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SemanaPelo que você agradece em 2021?
Foi um ano duro, e que agora chega ao fim. Nossos leitores contam como, apesar das dificuldades, agradecem por certas conquistas, recomeços e vitórias em 2021
Mariana Simonetti
‘Me surpreeendi quando as pessoas fizeram coisas boas e inusitadas. Foi uma mistura de sofrimento e acolhimento’
Paula Lutti, 54 anos, pedagoga e terapeuta de casal e família
“2021 foi meu primeiro ano fora da escola onde trabalhava. Apesar de estar triste em deixar o trabalho, quando meu marido contraiu covid-19, em março, consegui ficar totalmente dedicada a ele. Foi um período muito duro, houve um momento em que praticamente perdemos nossas esperanças. Vi coisas horríveis quando fui ao hospital durante a internação, e depois durante a intubação. Muitas pessoas morreram, mulheres grávidas perderam seus bebês. Tudo muito difícil. Nesse período, além da família num geral, fui muito grata aos meus filhos, que foram extremamente companheiros, estavam ali para ouvir as notícias boas sobre o pai, e as ruins também. Ficaram do meu lado o tempo todo, foram sensacionais. Fui muito grata à nossa condição, que permitiu hospital e médicos excelentes e cuidadosos. Eles bateram muito na tecla de que meu marido não estaria aqui hoje se não fosse por isso.
Algo que me surpreendeu foi o quanto as pessoas fizeram coisas boas e inusitadas. Professoras, orientadoras e colegas da escola enviaram tortas e cafés da manhã para que eu não precisasse me preocupar e pudesse ter um tempo para mim, para descansar daquela loucura. Recebi orações das mais variadas religiões, energias positivas, mensagens, carinhos. Todo mundo se mobilizou, se prontificou, torceram e cuidaram de nós. Foi uma mistura de sofrimento e acolhimento. Toda essa situação parece ter despertado o melhor nas pessoas ao meu redor.
Agora, depois que toda essa loucura passou, vieram os pães, que comecei a fazer para cuidar de mim, e se tornou um negócio com potencial de sucesso. E meu consultório de terapia familiar também, que tem cada vez mais atendimentos. Tenho essas duas possibilidades, o consultório, planejado por anos, e o pão, que aconteceu de repente. Só me faz pensar como é bom viver uma aposentadoria que não é um fim, e sim um novo começo. E ainda mais poder viver isso depois de um ano tão turbulento, em que eu realmente pensei que não iria dar certo.”
Mariana Simonetti
‘Sou grata ao meu corpo, ao meu sono. Foi com eles que consegui passar este ano de uma maneira mais leve e fácil’
Sofia Guglielmo, 32 anos, sommelièr e coordenadora de conteúdo e marketing
“Sou uma pessoa bem viciada em endorfina, e de repente me vi órfã do esporte que amava. No início de 2021, sofri um acidente de bicicleta. Foram uma série de operações bem complicadas. Tive que lidar com muita frustração, dor, limitação. Tive que reaprender muita coisa, me vi muito vulnerável, não só pela limitação de movimentos, mas todo o processo com plano de saúde, cirurgias, etc. Até o meio do ano, tive um processo intenso de recuperação, e precisei descobrir outras formas de me movimentar.
Nesse período, tive um contato muito próximo com o meu corpo, as dores, remédios para evitá-las. Entrei numa busca por me alimentar melhor, entender o que eu poderia fazer para otimizar minha recuperação muscular, minha movimentação, fora a fisioterapia. Passei a trabalhar de segunda à sexta, no horário comercial, e isso me ajudou muito a trazer o senso de rotina. A junção da prática do esporte e da rotina, na pandemia, foi essencial para o meu bem-estar. Saúde física e mental caminham juntas. Foi curando meu corpo que consegui me livrar das ansiedades, de toda piração que foi viver numa pandemia. Consegui manter meu bom humor através do esporte. Parei a bicicleta, e comecei a praticar corrida de rua, e me apaixonei loucamente. Tive esse processo de me despedir de um esporte que eu amava, para encontrar paixão em um outro.
Meu sono foi essencial, porque se não fossem pelas boas noites de sono que tive, não conseguiria fazer o que faço. Sei o quanto dormir mal atrapalha em tudo — trabalhar, conviver, conversar. Já dormi muito mal em algumas fases da vida, e com o esporte, com exercício, meu sono é outro. Sou grata ao meu corpo, ao meu sono. Foi com eles que consegui passar esse ano de uma maneira mais leve e fácil, com mais sabedoria e alegria, diante de tanta coisa bizarra que está acontecendo.”
Mariana Simonetti
‘Ser avô é receber de volta, com um monte de vantagens a mais, o filho e a filha que você teve’
Claudionor Picarelli, 70 anos, psiquiatra
“Em 2020 e 2021, me tornei avô cinco vezes. Se for para descrever tudo que senti, diria que é mágico. Ser avô é receber de volta, com um monte de vantagens a mais, o filho e a filha que você teve. Quando minha primeira neta nasceu, a primeira menina, ficava durante muito tempo com ela no colo, às vezes até de madrugada, enquanto minha filha descansava. A pequena dormia nos meus braços, e isso me remeteu à minha avó, que me criou. Minha mãe morreu quando eu tinha dois anos, e meu irmão, 40 dias. Minha avó e minhas tias cuidaram de nós, e recebi três mães no lugar da que havia perdido. Sempre tive um universo feminino muito forte na minha vida: minhas três mães, minha esposa, minha filha. E minha neta fez a ponte entre todas. Esse bando de mulheres fez com que eu olhasse mais para o universo feminino, o que foi muito rico para mim, para minha formação, educação, caráter. Estando ali com a minha neta no colo que fui me inteirar disso.
Ainda tive outros dois netos, e a quinta, uma nova menina, que chegou há poucos dias no mundo. Com cada neto foi uma experiência diferente: uns cuidei mais de perto, fisicamente falando, outros conheci por um tempo pelas telas, pela internet. Mas todos me remetem ao devir, uma área da psiquiatria que fala sobre o que nos tornamos, o que modificamos no mundo, o que é parte interna nossa, mas que também pode ser externa. Todo esse momento angustiante da pandemia, de preocupação e sinônimo de encarceramento… Para mim, a pandemia e 2021 não tiveram essa conotação. Foram dois anos cheios de experiências de vida, de me tornar avô. Tudo foi sinal de esperança, de crescimento, de amor. É gratidão mesmo, e está dentro da gente, porque sabemos o quanto essa pandemia foi difícil para muitas pessoas.”
Mariana Simonetti
‘Sou grata ao fato da minha filha ter voltado à escola, apesar do medo desse retorno’
Tatiana Gurgel, 43 anos, professora de música e diretora de teatro musical
“Minha filha passou metade dos 4 e dos 5 anos dentro de casa. Ainda que ela não reclamasse de estar em casa, foi perceptível o quão nocivo foi não poder sair e interagir com outras crianças. Moramos num apartamento muito pequeno, e durante o isolamento, a pequena fazia aula online da escola, enquanto eu dava aula de teatro e música na sala, e meu marido trabalhava com time de handball na varanda. Foi totalmente insalubre. Mas o fato de podermos retornar com um pouco mais de segurança para o trabalho e ela, principalmente, para a escola… Foi muito importante.
No primeiro dia de aula, parecia um passarinho fora da gaiola. Ela voltou eufórica ao encontrar os amigos e professores. O fato de estar num local presencialmente com outras crianças, ampliar atividades motoras, deu um novo ar pra ela. Sou grata ao fato dela ter voltado à escola, apesar do medo desse retorno sem vacina. Era uma preocupação, por mais que a escola tenha se prontificado em deixar o ambiente seguro e preparado. Mesmo com o receio, sei que foi a melhor coisa que fizemos, porque ela se transformou totalmente quando retornou à escola. Era outra criança. Também sou muito grata à vacina, e com ela podermos ter um pouco mais de segurança em relação à pandemia.”
Mariana Simonetti
‘Agradeço por morar em um local com uma pequena área externa onde pude cultivar plantas’
Maria Caram, 38 anos, comunicadora
“2021 foi um dos anos mais difíceis que já enfrentei. O medo, a solidão, a raiva e a frustração foram sentimentos frequentes. Talvez por isso, agradecer diariamente e relembrar com frequência das pequenas alegrias da vida foi tão importante. Agradeço por morar em um local com uma pequena área externa onde pude cultivar plantas, que uso para temperar minha comida e fazer chá. Agradeço por ter uma casa e comida todos os dias. Pelo crescimento e pelas conquistas dos amigos, pela saúde dos meus e pela minha. Pelas pessoas que entraram na minha vida esse ano, trazendo inspiração e coragem, e pelas que escolheram permanecer e tornar os dias bons muito bons, e os duros mais suaves.
Agradeço por ter o vizinho mais gentil do mundo e por estar voltando a ver a magia das pequenas coisas do mundo, mesmo quando ele pareça se resumir à minha casa. Pelo céu de Belo Horizonte em maio, pela forma como os meus gatos se acomodam no meu quarto à noite e pela gentileza com que me acordam de manhã. Agradeço pela emoção de ouvir uma música pela primeira vez. Agradecer em tempos duros, para mim, é criar pontes, se manter aberta, enxergar e criar frestas por onde entram luz. Diz Antonio Gramsci que é no claro-escuro entre a morte de um mundo e a criação de outro que nascem os monstros. Embora isto esteja claro no Brasil em 2021, também creio que é no lusco-fusco que conseguimos enxergar possibilidades sobre novas e belas luzes. E assim agradeço pela luz que desce a cada fim de dia e me mostra que se 2021 me venceu, eu também o tenho vencido.”
Mariana Simonetti
‘No Brasil, em 2021, é quase obrigatório agradecer por ainda estarmos aqui, para contar essa história de terror‘
Herberth Lima, 40 anos, economista e professor universitário
“No Brasil, em 2021, é quase obrigatório agradecer por ainda estarmos aqui, para contar essa história de terror. E se essa doença, aliada à negligência federal, também não levou nenhum parente ou amigo próximo, renovamos nosso agradecimento. Mas a verdade é que antes do obrigatório isolamento, eu já vivia essa experiência. Com diagnóstico prévio de depressão e recorrentes ideações suicidas, escolhera me afastar de quase tudo, só não por completo porque tive que me abrigar num teto, em família. O raciocínio parecia racional, me sentia definhando e não gostaria de me colocar em praça pública. Arnaldo Antunes já escreveu e Bethânia cantou: ‘a tristeza é uma forma de egoísmo’.
Mas esse é um relato de agradecimento, não de agonia. Em dezembro de 2020, como quem já não aguentava e não queria ‘partir pra ignorância’, procurei atendimento psicológico num posto de saúde. Viva o SUS! A psicóloga, com a agenda lotada, se sensibilizou com meu relato, ofereceu um horário. Duas semanas depois estaria mandando uma resposta única, mas longa e detalhada, para os velhos e-mails de tantos queridos. O que lhes causou alguma comoção, e ação. Deixe-me ser cuidado.
Sem a psicóloga; sem meus amigos prestativos; sem minha família, que em silêncio me entende, sem eles, não tenho dúvida, não estaria aqui para lhes contar de como as coisas foram. Continua difícil, não é possível sair dessa, pelo menos não da minha, assim ligeiramente. Não tenho emprego, não tenho renda, já não tomo os remédios prescritos, já cortaram nossa luz e água também, e a comida garantida, de cada dia, é o almoço simples do brasileiro. Apesar disso, estou vivo e agradeço, e aqueles que amo, e que também me amam, estão aqui, do meu lado, e, quem diria, talvez até tenha um amor em vista.”
Mariana Simonetti
‘Muito obrigada a uma criatura de 11 quilos e cor de caramelo: meu vira-lata Canela‘
Ana Paula Franzoia, 55 anos, jornalista
“Em um ano em que a Síndrome de Burnout se tornou recorrente em todas as camadas sociais, ter saúde mental é, sem dúvida nenhuma, uma dádiva. Além de agradecer aos deuses e aos orixás pela sanidade mental e física intactas, apesar de vivermos em um sanatório geral lotado de seres (des)humanos irados, negacionistas e mentirosos, digo muito obrigada a uma criatura de 11 quilos e cor de caramelo: meu vira-lata Canela.
Ele chegou aqui em casa ainda em 2020, mas percebi ao longo dos últimos doze meses como o amor por ele fez uma diferença profunda na vida da gente. Com ele, tenho aprendido sobre amizade, resiliência, tranquilidade, limites e silêncio. E de como preciso valorizar as pequenices da minha vida tranquila e burguesa. Pode parecer banal agradecer a um cachorro diante de um dos piores períodos da história recente do país, em que a fome é a realidade de mais de 20 milhões de brasileiros e onde a rua virou moradia de dezenas de milhares de seres desumanizados.
Um país em que as mulheres, as pessoas pretas e todas aquelas que não se encaixam no que os reacionários chamam de bons costumes vivem violências diárias. Mas é por testemunhar isso diariamente (mesmo que seja do alto do meu privilégio branco e da minha condição de conforto) que agradeço ao Canela, que tem me mostrado diariamente como a vida pode ser amorosa, tranquila e simples. Se os animais conseguem, a gente um dia deve conseguir também.”
Mariana Simonetti
‘Estava sem alimento em casa. A ajuda que recebi de diversas outras pessoas foi o que me fortaleceu’
Meire Lúcia Oliveira, 58 anos, secretária
“Em primeiro lugar, preciso agradecer à minha vida, à vida da minha família, da minha mãe, que tem 93 anos, do meu filho, meus dois netos, e todas as pessoas. Em julho de 2020, perdi meu marido para a covid-19. Fui casada por 22 anos, era uma pessoa maravilhosa, era minha base, minha estrutura, meu tudo. Ele ficou doente, cuidamos dele em casa durante uma semana, aí ele precisou ir ao hospital, foi internado e morreu dias depois. Foi algo muito forte, porque eu era totalmente dependente dele, em todos os sentidos. Ele me acolheu nos anos que fiquei sem trabalho, acolheu junto minha mãe, com 93 anos.
Quando ele se foi, percebi que estava sem chão. Nunca tive interesse na situação financeira da casa, as contas, a empresa dele, era alienada a esses assuntos. E um dia depois do sepultamento, sem conseguir raciocinar nada direito, minha cunhada e enteado ligaram querendo resolver documentos, inventário, mil coisas. Forçaram muito a barra comigo. Meu marido acabou deixando muitas dívidas, e eu não tinha nenhuma informação, fiquei desorientada, perdida, minha mãe precisou sair da casa que morava de aluguel para morar comigo, por falta de dinheiro.
Quando meu marido morreu, o único valor que recebi foram 2 reais que estavam na carteira dele. Foi o verdadeiro caos. Mas eu tive ajuda. Um dia, encontrei com a Adriana Salay, do projeto Quebrada Alimentada. Ela sabia que meu marido havia morrido, mas não sabia da minha situação, que estava sem alimento em casa. Quando conversamos, ela logo se prontificou a me ajudar e por quase um ano, recebi cestas básicas. Foi por muito pouco que não perdi minha casa. Nessa batalha, a ajuda que recebi da Adriana e de diversas outras pessoas, foi o que me fortaleceu. Só tenho a agradecer. Ainda preciso equilibrar algumas coisas, principalmente a parte emocional, mas é um passo de cada vez. Logo que recebi meu primeiro salário, deixei de participar do projeto, para ceder meu lugar às pessoas que estavam na fila de espera.”
Mariana Simonetti
‘Em um país onde milhares de pessoas morreram sem ar, sou grato por poder respirar’
Edson José de Paulo Jr., 30 anos, estudante
“Em 2021, sou grato por poder estudar. Aos 30 anos, morador da periferia, tenho a condição e o que acredito ser um privilégio que diversos não têm. Meu pai pode me dar essa oportunidade em 2019, e estou tentando abraçá-la com todas mesmo com todas as dificuldades. Tenho dislexia, e desde que as aulas virtuais começaram, me encontro num momento de muito questionamento. Comecei a faculdade muito certo de que era aquilo que queria fazer. Hoje, curso geografia na UFMG, quero ser professor, mas a pandemia me fez questionar se a carreira que tanto batalhei para começar é a que realmente quero seguir. Apesar das dificuldades, amo meu curso, as disciplinas, e agradeço pela possibilidade de estudar e respirar, acima de tudo. Em um país onde milhares de pessoas morreram sem ar, sou grato por poder respirar.”