Michael Pollan e os cogumelos mágicos — Gama Revista
Drogas: mudou de opinião?
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Veridiana Scarpelli

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Conversas

Michael Pollan: "Psicodélicos podem trazer uma nova perspectiva à vida"

O consagrado jornalista americano provou psicodélicos aos 60 anos para a pesquisa do livro “Como Mudar Sua Mente”, em que investiga por que essas substâncias vêm atraindo “as pessoas mais improváveis”, como ele diz em entrevista exclusiva a Gama

Luara Calvi Anic 15 de Novembro de 2020

Michael Pollan: “Psicodélicos podem trazer uma nova perspectiva à vida”

Luara Calvi Anic 15 de Novembro de 2020
Veridiana Scarpelli

O consagrado jornalista americano provou psicodélicos aos 60 anos para a pesquisa do livro “Como Mudar Sua Mente”, em que investiga por que essas substâncias vêm atraindo “as pessoas mais improváveis”, como ele diz em entrevista exclusiva a Gama

Um dos motivos que levaram Michael Pollan a escrever um livro sobre psicodélicos foi uma matéria de jornal de 2010 que dizia que médicos estavam testando o uso da psilocibina — o princípio ativo dos cogumelos mágicos — em pacientes de doenças terminais, como uma alternativa para lidarem melhor com a finitude.

Ao longo de sua pesquisa, o jornalista e escritor se surpreendeu com o fato de que essas substâncias, na verdade, já haviam passado sistematicamente pelos microscópios dos médicos no final dos anos 1950 e começo dos anos 1960. E que, no meio dessa jornada, o estabilishment cultural e científico se voltara contra elas, deixando para trás possibilidades de avanço em pesquisas relacionadas à saúde mental.

Até que, como explica Pollan, certa escassez de novas opções para tratar os crescentes casos de depressão, ansiedade e síndrome do stress pós-traumático fizeram com que uma nova geração de cientistas abrisse a cabeça novamente para aquelas substâncias que, renegadas pela ciência e banidas pelos governos, seguiram marcando gerações desde os anos 1960.

Mas não o jovem Pollan que, em parte levado pelos discursos condenatórios a esse tipo de substância, não a experimentou na flor da idade. Foi apenas perto dos 60 anos — e depois de se tornar um autor best-seller e professor de jornalismo na Universidade da Califórnia — que ele teve a sua primeira grande viagem psicodélica. Seguindo a onda do que ele chama de um renascimento das pesquisas, algo que vem acontecendo nos últimos tempos.

Em “Como Mudar Sua Mente” (Intrínseca, 2019), seu oitavo livro, ele refaz o caminho dos psicodélicos desde as pesquisas mais pioneiras até os dias de hoje e compartilha a sua incursão pessoal nessa viagem que, para ele, parece ter resultado em uma existência mais plena, como conta na conversa a seguir.

Muitas pessoas estão lutando contra a depressão, a ansiedade. Elas estão procurando por alguma coisa nova. E aí entram as pesquisas psicodélicas

  • G |Nos últimos tempos assistimos, especialmente nos Estados Unidos, pessoas de alto poder aquisitivo apoiando pesquisas relacionadas à psicodélicos. Quais mudanças a cultura tem passado em relação ao tema e por que esse interesse agora?

    Michael Pollan |

    A cultura está mudando muito rapidamente. Se você voltar três ou quatro anos, esse era um tópico marginal e controverso. Quando comecei a escrever sobre isso era muito difícil persuadir editores. Acho que as razões para tanta excitação são duas: uma é o fato de que nós temos essa crise da saúde mental no mundo todo, com taxas de depressão, ansiedade, suicídio aumentando. E um reconhecimento generalizado, até mesmo nas comunidades de saúde mental, de que elas não têm ferramentas realmente boas para lidar com essa crise. É uma área que tem sido relativamente mal-sucedida se comparada a outros ramos da medicina, como cardiologia, oncologia, doenças infecciosas. Essas outras disciplinas conseguiram salvar vidas, reduzir sofrimentos, existem realizações notáveis e isso não é verdade nos tratamentos de saúde mental. Um problema ainda mais difícil é que nós não entendemos a mente tanto quanto o coração ou até mesmo o câncer. Então existe um tipo de desespero na medida que o problema fica maior — ainda mais com a pandemia. Há muita gente lutando contra a depressão, a ansiedade. Então acho que as pessoas estão procurando por alguma coisa nova. E aí vêm essas pesquisas psicodélicas. Penso que a combinação de pesquisas bem-sucedidas, ainda que em pequena escala, e esse vácuo por algo novo no campo da saúde mental — nada de novo surgiu para tratar depressão desde os anos 1980 — contribuem para esse interesse.

  • G |Vimos ao longo da história do século 20 muitos sinais na arte, na literatura, na música relacionados à experiências psicodélicas. Ainda há no mundo uma espécie de comunidade que se conecta pelo interesse em psicodélicos? Como ela é hoje?

    MP |

    Sim, mas essa comunidade está mudando. Sempre houve um grupo de pessoas e esta é uma das razões pelas quais temos agora esse renascimento, justamente porque esse grupo era tão dedicado ao poder de sua medicina que continuava lutando contra o estigma. Mas acho que agora o tipo de pessoa interessada em psicodélicos nos Estados Unidos mudou drasticamente. Por exemplo em Oakland, Califórnia, perto de onde moro, há muitas pessoas na comunidade afro-americana muito interessadas em cogumelos e usando-os para tratar traumas raciais. Pessoas mais velhas me procuram pedindo recomendações de como encontrar um guia [para acompanhar a experiência]. Gente que você não esperaria como executivos corporativos, reitores de universidades, os tipos mais improváveis. Acho que o tamanho dessa comunidade está ficando muito maior e há muitas pessoas que estão desesperadas demais lutando com algum problema sério ou de quase morte. Pessoas que tem uma doença terminal e que agora estão experimentando seja por meio do mercado ilegal, se inscrevendo em pesquisas de drogas legais ou fazendo isso por conta própria. Então passamos dessa pequena comunidade para algo muito maior.

  • G |Você conta no livro que teve sua primeira experiência psicodélica próximo aos 60 anos. Como teria sido sua vida sem esse fato?

    MP |

    Esse tipo de experiência tem valor para muitas pessoas, não apenas para aquelas com diagnóstico de depressão ou ansiedade. Eu tive minhas próprias experiências, que fiz como parte da pesquisa para o livro, e não sou alguém diagnosticado com qualquer tipo de transtorno mental mas achei incrivelmente útil. Acho que esse valor se torna ainda maior conforme você vai ficando mais velho. Quando envelhecemos ficamos muito presos em nossos modos, nos tornamos criaturas de hábitos. Mais e mais nós sabemos como navegar por uma situação no trabalho ou discussão com nosso cônjuge ou nossos filhos. Agimos de determinada maneira repetidas vezes e ficamos presos a um hábito que governa a vida. E quanto menos você recebe novas informações capazes de alimentar sua criatividade, menos você estará vivo. Quero dizer, depois de um tempo você se torna realmente uma máquina executando algoritmos ao invés de uma pessoa respondendo à realidade no presente.

  • G |E como os psicodélicos podem transformar essa realidade?

    MP |

    Uma das coisas que eu acho que essas substâncias fazem é tirar você desses hábitos. Você sente os sentimentos renovados e de repente tem uma nova perspectiva da sua vida. Um dos pacientes que entrevistei disse que é como se uma câmera fosse afastada cada vez mais distante da cena da sua vida e você então tem um panorama — vê o que está fazendo, os erros que está cometendo, vê uma ruptura. E acho que isso é muito útil. Todos nós, em alguma medida, temos um comportamento viciante. Seja em nossos telefones, em álcool, drogas ou sexo. Vimos nesses estudos clínicos que psicodélicos podem ajudar a quebrar vícios. Em geral, eles parecem ser bons em dissolver pensamentos rígidos e repetitivos.

  • G |Como foi a sua experiência?

    MP |

    Me ensinou coisas que eu não esperava. Sempre saí dessas experiências com gratidão pelas pessoas em minha vida. E quando você é casado por muitos anos meio que tem seu casamento como garantido e, de repente, enxerga sua esposa de maneira renovada e se dá conta do quão afortunado você é por ter essas pessoas ao redor. Acontece um maravilhoso inventário da sua vida. Então não acho que seja apenas para pessoas que estão doentes, assim como não acho que seja para todos. Ninguém deveria se sentir coagido a ter um experiência psicodélica. É um trabalho árduo, não acho que as pessoas percebam isso. Nos Estados Unidos, usamos o termo recreacional como se fosse divertido. E não é nada parecido com isso, é realmente um trabalho difícil, você sai exausto porque foi forçado a pensar. É uma droga que intensifica os sentimentos e nem todo mundo está pronto para isso. Estar bem preparado é muito importante. Se opta por tomar uma dose alta é essencial fazer na companhia de alguém e não sozinho. São substâncias realmente poderosas e que precisam ser tratadas com um tipo de reverência e respeito. Mesmo que não sejam tóxicas ou viciantes elas podem ter consequências negativas para a saúde mental das pessoas com tendência à esquizofrenia, transtornos de personalidade, pode desencadear crises psicóticas. Portanto é uma grande decisão.

  • G |Em muitos países substâncias psicodélicas estão no mesmo grupo de outras drogas consideradas ilícitas. Como você as diferencia?

    MP |

    Elas estão no mesmo grupo ao olhos da lei porque pelos olhos da ciência e da realidade elas são muito diferentes. A princípio porque as drogas psicodélicas clássicas — que eu incluiria psilocibina, LSD, Ayahuasca, DMT — não causam dependência. Nós temos um número suficiente de evidências em relação a isso. As pessoas não querem tomá-las um dia depois do outro. E o grande ponto das drogas e do abuso é que elas viciam as pessoas. No livro eu descrevo um clássico experimento relacionado a vício que deu a ratos algumas opções para que eles pudessem escolher. No caso da cocaína e heroína os animais acionavam um dispensador mais e mais até a morte. No caso do LSD, eles provavam uma única vez e nunca mais. Uma outra coisa é que as substâncias psicodélicas não são tóxicas para o corpo. Não são como o ópio, que é muito comum de causar overdose por meio da heroína, do medicamento Fentanil e de todos os opióides sintéticos. Mais de 70 mil pessoas morreram só no ano passado de overdose dessas drogas nos Estados Unidos.

  • G |Como vê o futuro dessas substâncias e da guerra as drogas?

    MP |

    Tenho um problema com a guerra às drogas em geral. Não acho que ela realmente tenha conseguido alguma coisa, exceto encher nossas prisões de gente. E está levando a crimes, há muitos problemas. As drogas são vencedoras basicamente. De qualquer maneira agora temos evidências de que esse grupo de substâncias não tóxicas e não viciantes podem ser muito úteis no tratamento de diferentes transtornos mentais. Então esse é um fortíssimo argumento para tirá-las da cesta de químicos malignos e olhar para elas de maneira diferente — como medicamentos e não simplesmente drogas. Eu acho que isso vai acontecer quando o FDA [Food and Drug Administration, espécie de Anvisa] aprovar a psilocibina e o MDMA como terapia [previsto para acontecer em breve], os Estados Unidos terão que rever essa questão. O foco da guerra às drogas não deveria estar nessas substâncias e, aliás, não tem sido.

  • G |Por que não tem sido esse o foco?

    MP |

    Porque eu acho que os números são relativamente pequenos, os usuários de psicodélicos não têm muita quantidade, o LSD é muito difícil de rastrear, cogumelos crescem em quase todos os lugares e também, francamente, porque nesse ponto os psicodélicos têm sido usado por brancos abastados que não são o alvo. Se você voltar na história da guerra as drogas nos Estados Unidos ela começa com o presidente Nixon em 1970 e, em uma entrevista recente, o jornalista John Ehrlichman, então conselheiro de política doméstica do presidente, ele admitiu que os inimigos da Casa Branca eram negros e hippies — “nós sabíamos que não poderíamos tornar ilegal ser negro ou hippie, mas nós sabíamos que se criminalizássemos suas drogas, isso nos daria o poder de invadir suas casas e diminuí-los na imprensa”. E foi exatamente isso que aconteceu. Então é muito importante entender que as origens da guerra às drogas é mais sobre política do que saúde pública.

  • G |Em uma parte do livro você fala do “tom sobrenatural e intenso do verde do bosque” após comer cogumelos mágicos. Essas substâncias são capazes de fazer as pessoas se reconectarem com a natureza?

    MP |

    Na minha experiência e de outras pessoas que eu conversei os psicodélicos podem construir uma nova consciência relacionada à natureza. Duvido que aconteça com todo mundo, mas acontece com muitas pessoas. Uma pergunta realmente difícil é: vamos dizer que psicodélicos possam acelerar um novo tipo de consciência que pode beneficiar o mundo. O que você faz a partir daí? Você não pode preescrever uma droga para toda a civilização. E muitas pessoas podem não querer. [O magnata] David Koch, as pessoas que destroem a natureza nos Estados Unidos, que colocam fogo na Amazônia, por que eles tomariam isso? Vão perder seus superpoderes que é a habilidade de objetificar a natureza para o mundo? Mesmo que você tenha uma medicina que pareça empurrar as pessoas para a direção certa, quem vai dizer que esta é a direção certa? Esse argumento foi usado nos anos 1950 e 1960. Existia um grupo de crentes ou influenciadores que pensavam que você deveria dar a droga para os líderes das cidades, para artistas, jornalistas. Então você tem Timothy Leary e Aldous Huxley acreditando nessas teorias e muitas outras pessoas. Acho que é uma questão complicada, é muito atraente, poético e bonito que nós tenhamos esse remédio que vai curar o que aflige o planeta, mas pra chegar lá é muito difícil.

  • G |Uma nova geração vem tomando microdoses de LSD ou psilocibina para criatividade e concentração. Qual sua opinião sobre isso?

    MP |

    É interessante a ideia de você tomar essas microdoses e isso ter efeitos positivos no seu bem-estar, no seu mood. Falei com muita gente que faz isso. Eu não sei, no entanto, se funciona porque nós ainda não temos ciência para nos dizer se essas mudanças são uma coisa muito real ou de efeito placebo. Se você tomar algo tão forte como LSD está fadado a pensar que algo aconteceu, mas pode ser sua imaginação. Há pessoas pesquisando isso e acho que em breve teremos resultados. Mas particularmente não estou convencido de que fazem alguma coisa. Nas vezes em que tentei eu mal senti qualquer coisa acontecendo. Quando senti algo é porque tomei muito.