O mercado de bebidas sem álcool está cada vez maior — Gama Revista
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Isabela Durão

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Reportagem

Um novo mar de bebidas sem álcool

Preocupação com a saúde e busca por moderação animam mercado de bebidas que investem em novos produtos desalcoolizados para crescer

Isabelle Moreira Lima 25 de Fevereiro de 2024

Um novo mar de bebidas sem álcool

Isabelle Moreira Lima 25 de Fevereiro de 2024
Isabela Durão

Preocupação com a saúde e busca por moderação animam mercado de bebidas que investem em novos produtos desalcoolizados para crescer

Muitos brasileiros estão preocupados com seu consumo de álcool. E o mercado de bebidas está animadíssimo. Esse paradoxo, que parece conversa de maluco, é na verdade aquela história de ver na crise uma oportunidade. Há um imenso mercado de bebidas com zero álcool, desalcoolizadas ou de baixo teor alcoólico em pleno florescimento.

Os motivos para essa preocupação no consumo de bebidas no Brasil são muitos, os principais têm a ver com estilo de vida, segundo a consultoria internacional IWSR. A maior parte de quem consome essas bebidas com frequência (52%) diz que quer ser mais saudável. Há os que falam que querem reduzir o consumo de álcool (47%), os que acham que já há boas opções dessas bebidas no mercado (31%). A pandemia também entra nas respostas, com uma mudança de estilo de vida desde que a covid-19 assolou o mundo (23%), além dos que mudaram o jeito de beber por conta dela (16%) ou os que tiveram uma mudança no orçamento ou nas prioridades de saúde (11%).

52% das pessoas que consomem bebidas sem álcool querem ser mais sudáveis

“O Brasil é um mercado que adota as tendências um pouco mais tarde e o Dry January já era uma campanha forte fora do país, mas agora a tendência começou a ressoar por aqui”, afirma Rodrigo Lanari, fundador e consultor da WineXT, que analisa o mercado de bebidas. Uma tendência forte de moderação chama a atenção, ele afirma, principalmente entre os jovens. “A projeção para o crescimento desta nova categoria sem álcool é maior do que a de alcoólicos e vai ganhar uma fatia de 5% de participação globalmente.”

Para o consultor, quem puxa o movimento são os chamados switchers, aqueles que não deixam de beber o alcoólico, mas alternam um drink com uma bebida zero. “Tenho visto esse comportamento entre amigos, com cerveja”, diz.

Cervejeiros não alcoólicos

Se o Brasil é o país da cerveja, essa máxima se repete na categoria de bebidas com baixo ou zero teor, e são elas as que chegaram primeiro e que convencem mais. Entre as marcas mais populares, está a Heineken 0.0, que é produzida como uma cerveja normal, mas ao fim do processo é desalcoolizada até chegar a um teor alcoólico máximo de 0,03%. “O case da Heineken é um sucesso global, a cada cinco latinhas que o Pão de Açúcar vende, uma é da cerveja sem álcool”, afirma Lanari.

A Ambev, que foi pioneira com a sua Brahma 0.0% no mercado há uma década, quando a moderação ainda não era tendência mundial, também tem se movimentado e agora conta com dois outros produtos. O primeiro deles é o Budweiser Zero, que deixou a empresa animada ao ganhar degustações às cegas, como a promovida pelo Paladar, no jornal O Estado de S. Paulo.

“Nós fazemos a cerveja pelo processo normal e, com ela pronta, colocamos na máquina desalcoolizadora. Isso deixou o sabor muito próximo da cerveja convencional, nos deixou felizes e orgulhosos”, afirma Gustavo Castro, diretor de inovação da Ambev. Segundo ele, o consumidor deste novo mercado é “indulgente”. Isso significa que eles buscam a moderação mas não abrem mão do prazer. Ou seja, sabor é muito importante.

Há uma constante evolução neste mercado de bebidas zero, com muita pesquisa

Mas é o segundo produto e o mais recente lançamento da Ambev que chama a atenção. A Corona Cero estampa com orgulho em seu rótulo “brewed with 100% natural ingredients” (feita com ingredientes 100% naturais) e traz em sua fórmula um aporte de vitamina D. “Tiramos o álcool [também pelo processo de desalcoolização, depois da cerveja pronta] e adicionamos algo a mais. Há uma constante evolução neste mercado de bebidas zero, com muita pesquisa”, afirma Castro. Segundo ele, o produto é tão relevante para a Ambev que foi o escolhido para ser o patrocinador oficial das Olimpíadas de Paris neste ano.

No caso dessas bebidas, além da busca pela moderação, há outro motivo de crescimento ligado às calorias, uma vez que o álcool é parte importante desta matemática. Pegando a Corona como exemplo, a Extra tem 148 calorias contra 60 da Cero.

Borbulhas zero

Ainda no mundo dos fermentados, o vinho também tenta se movimentar na direção do álcool zero. A gigante espanhola-alemã, Henkell Freixenet, que no Brasil tem presença marcante no mercado de espumantes, foi uma das primeiras a lançar borbulhas sem álcool em 2021 e está entre as mais bem sucedidas. O produto é feito da mesma forma que o tradicional e, ao final, é fervido a vácuo (veja explicação no box abaixo) o que, segundo a empresa, conserva suas características no nariz e na boca.

Animada com o sucesso da estreia neste segmento do mercado, a Freixenet traz agora uma linha de vinhos tranquilos, com branco, tinto e rosé, amparada por pesquisas como a “Álcool e a Saúde dos Brasileiros: Panorama 2023”, do Centro de Informações sobre Saúde do Álcool (Cisa), que entrevistou 1.983 pessoas e concluiu, entre outras, que 55% da população não bebe álcool. “As razões são a preocupação em relação a saúde mental e emocional, ou restrições de saúde. Acreditamos que as bebidas sem álcool são inclusivas para as pessoas que querem fazer parte dos momentos de celebração ou momentos descontraídos, mas sem consumo de álcool”, afirma Fabiano Ruiz, diretor executivo da Henkell Freixenet.

55% dos brasileiros não consomem álcool

Mas nem tudo são flores para o mercado de vinho, que costuma ser mais “careta” que o das outras bebidas, mais afeito a tradições, além de muito ligado às notas organolépticas (termo estranho mas tão próprio ao mundo do vinho e que se refere àquilo que atua sobre os sentidos).

“O vinho é um produto natural e há muita interferência para a desalcoolização, como osmose reversa e outros. Há resistência dos enólogos também. Claro que já há alguns produtos muito bem feitos, mas, no geral, ainda não temos muita coisa boa em relação a sabor, o que já causou rejeição no mercado também”, afirma o consultor Rodrigo Lanari.

Prateleira meio vazia

Embora ter uma seção de mocktails (coquetéis sem álcool) no cardápio seja uma obrigação hoje em dia, é a prateleira dos destilados a mais vazia no mercado sem álcool no Brasil hoje. Procurada pela Gama, a Bacardi declinou do convite de entrevista e a gigante Diageo afirmou apenas que lançou o Tanqueray 0,0% em 2021 no exterior, mas ainda está definindo sobre a vinda do produto para o Brasil. Embora não tenha afirmado o motivo, fontes do mercado ouvidas pela Gama apontam a legislação brasileira como um dos entraves para esta categoria de bebidas, como se eles ficassem num limbo.

Quem conseguiu dar um jeito e nada de braçada é a fabricante nacional The Spirits, que tem entre suas marcas o “gim sem álcool” Nulla. A ideia veio depois de muita busca por opções sem álcool em festas de formatura em que a fabricante era responsável pelo bar. Lançada em agosto do ano passado depois de 18 meses de pesquisa, está enquadrado na legislação brasileira como uma “bebida saborizada”. Acontece que o sabor é gim.

Daniel Chinzon, sócio da The Spirits, diz que não pode dar informações sobre o processo de produção ou entregaria a receita para a concorrência, mas afirma que há “muitos botânicos e especiarias de excelente qualidade”. “Posso falar que tem gengibre e pimenta para pegar na garganta como se fosse álcool”, conta. Além de zero álcool, a bebida tem zero caloria (“Com tônica sem açúcar vira um drink zero mesmo”, diz Chinzon) e é vendido a R$ 80 no varejo.

Haja criatividade

Para os bartenders, para fazer um drink zero, o desafio é fugir da tríade xarope, água com gás ou tônica e gelo. “Na coquetelaria há uma displicência do mercado, não nos dedicamos tanto aos coquetéis sem álcool quanto à coquetelaria tradicional. Durante muito tempo, quando pensávamos em mocktail, vinha à cabeça algo semelhante a um refrigerante. No entanto, a margem de lucro de um drink desses é três vezes maior que uma lata de Coca-Cola. É muito rentável”, afirma Rodolfo Bob, consultor de bares como o Caledônia, especializado em whisky, em São Paulo, e HideOut, em Santos. Ele diz que só agora o mundo da coquetelaria começa a se movimentar e a explorar ingredientes como chás e infusões, fugindo do perfil docinho.

A margem de lucro de um drink sem álcool é três vezes maior que a de uma lata de Coca-Cola. É muito rentável

Márcio Silva, bartender premiado pelo 50 Best Bars, diretor de bebidas do grupo Locale e sócio do novo bar Exímia, que será aberto am abril, em São Paulo, vê o movimento low/no acohol como a onda que vem para substituir a da coquetelaria clássica, que caprichava no álcool. “Agora, as pessoas querem mais experiência e mais refrescância. Um coquetel sem álcool prolonga o tempo de socialização, já ficamos muito tempo trancados em casa na pandemia. Bebendo drinks sem álcool as pessoas podem sair mais dias por semana”, afirma.

Silva relaciona a tendência de comportamento com a pandemia, mas sem desprezar a evolução do paladar de quem mergulhou há mais de 15 anos na última era de ouro da coquetelaria, desde que foi lançada a série de TV “Mad Men” (2007-2015), apontada por muitos como um dos resonsáveis pelo renascimento dessa vertente do bar. “É sempre um ciclo: tem um momento em que as pessoas gostam de ‘paulada’, tem a ver com sistema econômico, político, cultural, mas também de conhecimento ou maturação de palato. A gente cresce sem álcool e vai do pouco ao extremo. E depois vai baixando até conhecer seu nível pessoal”, conclui.

Como desalcoolizar um vinho

No processo de desalcoolização adotado pela Freixenet, é levado em conta o ponto de ebulição do álcool em 70°C, enquanto o da água ocorre quando o líquido atinge a temperatura de 100°C. Com a intenção de preservar as características originais da bebida, é realizada a fervura a vácuo, que facilita o processo de desalcoolização. No caso da destilação à vácuo, é possível alterar de modo artificial a pressão sobre o líquido para que o vinho chegue ao ponto de ebulição a uma temperatura menor de 30°C. A ideia é a de que álcool seja extraído da bebida por meio da alteração da pressão, mas sem interferir nas características de sabor e aroma.