Suicídio na faculdade: o que está deprimindo o universitário no Brasil? — Gama Revista
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Guilherme Falcão

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Semana

O que está deprimindo o universitário brasileiro?

Gama investiga o que torna a vida universitária muitas vezes difícil para a saúde mental dos estudantes e o que pode ser feito para solucionar essa crise

Daniel Vila Nova 04 de Abril de 2021

O que está deprimindo o universitário brasileiro?

Daniel Vila Nova 04 de Abril de 2021
Guilherme Falcão

Gama investiga o que torna a vida universitária muitas vezes difícil para a saúde mental dos estudantes e o que pode ser feito para solucionar essa crise

Na minha primeira tentativa de graduação mudei de estado para cursar a faculdade de Letras na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Morei minha vida toda em São Paulo e, por 12 anos, estudei no mesmo colégio. Na primeira oportunidade que tive de fugir geograficamente dos meus problemas, aceitei sem pensar. Na minha cabeça, a faculdade seria como um filme “coming of age” americano, em que eu me entenderia enquanto pessoa e viveria inúmeras festas e amores. A realidade, entretanto, foi mais cruel. Sem amigos ou família no novo estado, me vi cada vez mais isolado e solitário e o ritmo pesado da faculdade rapidamente fez com que meu quadro depressivo piorasse de forma drástica.

A complexidade do ambiente universitário é um dos fatores que mais contribui para o adoecimento daqueles que o habitam, diz o psicanalista Daniel Lírio, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. “Por um lado, é um ambiente de liberdade. Você acaba de sair da escola e vai para uma área do saber que você escolheu, aprender coisas novas e estabelecer uma nova relação com o mundo. Por outro, é um ambiente que toca em algumas feridas. Na universidade, você percebe que não é tão inteligente ou brilhante quanto gostaria.”

A universidade é o momento de descobrir e entender quem você é. Com a pandemia, esses estudantes perderam isso e não é algo possível de se recuperar

Para o psicanalista, a demanda do ensino superior cresceu muito nos últimos 15 anos e o nível de exigência aumentou, o que acabou aumentando também o nível da pressão, da competitividade e da necessidade de produzir cada vez mais. “Há uma melhora na área, um maior comprometimento. Mas também criamos um ambiente cada vez mais competitivo, que causa um nível de ansiedade maior entre aqueles que o habitam”, afirma Lírio. Para complicar ainda mais, os cortes e ataques à universidade pública, com a diminuição de bolsas e incentivos piorou o cenário que já existia, aumentando ainda mais o adoecimento no ambiente universitário.

“O que o jovem nem sempre entende é que está todo mundo adoecido no ensino superior.” Lírio acredita que o problema não é uma suposta falta de compreensão dos docentes em relação à saúde mental, mas sim que os próprios professores vivem situação similar à dos alunos, com alta carga de trabalho e falta de incentivo. Adicione na mistura uma pandemia e é possível entender o buraco em que nós estamos. “Algo que equilibrava todo esse ambiente de estresse era a vida social na universidade. As amizades, as festas, as conversas. Quando a experiência que marca a transição da vida adolescente para o mundo adulto deixa de existir, o que sobra é um cenário desanimador.” O psicanalista lembra que, para a maior parte dos alunos, dois anos presenciais serão perdidos durante a pandemia — quase metade do curso. “A universidade é o momento de descobrir e entender quem você é. Esses estudantes perderam isso e não é algo possível de se recuperar.”

Todo mundo tenso

Ao longo dos anos, percebi que não era o único estudante a carregar esse tipo de problema. Cada vez mais, ouvia de colegas e amigos sobre como a faculdade afetava negativamente suas saúdes mentais e tais relatos são corroborados por dados que apontam o adoecimento mental de jovens universitários por diferentes razões. Uma delas está relacionada à expectativa de futuro que se coloca na formação. “No Brasil, acabamos entendendo a graduação como uma ferramenta de ascensão social. E isso se tornou algo tão imperativo que, mesmo que a pessoa não tenha vontade, ela vai optar por uma faculdade que lhe garanta uma boa condição financeira”, diz Lírio.

Para o psicanalista, um dos maiores erros que podem ser cometidos é dedicar sua vida a uma profissão para a qual você não tem qualquer afinidade. Como exemplo, ele cita estudantes de medicina. “Muitas vezes você tem um aluno excelente, extremamente inteligente, que vai para medicina simplesmente por conta da condição financeira que a profissão oferece, sem ter qualquer vocação para aquele mundo. Isso é devastador.” Não à toa, diz Lírio, a taxa de suicídio, depressão e abuso de substâncias é enorme entre médicos e estudantes de medicina. Mas não apenas nessa área.
Realizada em 2018, a quinta edição da Pesquisa do Perfil Socioeconômico dos Estudantes das Universidades Federais pinta um panorama problemático. Ao todo, 83,5% dos estudantes entrevistados responderam que vivenciaram algum tipo de dificuldade emocional que interferiu na vida acadêmica. Em 2014, esse índice era de 79,8%. A dificuldade mais citada pelos estudantes foi a ansiedade, que atingiu 63,6% deles, seguida pelo desânimo e desmotivação, com 45,6% de prevalência entre os entrevistados. Os dados mais preocupantes ficam na porcentagem referente a ideação de morte e pensamento suicida, 10,8% e 8,5% respectivamente. Se comparada com a edição anterior da pesquisa, a ideação de morte e o pensamento suicida cresceram na ordem de 68,8% e 107,0% respectivamente .De acordo com estudos, o suicídio é a segunda causa de morte entre estudantes do ensino superior e tal panorama parece ser global. Apesar da gravidade, o assunto continua sendo um tabu ao redor do mundo e o estigma carregado pelo tema tende apenas a piorar a situação.

A insustentável leveza do ser

Quando falamos do curso de medicina, alguns estereótipos vêm à mente. Anos de cursinhos preparatórios para alcançar a tão sonhada e concorrida vaga na universidade, a dedicação total e absoluta à faculdade, plantões, residência e uma disciplina ímpar para quem busca se formar no curso mais concorrido do país. Com tamanha pressão, a pergunta que fica é: quem cuida de quem está aprendendo a cuidar? Essa questão foi o pontapé inicial do PADu – Projeto sobre Ansiedade e Depressão em Universitários. A iniciativa é liderada por seis universidades mineiras e busca, por meio de uma pesquisa, compreender o perfil mental dos estudantes de saúde das seis faculdades e criar uma base de dados capaz de auxiliar na formulação de políticas de acolhimento, prevenção e promoção da saúde mental.

A UFMG é uma das universidades envolvidas no projeto e o psiquiatra e professor de Medicina Preventiva e Social Helian Nunes de Oliveira, ao lado das professoras Elaine Machado e Aline Dayrel, é um dos coordenadores da pesquisa. “Os profissionais de saúde e os estudantes de medicina são um dos grupos mais vulneráveis quando falamos sobre depressão e suicídio. Infelizmente, esse é um tema comum na universidade e não só na área de saúde”, afirma o professor.

Com grande parte da carreira dedicada a depressão e a ansiedade de universitários, Nunes cita alguns exemplos que tornam o ambiente do ensino superior também tóxico: excesso de carga horária, cursos e disciplinas mal planejadas que acabam sobrecarregando os alunos, calendários mal estruturados e a pressão de professores, colegas e dos próprios estudantes. Para o professor, dois momentos da vida acadêmica costumam ser cruciais para a saúde mental dos alunos: a entrada na faculdade e a saída dela.

É comum ver estudantes adentrando a faculdade com quadros de ansiedade, depressão, pânico, abuso de bebida, etc. São problemas que os jovens já trazem com eles

“A UFMG costumava ter trotes horríveis, verdadeiros linchamentos. As primeiras semanas de faculdade eram um desastre para quem entrava. Esse trote foi abolido, mas isso só aconteceu após termos fatalidades.” Se a entrada em um mundo novo, completamente diferente de tudo o que o aluno conhecia antes, pode ser assustadora, o adeus a esse ambiente também tende a ser difícil. O jovem, que por toda sua vida enxergava um trilho acadêmico à sua frente (ensino fundamental, ensino médio e ensino superior), se vê pela primeira vez sem direção certa. “No último ano o aluno começa a olhar para o mercado de trabalho e perceber que, daqui há pouco, o cordão umbilical com as instituições de ensino será cortado. Tanto o começo quanto o final da faculdade são momentos de grande apreensão, é necessário monitorar esses alunos e agir quando necessário.”

Mas o professor alerta, muitas vezes os jovens já chegam à faculdade com um histórico prévio de sofrimento mental. “É comum ver estudantes adentrando a faculdade com quadros de ansiedade, depressão, pânico, abuso de bebida, etc. São problemas que os jovens já trazem com eles e isso é um reflexo da prevalência significativa de ansiedade e depressão no nosso país.” O Brasil é líder da América Latina nos quesitos depressão e ansiedade, perdendo apenas para os Estados Unidos quando falamos do continente americano. Nunes acredita que o estado mental dos jovens nada mais é do que um reflexo da exposição à violência e a outras mazelas sociais brasileiras.

“O papel da universidade deve ser identificar o aluno que entra vulnerável no ambiente universitário e ajudá-lo desde o início, antes mesmo dele se tornar sintomático. Também é necessário se debruçar sobre o que ocorre dentro das universidades e garantir que esse ambiente não crie novos casos ou piore casos já existentes.” Nunes entende que um dos maiores erros das universidades é esperar que haja um estresse no aprendizado ou uma dificuldade na formação acadêmica do aluno para prestar ajuda. O estigma das doenças mentais também atrapalha a luta por um ambiente universitário mais saudável e é comum ouvir reclamações de alunos que dizem que a faculdade não se importa com essas questões.

O papel da universidade deve ser identificar o aluno que entra vulnerável no ambiente universitário e ajudá-lo desde o início, antes mesmo dele se tornar sintomático

Na época em que ingressei, não tive acesso a esse tipo de ação de apoio aos alunos. As dificuldades para entregar trabalhos, comparecer às aulas e tirar boas notas começaram então a se tornar problemas frequentes e, pela primeira vez na vida, entendi que não conseguiria sair do buraco em que estava sem uma rede de apoio. Abandonei a faculdade para sobreviver e posso dizer que foi a melhor decisão que já tomei. Hoje, tenho acompanhamento psicológico e psiquiátrico e nunca me senti tão feliz.

“Uma pessoa com transtornos mentais se torna alvo de estigma, de preconceito. É um absurdo, nós excluímos essas pessoas e acreditamos que elas não têm capacidade de serem funcionais ou criativas.” Para o professor, o trabalho no meio universitário deve ser focado em desconstruir o preconceito que existe com doenças mentais. “Ainda temos muito preconceito com terapia, com medicamentos. Muitas vezes quem mais atrapalha é quem está próximo, a família, os amigos e os professores que não entendem a dificuldade e não apoiam a pessoa.”

O apoio daqueles que estão próximos é essencial, mas Nunes acredita que esse tipo de situação não pode ser resolvido apenas por um indivíduo ou por uma comunidade. “Estamos falando de uma crise sanitária, e a ação do Estado é necessária. Hoje, um dos maiores desafios no combate à depressão e ansiedade na universidade é a questão programática.” Ele entende que o foco das ações governamentais deve ser a prevenção da doença e não a contenção dos sintomas. “Como os gestores municipais, estaduais e federais planejam e avaliam políticas públicas que lidam com esse tema? Vivemos uma crise sanitária e não estamos agindo de acordo.”