFTs seriam uma forma de abrir portas que antes não existiam. “Gente que ninguém nem nunca ouviu falar vem fazendo sucesso. Artistas inovadores têm possibilidade de fazer dinheiro com suas obras.”
Capa do single “Tudo bem”, de Taynaah Reis, primeiro NFT vendido pela All Be Tuned
A aposta, ao trabalhar com artistas independentes, é também atrair a atenção de investidores internacionais, com foco na China. Para os próximos meses, a empreendedora prevê lançar NFTs de alguns artistas mais conhecidos do público — mas pede desculpas por não pode dar mais detalhes por enquanto.
Quem dá mais?
Até o momento, boa parte dos negócios se formando dentro desse campo no país aposta num modelo de venda de NFTs por meio de leilões virtuais, especialmente aqueles voltados a artistas já consolidados na indústria. Ou seja, nesse modelo, quem chega antes e oferece mais dinheiro leva.
Segundo Bernardo Quintão, diplomata da plataforma de criptomoedas Mercado Bitcoin, dentro dessa realidade já se observam dois caminhos principais. Alguns artistas optam por fatiar os direitos autorais de suas músicas e vendê-los dentro das NFTs para suas bases de fãs, gerando um engajamento direto com o público e permitindo que recebam royalties regularmente. “Outros usam esse mecanismo para oferecer conteúdos e brindes exclusivos, como dar acesso à área VIP em um show ou receber, através daquele token, um álbum autografado do artista.”
Mas Taynaah alerta: não adianta vender a promessa de acesso vitalício aos shows da banda e depois permanecer de braços cruzados. É preciso haver um planejamento por trás, que torne viável esse tipo de negócio, evitando que se transforme em uma garantia vazia. “Precisa entender primeiro o que se pode entregar porque no mundo dos tokens não tem como apagar, é algo que vai ficar registrado publicamente.”
Você pode comprar uma obra, mas não tem direito de usá-la num filme ou explorá-la da forma que quiser. Há muitas limitações
Um outro problema é a questão dos direitos autorais e da titularidade das obras compradas em NFT, como explica o advogado Arthur Deucher, especializado em direito de mídia, entretenimento e tecnologia. “Isso tem que estar muito claro no contrato. Por exemplo, você pode estar comprando uma obra para ter como colecionador, mas não tem direito de usá-la num filme ou explorá-la da forma que quiser. Há muitas limitações.” Lançar em NFT músicas antigas também pode ser uma dor de cabeça. Num caso desses, é provável que o artista tenha que negociar antes com todos que detêm algum direito sobre aquela música. “De todas as artes, a música é um dos ambientes mais complexos em relação aos direitos autorais, justamente pela multiplicidade de agentes envolvidos”, explica Deucher.
Esses problemas, no entanto, não têm inibido o mercado por aqui Músicos como André Abujamra e a cantora Urias lançaram em NFT colaborações com o artista plástico Uno de Oliveira. Abujamra inclusive é embaixador da plataforma brasileira Phonogram.me, que oferece aos artistas um lugar para vender seus NFTs em diferentes modalidades e formatos. A cantora Pabllo Vittar também já anunciou uma arte em NFT para o lançamento de seu quarto álbum. Assim, o Brasil vai entrando aos poucos no universo dos NFTs.
“Heart”, do artista plástico Uno Oliveira, feito em parceria com a cantora Urias e também vendido como NFT
Um mercado para todos?
Apesar de estar disponível para venda online, segundo conhecedores do assunto, ainda não dá para dizer que NFTs são para todos. No caso de bandas e músicos, o público realmente interessado nesses produtos é formado principalmente por fãs e colecionadores ligados de alguma forma àqueles artistas, explica Quintão. Além disso, segundo ele, há ainda uma restrição no Brasil “menos financeira que tecnológica”.
“O mercado é muito novo. Para comprar NFTs, é preciso estar por dentro de como funciona o mercado de cripto, lidar com carteira digital… esse ainda é o maior desafio”, afirma o representante do Mercado Bitcoin. “Apesar de haver algumas NFTs de valores relativamente baixos, para muita gente ainda é difícil interagir. O próximo passo deve ser disseminar essas tecnologias para o público geral.”
De acordo com Deucher, NFTs podem inclusive ajudar alguns artistas a alcançar um mercado internacional. É o mesmo que defente Taynaah, que quer auxiliar alguns de seus clientes a conquistar investidores na Ásia. Por enquanto, ela diz, o mercado ainda é caro e burocrático. “Mas, quanto mais baixo for o custo das novas tecnologias, que já estão surgindo agora, mais democrático e acessível esse mercado vai ser.”
Feito bola de sabão
Mas nem tudo é um mar de rosas. Além da questão ambiental, que tem sido alvo de protestos — a rede Ethereum, onde acontece a maioria das transações de NFTS, consome grandes quantidades de energia, gerando emissões de carbono —, muitos especialistas apontam que o mercado de NFTs vive uma bolha, com o imenso hype gerado pela novidade e valores inflados, que estaria prestes a estourar.
Na verdade, segundo a plataforma de notícias Protos, focada no universo cripto, essa bolha pode até já ter estourado. Segundo dados analisados pelo site, NFTs alcançaram seu pico de vendas no mundo no início de maio — e, desde então, caíram assustadoramente. Enquanto só no dia 3 foram vendidos US$ 102 milhões em NFTs, cerca de um mês depois as vendas despencaram para US$ 19,4 milhões ao longo de uma semana. “Considerando tudo isso”, conclui a reportagem, “os dados sugerem que a bolha dos NFTs durou apenas quatro meses.”
Especialistas apontam que o mercado de NFTs vive uma bolha, com o imenso hype gerado pela novidade e valores inflados, que estaria prestes a estourar
Para Quintão, essa grande flutuação, que vem ocorrendo desde o início do ano, é compreensível dentro de um mercado tão recente e ainda pouco definido. “Faz parte da especulação do universo de criptomoedas, algo normal desse mercado. Muita gente investe e compra sem muito fundamento, só para surfar na onda e ganhar um dinheiro fácil”, afirma. Assim, os produtos e plataformas mais sólidos devem resistir e ajudar a criar uma infraestrutura para esse mercado, diz o representante do Mercado Bitcoin.
O fato de ser uma bolha, na realidade, nem importa muito, diz Arthur Deucher. Isso porque NFTs não são importantes ou bem-sucedidos por si sós, mas como uma nova forma de interação entre artista e fã, algo para o que jamais vai faltar demanda. “E, como em qualquer forma de mercado, grandes nomes, como Kings of Leon, Deadmau5, Grimes, Steve Aoki, se consagra ainda mais.” O que falta no momento, segundo ele, é o mercado ganhar maturidade, “um entendimento não só regulatório, mas dos modelos de negócio que serão adotados”.
E, no caso do Brasil, haveria ainda uma dificuldade a mais. “A legislação de tecnologia é incipiente. A lei do direito autoral, por exemplo, é problemática em relação ao mundo tecnológico em que vivemos. Precisamos de normas que acompanhem essas disrupções tecnológicas quase diárias que vêm surgindo.”