Como oferecer apoio a quem está com depressão — Gama Revista
Estamos mais deprimidos?
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Ilustração: Isabela Durão

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5 dicas

Como oferecer apoio a quem está com depressão

Especialistas dão dicas para a identificação da doença e listam formas de ajudar parceiros ou parceiras    

Ana Elisa Faria 25 de Agosto de 2024

Como oferecer apoio a quem está com depressão

Ana Elisa Faria 25 de Agosto de 2024
Ilustração: Isabela Durão

Especialistas dão dicas para a identificação da doença e listam formas de ajudar parceiros ou parceiras    

Estamos — eu, você e todo o mundo — mais depressivos. Na América Latina, o Brasil ocupa o posto de país com a maior prevalência da depressão no continente, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Dados divulgados em novembro de 2023 apontam que 5,8% da população brasileira sofre com a patologia, o equivalente a 11,7 milhões de brasileiros.

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Com esse cenário desolador à vista, cada vez mais pessoas ao nosso redor adoecem, inclusive o marido e a namorada, afetando as relações amorosas, que são abaladas com a baixa da libido do parceiro deprimido, com a instabilidade do humor, com a quietude, com o isolamento e com todas as mudanças comportamentais que acompanham o desenrolar da doença.

Pensando em diminuir o impacto da depressão no cotidiano de um casal, Gama consultou especialistas da psiquiatria e da psicologia. Os profissionais deram dicas para auxiliar na identificação da depressão e listaram as melhores formas de apoiar o cônjuge durante o tratamento, que não é fácil, mas com compreensão, empatia e paciência pode ser menos dolorido.

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    Observe os sinais diários de que algo não vai bem –
    Ao contrário de muitas patologias, não existe um exame laboratorial para detectar a depressão. Normalmente, a doença é diagnosticada após a avaliação de profissionais especializados, como psiquiatras e psicólogos. No entanto, quem convive com alguém deprimido — ou em processo de adoecimento — recebe sinais diários de que algo não vai bem. Irritabilidade, tristeza prolongada, apatia, retraimento, abatimento, isolamento, angústia e ideação suicida são alguns dos principais indícios que podem servir de alerta para a busca de ajuda. Segundo Fabiana Nery, psiquiatra e professora do departamento de neurociências e saúde mental da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA), é difícil que a pessoa com depressão perceba que está doente e, por isso, o apoio do cônjuge na identificação dos sinais e no acompanhamento do tratamento é essencial. “No geral, para a configuração de um episódio depressivo, esses sintomas precisam ser contínuos e durar 14 dias seguidos, no mínimo”, diz. Mas não significa que o paciente vai necessariamente apresentar todas essas queixas. André Faro, docente da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e doutor em psicologia, com pós-doutorado em saúde pública e saúde mental pela Universidade Johns Hopkins, comenta que, além das mudanças bruscas de humor, há alterações comportamentais repentinas comuns, como insônia ou hipersonia, perda ou excesso de apetite, dificuldade para executar tarefas cotidianas básicas e sensação constante de fadiga, uma exaustão. “Nem todo mundo precisa ser agitado eternamente, mas para uma pessoa que sempre foi bastante ativa no dia a dia, o decréscimo na atividade chama atenção. O contrário é mais raro, mas pode ocorrer: alguém pouco ativo que passa a ter atividades em demasia”, cita. O professor titular de psiquiatria da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Humberto Corrêa lembra que sentimentos de culpa e de fracasso, assim como a anedonia — traduzida como a perda de prazer em programas que anteriormente eram considerados agradáveis — também são frequentes em quadros depressivos. Para Faro, essas manifestações são facilmente reconhecidas por namorados, namoradas, maridos e esposas, mesmo sem a expertise no tema, porém, quanto mais pessoas próximas forem instruídas, mais elas estarão habilitadas a servir como ponte para o cuidado. “O ideal seria que todos nós fôssemos alfabetizados em saúde mental. É essa a ideia de literacia em saúde mental”, analisa.

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    Ajude na reorganização das tarefas cotidianas, diminuindo sobrecargas –
    Às vezes, uma tarefa que há pouco tempo parecia banal, seja uma passada rápida no mercado na volta do trabalho para comprar os ingredientes do jantar, seja descer até a portaria do prédio para receber o delivery, durante a depressão pode ganhar um peso extra enorme, tão difícil de carregar que exaure e dói o corpo. Portanto, a dica aqui é dar dois tipos de suporte, o emocional e o objetivo. Ou seja, além de enxergar a situação que o parceiro ou a parceira está vivenciando, entendendo que aquele momento de fragilidade não se trata de frescura nem preguiça, é fundamental compreender que qualquer gota d’água a mais no copo de quem está doente vai causar um transbordamento. “Essa compreensão é o lado subjetivo do suporte”, afirma André Faro. Já o amparo objetivo vai além desse entendimento e tem enfoque nas ações do cotidiano, sobretudo as que se tornaram uma sobrecarga para quem está deprimido. Assim, é necessário criar para o companheiro adoecido um modo de vida mais viável e leve. “Isso vai desde comprar o pão, passando pelo cuidado com os filhos até o gerenciamento de demandas profissionais”, lista o professor da UFS. Então, se existe a clareza de que cargas normais da rotina de outrora se transformaram em um fardo mais pesado, você pode reorganizar temporariamente os afazeres familiares e assumir mais responsabilidades — o famoso chamar para si — para desonerar o cônjuge debilitado e minimizar aquele peso. “Ações do tipo permitem que a outra pessoa consiga ter um pouco mais de cuidado consigo mesma.” Faro dá outro exemplo: ao invés de apenas falar que o seu querido ou a sua querida precisa procurar atendimento médico, ajude nessa busca, verifique as opções disponíveis no plano de saúde, auxilie na escolha do profissional, agende a consulta e, em casos mais complexos, faça companhia no consultório. “São ajudas objetivas, pragmáticas. Não diga somente ‘Você precisa de tratamento’, vá junto”, finaliza.

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    Nunca minimize o sofrimento alheio. A tristeza da depressão não é frescura –
    A depressão é uma doença como outra qualquer. “Ela não é uma tristeza eventual, é uma patologia que carece de avaliação, diagnóstico e tratamento”, pontua a psiquiatra Fabiana Nery. Isso posto, nunca, jamais, em hipótese alguma, minimize o sofrimento ou tire sarro de uma pessoa deprimida. “A pior coisa que o companheiro ou a companheira pode fazer é pouco caso do que o parceiro ou a parceira está sentindo”, frisa o doutor Humberto Corrêa. O psiquiatra sinaliza que hoje, apesar de a temática da saúde mental estar presente nos debates da sociedade, de forma geral, as doenças mentais ainda são cercadas de muito estigma e tabus. Por isso, desprezar ou subestimar a dor alheia só colabora com uma antiga e preconceituosa visão de mundo. Corrêa destaca que algumas frases usualmente direcionadas a quem está deprimido devem ser limadas do vocabulário, tais como “Deixa de preguiça”, “Chega de besteira”, “Levanta dessa cama e vai trabalhar”, “Você está fazendo corpo mole”, “Tenha força de vontade”, “Sai daí e vá fazer uma atividade física”. “Como se a pessoa sozinha conseguisse fazer isso. Acho que a mensagem para a sociedade é que a depressão é uma doença e a pessoa que está doente precisa de ajuda, e não de recriminação em relação ao que está sentindo”, salienta. Fabiana Nery ressalta que a prática de exercícios físicos é essencial para auxiliar na melhora do quadro, só que, no início do tratamento, muitas pessoas não conseguem ter essa disposição. “O convite para um passeio no parque ou uma caminhada pode ser feito delicadamente, mas sem forçar ou insistir muito.”

  • 4

    Triste e sem tesão: a perda da libido é comum na depressão, não é algo pessoal –
    Tanto os sintomas da depressão quanto efeitos colaterais de alguns medicamentos antidepressivos utilizados no tratamento da doença causam a perda ou a redução da libido, fazendo com que a pessoa deprimida não consiga ficar excitada, manter a excitação e chegar ao orgasmo. Conforme explica André Faro, o desejo sexual não está deslocado das outras dimensões da vida e, da mesma forma que o paciente tem uma baixa na disposição para o lazer, por exemplo, a vontade de fazer sexo é rebaixada. “É uma perda de interesse muito mais generalizada do que concentrada na questão sexual”, conta. O especialista enfatiza, no entanto, que na perspectiva de quem observa o parceiro deprimido, um dia pode parecer anos, mas tranquiliza: não é. “Com o tratamento, essa situação é temporária. Seria muito bom se todos nós aprendêssemos a segurar a onda por um tempinho, para dar tempo ao outro. Essa condição não é eterna. Se tratada adequadamente, ela poderá ser abreviada, e a rotina volta a ser como antes.” Às vezes, o parceiro tende a achar que é um problema específico com ele, que não é mais amado ou desejado. Não é nada disso e, por essa razão, inclusive, que conversar e acompanhar de perto as fases do tratamento é importante. “Mais uma vez, é preciso reforçar que a depressão é uma doença, e a perda da libido está inserida nesse contexto. A pessoa não controla isso. Então, de novo, o parceiro ou a parceira tem de entender e tentar se colocar no lugar do outro”, fala Humberto Corrêa.

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    Seja tolerante e compreensivo em momentos de vulnerabilidade –
    Não é fácil segurar a barra de ter um familiar deprimido em casa, mas a conversa, a escuta ativa, o não julgamento, a compreensão, a empatia e, principalmente, a paciência são cruciais. “Tudo tem que ser conversado com o casal para que cada um entenda o que está acontecendo e o que pode acontecer ao longo do tratamento”, reflete o professor Humberto Corrêa, da UFMG. De acordo com André Faro, da Universidade Federal de Sergipe, as pessoas, mesmo casadas, ficam tristes por inúmeras razões, nem sempre a relação amorosa é o motivo daquela tristeza profunda. “Tente entender a situação na perspectiva de que o casamento não precisa ser o gatilho, mas, por vezes, ele é contaminado e abalado. Os estados de adoecimento mental contaminam todas as relações, e o casamento ou um namoro não estão imunes a isso”, evidencia. Ou seja, os relacionamentos interpessoais, no geral, não passam incólumes à depressão. O grande lance é entender que nem tudo tem a ver com você ou com a relação a dois — ainda que reverbere na união amorosa, as queixas e a irritação são sintomas da patologia. “Um conselho que sempre dou é para as pessoas, parceiros e parceiras, serem mais tolerantes e compreensivas nesses momentos de vulnerabilidade, o que não é simples, e é por isso que a questão da literacia, de aprender a conviver com o outro em sofrimento, é primordial”, assinala Faro.