Dá pra fugir dos microplásticos?
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Ilustração de Luana Silva

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5 dicas

Como ingerir menos plástico

Confira alguns cuidados para reduzir a exposição aos microplásticos e nanoplásticos na cozinha

Sarah Kelly 18 de Maio de 2025

Como ingerir menos plástico

Sarah Kelly 18 de Maio de 2025
Ilustração de Luana Silva

Confira alguns cuidados para reduzir a exposição aos microplásticos e nanoplásticos na cozinha

Após mais de um século de sua criação, o plástico se tornou onipresente nas nossas rotinas. Esse material está nos alimentos, nas roupas e provavelmente em algum objeto perto de você neste momento. O meio ambiente já sente os efeitos disso há alguns anos — pelo volume produzido, pela dificuldade de decomposição do plástico e sua potencial liberação de substâncias tóxicas.

Recentemente, pesquisadores detectaram ainda microplásticos presentes em diversos tecidos e órgãos do corpo. Essas partículas podem ser formadas intencionalmente (como no caso do glitter) ou resultar da degradação e fragmentação progressiva de plásticos maiores. Seu tamanho varia de alguns nanômetros até 5 milímetros — e, quando menores que 1 micrômetro, são chamados de nanoplásticos, invisíveis a olho nu.

O impacto dos microplásticos para a saúde humana ainda está sendo estudado, mas eles já são associados a vários problemas, como o maior risco de eventos cardiovasculares fatais quando presentes em artérias e a ocorrência de distúrbios metabólicos, respiratórios e hormonais. Pós-doutora em gestão costeira pela Universidade Federal de Pernambuco, Maria Christina Araújo lembra que “ o corpo humano está sendo um depósito dessas partículas”.

Ela explica que podemos entender o microplástico como um corpo estranho, que faz o corpo humano reagir em uma tentativa de se proteger. “Eles causam uma série de irritações, inflamações e problemas nos tecidos”, afirma a pesquisadora. “Além de problemas mais graves que acontecem com os tipos de plásticos considerados disruptores endócrinos, como o bisfenol (BPA), que têm o poder de interferir no funcionamento do sistema endócrino do corpo, que é um dos sistemas mais importantes, porque regula todos os outros.”

encontrados no sal, na água, no leite, os microplásticos são inevitáveis. Apesar disso, alguns hábitos alimentares e práticas na cozinha ajudam a diminuir o contato com essas partículas. A seguir, leia dicas de especialistas consultados por Gama:

  • 1

    Fuja dos ultraprocessados. Opte por alimentos naturais –
    “Quanto mais processos o alimento passa na indústria, maior a chance de contaminação”, segundo Araújo. Para a pesquisadora, um ótimo jeito de reduzir os microplásticos da cozinha é optar por alimentos naturais ou minimamente processados. Como ela, especialistas do mundo todo defendem que a principal prevenção contra os efeitos do microplástico é o cuidado com saúde geral. Isso quer dizer se exercitar, dormir adequadamente e ter uma dieta balanceada. Além do risco de se contaminarem com microplástico durante a fabricação, os ultraprocessados são caracterizados por um excesso de realçadores de sabor, como açúcar, gordura e glutamato monossódico. Esse tipo de alimento é responsável por cerca de 57 mil mortes prematuras de pessoas entre 30 e 69 anos por ano no Brasil, de acordo com um estudo de pesquisadores da USP, Fiocruz, Unifesp e Universidade de Santiago (Chile). Quase sempre, os refrigerantes, biscoitos recheados, salgadinhos e similares chegam em pacotes de plástico nas prateleiras do mercado. Se você consome esses produtos, cortá-los — ou diminuir significativamente o consumo — já reduz muito o plástico em casa.

  • 2

    Compre a granel com os seus recipientes – de preferência de vidro –
    Reconhecido internacionalmente com um dos melhores restaurantes sustentáveis da América Latina, o chef Cesar Costa, do Corrutela, adota uma série de cuidados na sua cozinha. Um deles é o uso de grandes embalagens, por exemplo com o leite, que chega em leiteiras retornáveis de 30 litros e o milho, transportado em sacas de 50 kg. Questionado sobre como ter ações parecidas em uma cozinha domiciliar, ele responde que uma solução é a compra a granel. Nesse modelo, “você consegue ir com o seu utensílio, do material que você quiser, e abastecer [com o produto de interesse]”. Assim, você adquire apenas a quantidade necessária do que quer comprar, evitando tanto o desperdício de alimentos quanto o excesso de embalagens. Movimentos do tipo permitem um olhar para o passado, como conta a escritora, nutricionista e pesquisadora da alimentação Neide Rigo. “Conheço essas alternativas também porque era o que a gente usava no passado. Até o óleo era comprado a granel”, lembra. Na ausência dessa opção, alguns produtos, como o detergente, podem ser comprados em uma grande embalagem para reabastecer aos poucos um recipiente reutilizável. “Já não vou nem dizer para fazer sabão em casa, igual eu faço, que aí já é demais, eu sei que ninguém vai querer fazer (risos)”, diz Rigo, que em sua conta no Instagram traz dicas para uma alimentação mais saudável e natural.

  • 3

    Não esquente ou guarde sua comida em plástico –
    Apesar da praticidade, por ser leve e inquebrável, o recipiente plástico não é o mais adequado para armazenar alimentos ou líquidos. Ele não tolera os choques térmicos e o manuseio constante de aquecer e congelar, como explica a professora Maria Christina Araújo: “O plástico desprende partículas. A gente não consegue ver”. Mesmo os que se dizem próprios para o microondas e livres de BPA, passam pela fragmentação progressiva em microplástico. Uma pesquisa publicada em 2023 no periódico Environmental Science & Techonology revelou que, em apenas três minutos de exposição ao calor, esses recipientes liberam mais de 4 milhões de microplásticos e cerca de 2 bilhões de nanoplásticos a cada centímetro quadrado de material. A melhor opção para conservação são os vidros, comenta Araújo: “o vidro é inerte. Se você não derrubar e quebrar, ele vai viver para sempre. E ele não desprende nada”. Como substituto do plástico filme e outras embalagens, Rigo recomenda os paninhos de cera, que ela ensina a fazer neste vídeo. Dada a dificuldade de abolir o uso do plástico, é importante minimizar, ao menos, a exposição ao calor intenso, à luz solar, à ácidos e ao desgaste físico, que também podem degradá-lo. Além dos recipientes, outros utensílios podem ser substituídos: “Desde colheres e espátulas, a tábua de corte”, lista o chef Cesar Costa. Em cozinhas profissionais, por determinação da Anvisa, a indicação são as tábuas de corte de plástico, especificamente polietileno (PEAD). Nesse caso, Costa recomenda “entender que produtos como esse tem validade. Chega a hora de trocar, porque ele começa a liberar muito microplástico em função do uso repetido e da lavagem agressiva, a tábua começa a criar microfissuras”. Panelas de teflon também devem ser evitadas. Neide Rigo sugere substituir a frigideira antiaderente de teflon (tipo de plástico) por frigideira de ferro bem tratada: “basta secá-la no fogo e proteger com óleo quente para ganhar antiaderência”. Para tábuas e colheres de madeira ou bambu, higienize com água sanitária, fervura ou sol. Outras boas escolhas são trocar as esponjas de plástico por versões vegetais e os saquinhos de chá por uma peneirinha com as ervas soltas.

  • 4

    Ferva e filtre sua água. Lave todos os alimentos, inclusive arroz e feijão crus –
    Esse processo de fervura e filtração pode eliminar até 80% dos microplásticos presentes na água da torneira. Isso acontece porque, ao ferver, o calcário presente na água se solidifica e os microplásticos se prendem a ele. Em seguida, passe a água por um filtro — pode ser de papel, como os usados para coar café — para remover o restante dos resíduos. Se o filtro for de plástico, é importante resfriar a água antes de passar por ele, já que o calor acelera a degradação do material. Outra frente importante é a higienização dos alimentos. Grãos como arroz e feijão costumam vir com bastante resíduo por causa da forma como são armazenados “Lavo o arroz porque ele vem com uma quantidade imensa de resíduo”, diz Araújo. Para ela, o segredo está em esfregar rapidamente em água corrente.

  • 5

    Os microplásticos estão no ar, na água e na comida. Reduza os riscos a partir de suas escolhas cotidianas –
    As descobertas sobre os riscos dos microplásticos para a saúde humana ainda estão em curso, mas o alerta já está dado: eles estão no ar, na água, na comida. Ainda não há certeza absoluta sobre todos esses efeitos, que podem variar de uma pessoa para outra, mas as pesquisas mais recentes mostram que esse é um risco real e crescente para a população como um todo. “Em algumas coisas, não tem para onde correr, se você comprar um camarão, por exemplo, certeza que ele terá microplástico”, lamenta Araújo. Mesmo que seja impossível eliminar completamente a exposição, dá para reduzir os riscos com escolhas cotidianas e, principalmente, manter uma atitude ativa diante do problema. Isso significa buscar fontes confiáveis de informação, dividir o que se aprende com quem está por perto e cobrar medidas mais amplas, como políticas públicas que regulem o uso do plástico e incentivem alternativas sustentáveis. Cesar Costa, que viveu seis anos trabalhando em restaurantes de diferentes países, afirma que “no Brasil, dá trabalho consumir de maneira consciente, o que limita que mais pessoas adquiram um estilo de vida sustentável.” Araújo defende que “é uma ideia que a gente tinha que levar como mentalidade de vida: tentar reduzir os plásticos o máximo possível”.

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