Janice Kaplan: "Gratidão não significa sentar e aceitar tudo" — Gama Revista
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Jena Ardell/Getty Images

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Janice Kaplan: 'Pensamos que gratidão é um presente que damos ao outro, mas é algo que entregamos a nós mesmos'

Autora de “O Poder da Gratidão”, jornalista norte-americana fala da nossa dificuldade de expressar gratidão e dá dicas sobre como ser mais grato no dia a dia

Leonardo Neiva 19 de Dezembro de 2021

Janice Kaplan: ‘Pensamos que gratidão é um presente que damos ao outro, mas é algo que entregamos a nós mesmos’

Leonardo Neiva 19 de Dezembro de 2021
Jena Ardell/Getty Images

Autora de “O Poder da Gratidão”, jornalista norte-americana fala da nossa dificuldade de expressar gratidão e dá dicas sobre como ser mais grato no dia a dia

Quem planeja uma nova rodada de promessas para a madrugada que separa 31 de dezembro do dia 1º de janeiro já sabe, ainda que bem lá no fundo, que poucas delas devem ver a luz do dia. Afinal, é conhecimento popular que promessas de Ano Novo não existem para serem cumpridas. Ainda assim, quando 2013 desembocou em 2014, a jornalista e escritora norte-americana Janice Kaplan, 66, decidiu que viveria o ano seguinte demonstrando mais sua gratidão do que no anterior. Até além disso, pensou em escrever um livro sobre o tema como forma de acompanhar a experiência.

Por mais descrentes que tenhamos nos tornado quanto a promessas de fim de ano, a verdade é que a ideia de Janice deu frutos e acabou se traduzindo no livro “O Poder da Gratidão” (Editora Nacional, 2019). Ao relato bastante pessoal sobre o experimento social que conduziu ao longo de um ano, a jornalista adicionou entrevistas com uma seleção de personalidades que vão do criador da Psicologia Positiva Martin Seligman até celebridades como o comediante Jerry Seinfeld, do seriado que leva seu sobrenome, e o ator Daniel Craig, que acaba de se aposentar do papel de 007.

“Passei o primeiro mês do ano agradecendo, tentando não ser crítica demais com meu marido e apenas apreciá-lo e agradecê-lo por coisas que ele provavelmente sempre fez, mas que eu simplesmente não percebia mais”, conta Janice sobre o que significou demonstrar mais gratidão no seu cotidiano. E os resultados, segundo ela, foram positivos. “Isso realmente mudou a vibração do nosso relacionamento.”

A obra se divide em seções como casamento, relação familiar, saúde e trabalho, uma das áreas em que as pessoas têm menos tendência a demonstrar gratidão. “Justamente onde muitos de nós passamos a maior parte do nosso tempo”, aponta Janice, que trabalhou como editora-chefe da Parade, uma das revistas de maior circulação dos Estados Unidos.

 Reprodução

De acordo com a escritora, mesmo anos depois, ela sente que a experiência a tornou mais positiva e mudou a maneira como enxerga o cotidiano e a própria vida. O projeto também acabou virando uma série em podcast, que Janice produziu até fevereiro de 2021 e a ajudou a passar pelo momento complicado que o mundo está vivendo. “Fazer um podcast sobre o tema foi extremamente útil para mim, porque ele foi gravado em alguns dos dias mais sombrios da pandemia, quando era difícil acordar todas as manhãs e pensar em coisas positivas para dizer.”

A seguir, a jornalista fala a Gama sobre a lacuna que existe entre sentir e expressar gratidão, dá dicas sobre como ser mais grato no dia a dia e lembra que, em excesso, tanto a negatividade quanto a positividade podem ser extremamente irritantes.

Gratidão não significa sentar e aceitar tudo, mas tentar encontrar um pouco de luz e positividade

  • G |Em primeiro lugar, o que fez você querer escrever sobre gratidão? Pode contar um pouco dessa história?

    Janice Kaplan |

    Eu tinha acabado de deixar o cargo de editora-chefe naquela que era a revista mais lida dos Estados Unidos [Parade], e estava procurando um novo projeto. Me conectei à Fundação John Templeton, que me perguntou se eu queria conduzir uma pesquisa nacional sobre gratidão. Me pareceu um projeto divertido. Então fizemos a pesquisa, e os resultados começaram a chegar. Perguntamos às pessoas se elas achavam que aqueles que se sentiam gratos eram mais felizes. De 90 a 95% das pessoas disseram que sim. Perguntamos: você é grato por sua família e amigos? De novo, entre 90 e 95% das pessoas disseram que sim. Foi quando perguntamos como as pessoas expressam gratidão que a coisa mudou drasticamente. Só metade dos entrevistados disse que fazia isso. Aí me ocorreu que existia uma lacuna. Apesar de sabermos que a gratidão é algo que nos faz mais felizes, nós não a expressamos. Comecei a pensar muito sobre isso. Um ano depois, estava em uma festa de Réveillon e comecei a pensar no que me faria mais feliz no ano que viria. Tendo pesquisado o tema, percebi que não seriam os eventos do ano que fariam diferença, mas minha atitude em relação a eles. E foi então que tive a ideia. E se eu me desafiasse a passar um ano vivendo com mais gratidão? Como sou jornalista, imediatamente pensei nisso como um projeto de escrita. Mas não queria que fossem apenas as minhas experiências. Por isso, conversei com especialistas de todos os tipos, neurologistas, psicólogos e ganhadores do Prêmio Nobel, para saber se o que eu estava vivenciando tinha algum apoio científico. O final da história é que acabei vivendo um dos anos mais felizes da minha vida apenas mudando minha atitude e me sentindo mais grata.

  • G |Quando você fala em sentir mais gratidão, o que isso significa no dia a dia? Como você mudou seus hábitos?

    JK |

    Gratidão tem a ver com perspectiva. Sabemos que não podemos mudar aquilo que acontece com a gente. Nosso instinto natural quando algo acontece é olhar para o lado ruim, pensar como isso nos afeta. Na verdade, biólogos evolucionistas dizem que podemos estar programados para fazer isso. Para nossos ancestrais, era importante saber antes que perigos seria preciso enfrentar. Portanto, temos isso profundamente arraigado em nós. Mas não convivemos mais com tigres selvagens e plantas venenosas. É preciso ser capaz de olhar as coisas e enxergar o outro lado delas. E há muitas, muitas maneiras de fazer isso. Criar um diário de gratidão é uma delas, mas muita gente considera complicado ter que escrever um texto inteiro todas as noites. Portanto, sugiro às pessoas que deixem um pedaço de papel ao lado da cama e todas as noites escrevam uma coisa que as fez feliz naquele dia. É algo pequeno, mas também muito poderoso. Porque em algum momento do dia você vai lembrar daquele pedaço de papel e pensar sobre o que vai escrever. Talvez tenha tido um dia terrível, em que nada deu certo, mas, se estiver ensolarado, pode escrever que é grato pelo sol. Ou, se você vive em um lugar lindo, pode dizer que é grato por aquilo. Você pode se sentir grato por ter um bom amigo ou colega de trabalho que sentou ao seu lado. Basta aproveitar esse momento de escrita para reorientar sua perspectiva positivamente. Faz uma diferença enorme. Para começar, só precisamos de pequenos lembretes como esse, de que é possível.

  • G |E como você se saiu durante essa experiência?

    JK |

    Dividi o livro em diferentes seções. Falei sobre casamento, família, trabalho e saúde. E o experimento certamente teve grande efeito sobre todas essas coisas. Na obra, falo sobre como comecei tentando ser mais grata ao meu marido. Uma das coisas que descobrimos na pesquisa é que as pessoas têm menos probabilidade de expressar gratidão ao cônjuge ou parceiro do que a praticamente qualquer outra pessoa. Sim, acho que existem várias razões para que nos acostumemos com a pessoa que temos ao lado. Paramos de perceber as coisas que primeiro nos atraíram e passamos a visualizar principalmente pontos críticos que eles deveriam melhorar. Ou então achamos que podemos melhorá-los. Portanto, passei o primeiro mês do ano agradecendo, tentando não ser crítica demais com meu marido e apenas apreciá-lo e agradecê-lo por coisas que ele provavelmente sempre fez, mas que eu simplesmente não percebia mais. Isso realmente mudou a vibração do nosso relacionamento. O fato de eu ser grata a ele fez com que ele fosse naturalmente mais grato a mim, e isso trouxe uma grande sensação de alegria e positividade. Já tínhamos um bom casamento, mas passamos a viver uma sensação de alegria renovada de que ambos gostamos profundamente. Sempre brinco que pensei que demonstrar gratidão ao meu marido durante um mês já seria mais do que suficiente. Mas foi tão bom que continuei pelo ano todo e tento permanecer assim desde então.

  • G |Antes dessa experiência você já se considerava uma pessoa positiva?

    JK |

    Provavelmente sou uma pessoa positiva, mas, como todo mundo, posso entrar em estados muito negativos. Mesmo agora, às vezes estou andando pela rua e de repente me sinto frustrada, com raiva ou chateada com alguma coisa. Eu me obrigo a parar fisicamente e dizer: espere um minuto. Não é assim que você quer se sentir sobre a sua vida. Pense em algo bom, pense em algo positivo a partir deste momento. Isso pode fazer uma grande diferença.

  • G |Teve alguma lição que você considera a mais importante que aprendeu durante todo esse processo de entrevistas e escrita do livro?

    JK |

    Tenho viajado muito, dando palestras sobre gratidão e conversando com pessoas sobre isso. Fiquei impressionada com quão poderosa ela pode ser para aqueles que passam por momentos terríveis, como mortes na família, tragédias pessoais ou outros tipos de dificuldades. E curiosamente, durante essa pandemia, houve um grande aumento no interesse pela gratidão. As pessoas estão percebendo que há eventos que elas simplesmente não podem controlar. Claro, se existem coisas que você pode mudar, vá em frente e mude-as. Gratidão não significa apenas sentar e aceitar tudo. Mas, depois de fazer aquilo que é possível, o ideal é tentar encontrar um pouco de luz e positividade, porque isso é o que vai permitir que você queira agir mais e seguir em frente.

  • G |Alguma entrevista que você fez te tocou mais? Uma fala permaneceu com você depois de escrever o livro?

    JK |

    Eu conversei com um grande número de pessoas maravilhosas. Uma que tem sido muito importante nesse campo é o doutor Martin Seligman, o pai da Psicologia Positiva algumas décadas atrás. Conversei com ele muitas vezes. O Martin fala sobre como ele mesmo às vezes tem que se lembrar que é muito fácil para todos nós voltar a uma perspectiva negativa. Por isso, ser capaz de dar a você mesmo esse impulso é muito importante. Durante as pesquisas, descobri que o lugar em que temos menor probabilidade de expressar gratidão é no trabalho. Justamente onde muitos de nós passamos a maior parte do nosso tempo. Alguém com quem conversei e que me fascinou foi Doug Conant, que por alguns anos foi CEO da Campbell Soup Company. Ele falou sobre seu objetivo de mudar a cultura da empresa. Uma das coisas que ele fez foi redigir notas de agradecimento à mão todos os dias para seis ou sete funcionários. E não apenas pessoas que trabalhavam diretamente para ele, mas todo mundo, gente que ficou chocada ao receber uma carta manuscrita do CEO. Essa foi uma ferramenta muito poderosa, porque, quando o presidente faz isso, os gerentes da empresa percebem o poder que existe em mudar de perspectiva e demonstrar gratidão às pessoas. Se tentarmos fazer isso cada vez mais em nosso ambiente de trabalho, teremos escritórios muito mais felizes.

  • G |Você mencionou antes a lacuna entre o quão gratas algumas pessoas se sentem e como elas expressam isso. Expressar gratidão de fato exige um grande esforço pessoal?

    JK |

    Acho que há muitos motivos. As pessoas nem sempre têm certeza de como isso será recebido ou então acham que se colocarão numa posição de desvantagem. Às vezes executivos e empresas pensam que vai fazer com que pareçam muito moles. Se perguntar se eles estão gratos por sua família e amigos, a maioria vai dizer que sim, mas com que frequência paramos e pensamos: ah, eu deveria dizer tal coisa ao meu marido? Devo contar aos meus filhos quanto os aprecio? Isso nem sempre é a prioridade. A gente espera que reportagens como esta e livros como o meu ajudem a colocar essa questão mais à frente na nossa cabeça e nos torne propensos a expressá-la. A propósito, depois de ler o livro, um conhecido começou a agradecer mais as pessoas que encontrava, como balconistas de lojas. Ele disse que parece até uma espécie de trapaça, porque é tão fácil, e as pessoas respondem de forma tão positiva. A pessoa que repõe estoques nas prateleiras está acostumada a não ser notada. E se você parar e disser: ei, obrigado por manter esta loja abastecida, nós apreciamos isso? Ela vai gostar, vai ficar atordoada. E você também vai se sentir melhor. Pensamos que gratidão é um presente que damos ao outro, mas é algo que entregamos a nós mesmos. Significa que reconhecemos o bem que as pessoas estão fazendo.

  • G |E isso é algo que pode ser ensinado de alguma forma?

    JK |

    É absolutamente crucial ensinar gratidão aos nossos filhos. A melhor maneira de fazer isso é servir de modelo. Se você tem filhos muito pequenos, eles ouvem quando expressa gratidão. E também dá para ser mais direto. Que tal se, uma vez por semana, a família se sentar para jantar e todo mundo disser algo que tem a agradecer naquela semana? Crianças muito pequenas podem não entender a palavra gratidão, então pode ser algo que as deixou feliz. Depois de ler uma história para seus filhos na cama, você pode pedir para eles contarem algo bom que aconteceu naquele dia. As crianças costumam carregar com elas essa mensagem. E de forma alguma queremos descartar os problemas que elas enfrentam e as questões negativas que trazem à tona. Mas, depois de contarem as coisas terríveis que aconteceram no parquinho — e você concordar que elas tiveram um dia ruim –, é importante lembrá-las que também deve ter acontecido algo bom. E falem também sobre o que é bom. Não se trata de descartar o negativo, estamos apenas dizendo para olhar também o outro lado.

  • G |Até porque reagir mal ou sentir alguma negatividade também é importante ou até inevitável. O segredo é buscar o equilíbrio?

    JK |

    Exatamente. O que estamos procurando é ter algum equilíbrio, porque nosso instinto muitas vezes é virar para o lado negativo. Se seu chefe briga com você, o que é provável que você pense no caminho para casa? O que você contará aos seus amigos durante o jantar? É sempre negativo. Muitas vezes sentimos que somos mais intelectuais ou soamos sábios se nos concentramos em coisas negativas. Não tenho certeza de onde veio essa atitude, mas é importante superá-la. E mais e mais pessoas estão começando a dar esse exemplo de buscar o que é bom.

  • G |Alguns influencers, por exemplo, parecem levar a positividade e gratidão a um novo patamar, o que pode soar irritante. A positividade exagerada também é prejudicial?

    JK |

    É uma ótima pergunta. Não sei se prejudicial, mas sim irreal. Você usou a palavra equilíbrio, e é exatamente isso que estamos procurando. Não estamos dizendo que tudo no mundo é bom, mas precisamos ter perspectiva e olhar para as coisas de maneira ligeiramente diferente. A positividade implacável pode ser desagradável, mas a negatividade também é irritante. Quando dou palestras, quase sempre há alguém que se levanta e diz: as pessoas falam que sou negativo, mas acho que sou apenas realista. É muito difícil mudar alguém que acredita que a realidade só pode ser negativa. E é muito difícil ser feliz se essa é a sua atitude. Então podemos estar abertos ao fato de que coisas vão dar errado, ninguém nega isso, mas vamos tentar ter alguma perspectiva.

  • G |Estamos nos aproximando do final do ano. As pessoas sentem que datas como Natal e Ação de Graças são um momento de mais felicidade e gratidão. Pesquisas mostram inclusive que se doa mais dinheiro nesse período. Por que restringimos esse sentimento a momentos específicos e depois voltamos à nossa vida normal?

    JK |

    Certamente existem momentos em que somos mais lembrados dela, mas a gratidão não deve ser exercida só uma vez por ano. É importante adquirir o hábito de praticá-la todos os meses. Tenho certeza de que, assim como eu, você recebe muitos pedidos de doação. A tendência das pessoas é simplesmente ignorá-los ou jogá-los fora. Eu comecei a guardá-los todos numa caixinha. Uma vez por mês, sentava com meus filhos, tirava os pedidos da caixa e tinha uma conversa com eles sobre algumas das diferentes necessidades que existem no mundo. Os pais podem definir quanto será doado, não precisa nem ser uma grande quantia, e deixar para as crianças a tarefa de dividir e decidir para onde esse dinheiro vai. Isso leva a algumas conversas fascinantes. Queremos ajudar os refugiados? As crianças doentes? Ou então a salvar os golfinhos e os tigres? Talvez tentar impedir as mudanças climáticas? Há tantas necessidades no mundo, não precisamos sobrecarregar as crianças. Você faz isso num nível em que elas possam entender, independentemente da idade. Se já são adolescentes, é particularmente poderoso olhar para todas essas coisas. Significa estender esse sentimento de uma época específica para o ano todo e também ensinar as crianças sobre o quanto elas são sortudas. Se vivem dentro de uma bolha onde tudo é bom, ficam meio chocadas com alguns desses pedidos e ao perceber quantas outras pessoas estão em apuros. Assim, o fato de não ganharem um novo iPhone no Natal não parece mais tão terrível.

  • G |E como você se sente depois de alguns anos dessa experiência? Ela mudou a maneira como enxerga e vive sua vida?

    JK |

    Certamente me tornei mais positiva de maneira geral. Na maioria das vezes, sou capaz de me livrar de situações negativas. Como eu disse, também passo por muitos momentos ruins. Mas me pergunto constantemente: é assim que quero me sentir? Fazer um podcast sobre o tema foi extremamente útil para mim, porque ele foi gravado em alguns dos dias mais sombrios da pandemia, quando era difícil acordar todas as manhãs e pensar em coisas positivas para dizer. Como faço muita pesquisa, acabei passando bastante tempo em busca de novas informações para incluir nos episódios. Ter essa mentalidade foi realmente útil para mim. E espero que também seja útil para outras pessoas que estão passando por mais uma rodada de pandemia ou por quaisquer outras dificuldades que estejam enfrentando.