Como falar com as crianças sobre o consumo de álcool — Gama Revista
Exagerou na bebida?
Icone para abrir
Isabela Durão

4

5 dicas

Como alertar os mais jovens sobre o consumo de bebidas alcoólicas

Especialistas indicam táticas para sanar o interesse e tirar as dúvidas em torno do universo etílico, falando sobre moderação e os malefícios do consumo precoce e abusivo do álcool

Ana Elisa Faria 25 de Fevereiro de 2024

Como alertar os mais jovens sobre o consumo de bebidas alcoólicas

Ana Elisa Faria 25 de Fevereiro de 2024
Isabela Durão

Especialistas indicam táticas para sanar o interesse e tirar as dúvidas em torno do universo etílico, falando sobre moderação e os malefícios do consumo precoce e abusivo do álcool

Falar com os filhos, principalmente os pequenos, sobre determinados assuntos é difícil, exige paciência, vocabulário simples e pitadas lúdicas. Mas é importante que as crianças e os adolescentes saibam desde cedo os riscos do consumo precoce e abusivo do álcool.

A fim de ajudar pais, mães, cuidadores e responsáveis a responder questões sobre o universo etílico quando menos se espera, Gama consultou especialistas que deram dicas do que fazer quando garotos e garotas abordarem o assunto e, ainda, como lidar com o tema da bebida no dia a dia da família.

  • 1

    A criança não escuta palavras, ela imita condutas –
    Sabe aquele famoso ditado de “faça o que eu digo, não faça o que eu faço?”. Pois bem, com as crianças, sobretudo as que estão na fase da primeira infância, nem sempre funciona! O diálogo com os filhos é essencial para a educação e a construção de uma relação familiar saudável, mas, muitas vezes, além de falar, conversar e escutar ativamente, é necessário agir e, de fato, fazer o que se fala. “A criança não ouve as palavras, a criança imita as condutas. O fator principal é como pais e mães se portam em relação à bebida alcoólica. Então, se um dos pais bebe demais, como é que eles vão dizer para o filho não beber? Sendo assim, o exemplo é muito importante”, diz o médico João Paulo Becker Lotufo, especialista em pneumologia pediátrica e coordenador do grupo de trabalho sobre drogas e violência da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). O especialista explica que não pode ser hipócrita e fingir que vivemos em uma sociedade abstêmia e que, por isso, tudo bem, de vez em quando, tomar moderadamente e com bastante responsabilidade uma cervejinha ou uma taça de vinho na presença dos filhos durante uma festa de família, por exemplo. O que não pode, segundo ele, é beber demasiadamente até cair, justamente porque “as crianças são como esponjas e absorvem tudo o que está ao redor, principalmente os comportamentos.”

  • 2

    Lembre que drink é coisa de adulto –
    A cena é comum: um grupo de adultos está reunido em torno de uma mesa, seja numa festa, num almoço ou num jantar, bebendo, brindando, rindo e conversando, quando uma criança curiosa chega querendo experimentar aquele drinque colorido que enche o copo diferentão que está na mão do genitor ou da genitora. Nesse momento, o que os pais devem fazer? A resposta é bem simples: “É não deixar que a criança experimente e explicar que aquela bebida é coisa de adulto”, diz o médico João Paulo Becker Lotufo. “Mas por quê?”, provavelmente vai indagar o menino ou a menina. E, sabemos, que apenas um “porque sim” não é resposta; é preciso elaborá-la melhor. Nessa situação, pais ou responsáveis podem justificar dizendo que o nosso cérebro se desenvolve até, no mínimo, os 21 anos de idade e que o consumo do álcool, uma das substâncias presentes neste drinque (aponte para a bebida), na cerveja ou no vinho, compromete o sistema nervoso central de crianças e adolescentes. Ou seja, a ingestão precoce de bebidas alcoólicas prejudica o desenvolvimento da aprendizagem verbal, da memória, da atenção, das habilidades cognitivas e das habilidades socioemocionais de autocontrole. Toda essa elucidação pode ser feita com palavras mais fáceis e de maneira lúdica, dependendo da faixa etária, para que os pequenos compreendam o porquê não podem beber certos líquidos. Numa cartilha elaborada por Lotufo e divulgada pela Sociedade de Pediatria de São Paulo voltada à prevenção do uso de drogas na infância e na adolescência, um dos passos destaca a importância das delimitações, de falar alguns “nãos”. “Você começa a dar limites para os filhos quando pequenos, e não a partir de 13 ou 14 anos, porque não vai dar certo”, comenta. O psicólogo Alan Souza Aranha, doutor em psicologia clínica pela Universidade de São Paulo (USP), aconselha que, além de detalhar os motivos diretos dos malefícios do uso de substâncias psicoativas antes dos 18 anos, os pais podem ser sinceros afirmando que as pessoas usam o álcool para relaxar ou se divertir, mas que é preciso tomar cuidado porque faz mal. “Os pais também podem dar modelos e cada modelo pode impactar os filhos de uma maneira: ‘Olha, filho, eu não bebo’. É um modelo que eu estou dando. Ou: ‘Seu pai, ao invés de beber, relaxa de outras formas, faço esportes, converso, leio’. Ainda: ‘O seu pai, filho, bebe de vez em quando. Tem churrascos que eu vou e não bebo’. Isso não levaria a normalizar o consumo como algo razoável, mas indicar que deve ser responsável com ele”, ensina Aranha. Para o profissional, é fundamental esclarecer que o álcool é uma coisa a mais na vida, e não a coisa principal. “O álcool não pode ser a única diversão”, frisa.

  • 3

    Jamais incentive os mais jovens a experimentarem alcoólicos –
    Nunca, jamais, em nenhuma hipótese ou ocasião alguma, ofereça bebidas com álcool a menores de idade — nem mesmo aquela bicadinha na espuma da cerveja ou aquela misturinha de vinho com água, ações muito comuns em famílias com crianças nascidas até os anos 1980. Além de fazer mal à saúde, é crime. Em vigor desde 2015, a lei nº 13.106, que faz parte do Estatuto da Criança e do Adolescente, criminaliza a venda ou a oferta, mesmo que gratuita, a crianças e adolescentes de “bebida alcoólica ou, sem justa causa, outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica”. Em um vídeo publicado no YouTube do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), organização não governamental criada em 2004 pelo psiquiatra Arthur Guerra, fundador e coordenador do Núcleo de Álcool e Drogas do Hospital Sírio-Libanês, o médico alerta que quanto mais cedo acontece a experimentação do álcool, maior é a probabilidade do desenvolvimento de dependência no futuro e o aumento do risco do uso precoce de outras drogas. João Paulo Becker Lotufo adverte sobre um cenário preocupante. Ele conta que é comum ver, no Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (USP), casos de garotas e garotos que já aos dez anos foram expostos ao álcool e, muitas vezes, em casa. “O erro mais comum que observo é de pais querendo ensinar o filho a beber com 13 anos, e aí, se o filho bebe com o pai, vai beber com os amigos, mas geralmente, a quantidade é outra, maior.” Lotufo aponta ainda que à dosagem maior, somam-se situações não controladas, como o sexo prematuro desprotegido que pode levar a doenças sexualmente transmissíveis e à gravidez. “O álcool é um grande desencadeador de inúmeras doenças. Quando você começa a beber muito cedo, há o aumento da chance de dependência, fora as doenças que já sabemos, como hepatite, cirrose hepática, câncer e pancreatite”, lista.

  • 4

    Dificulte e atente ao acesso de bebidas em casa –
    O barzinho, dos mais vintages aos super modernos, costumam entrar na decoração do lar. No entanto, esse item decorativo pode não cair muito bem em casas com crianças e adolescentes. “Eu não sou radical, mas não ter esse acesso facilitado ao álcool é a melhor saída. Seguramente, não ter bebida em casa é um fator muito mais protetor”, afirma Lotufo. A doutora Ana Escobar, pediatra e professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), tem uma opinião diferente. Para ela, se desde cedo existir um bom diálogo com os filhos sobre o que é exclusivo do mundo adulto, como dirigir e ingerir bebidas com álcool apenas a partir dos 18 anos, e o que faz parte do universo infantil, não tem problema deixar as garrafas à mostra no bar, pois a criança vai crescer com limites definidos do que é dela e do que é dos pais, do que pode e do que não pode. “Ela vai entender que aquela bebida é do pai e da mãe. Esconder é o pior caminho porque o que é proibido sempre tem uma atração maior para todos os seres humanos, independentemente da faixa etária. Acho que os pais têm que explicar bem e passar valores às crianças. E, uma vez deixadas as bebidas expostas, obviamente é importante ficar de olho. Caso percebam que a criança transgrediu o combinado, tem que chamar a atenção e conversar novamente”, ensina. Resumindo: caso você tenha um móvel que faça as vezes de um bar ou se costuma deixar a sua bebida favorita na geladeira ou num armário, tome cuidado e verifique se a sua criança está mantendo o combinado de ficar longe das bebidas alcoólicas.

  • 5

    Use ferramentas lúdicas para conversar sobre o consumo de álcool –
    Para que a conversa sobre os danos do abuso do álcool não seja dura, autoritária ou de difícil compreensão por parte das crianças, pais, mães, cuidadores e responsáveis podem utilizar ferramentas lúdicas para entrar no tema. A Turma da Mônica lançou há alguns anos uma série de vídeos curtos chamada Papo em Família com o objetivo de auxiliar os pais a falarem sobre o consumo de bebidas alcoólicas com os filhos, colocando os queridos personagens em situações comuns a qualquer família, como o Cebolinha tentando pegar um copo de cerveja em cima da mesa porque “queria sentir o gostinho”. Em seguida, o Seu Cebola explica os motivos pelos quais o filho não pode beber aquela bebida de adulto. João Paulo Becker Lotufo também tem um projeto do tipo, os livretos do “Dr. Bartô e os Doutores da Saúde”, materiais para apoiar pais e pacientes com informação a respeito dos cuidados e da prevenção do uso do álcool e de drogas ilícitas, especialmente entre crianças e jovens. atua nas frentes de informação e prevenção, a partir de encontros de conscientização e orientação em escolas e centros educacionais. No canal do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool , o psiquiatra Arthur Guerra recomenda: “Aproveite um desenho, um filme, qualquer situação, para falar sobre a prevenção do uso nocivo de álcool. Tem dependente químico na família? Tem que falar sobre isso. Geralmente, falhamos na prevenção, e só o tratamento não dá conta. A gente vai ficar enxugando gelo”.