Como começar o ano na política? — Gama Revista
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Sociedade

Como começar o ano na política?

São muitas as questões a serem encaradas pelo novo governo. Especialistas de diferentes áreas dão seus palpites em relação a como devem ser os primeiros passos dessa nova fase

15 de Janeiro de 2023
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Como começar o ano na política?

São muitas as questões a serem encaradas pelo novo governo. Especialistas de diferentes áreas dão seus palpites em relação a como devem ser os primeiros passos dessa nova fase

15 de Janeiro de 2023

“Temos instrumentos necessários para colocar em prática ações fortes de redução de desmatamento”

Paulo Artaxo, professor de física da USP e membro do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas)

É possível romper já num primeiro momento com os estragos em termos de políticas ambientais e recordes de desmatamento acumulados no último governo?

“É mais do que evidente que você não corrige estragos de quatro anos de imediato. Terá que ser feito um programa reduzindo o desmatamento ano a ano até que possamos chegar à meta de desmatamento zero. Esse é o objetivo, e é preciso criar políticas para atingi-lo. Mas é óbvio que isso leva um certo tempo. A tarefa mais importante do novo governo em relação à Amazônia é primeiro mudar o modelo de desenvolvimento, de um baseado em ilegalidades e invasões de terras públicas e indígenas para um que apresente um futuro adequado para a população amazônica. Isso passa primeiro pela repressão a atos ilegais, por policiamento e uma fiscalização muito forte. Segundo, passa também por reduzir drasticamente já no primeiro ano o desmatamento da região, o que é possível através de fiscalização intensa. Não precisamos de novas leis porque as que temos agora são adequadas. Os sistemas de monitoramento de desmatamento tanto do Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais] quanto do Mapbiomas existem e funcionam de forma eficiente para essa tarefa. Portanto, temos todos os instrumentos necessários para colocar em prática ações fortes de redução do desmatamento já no início do novo governo.” (Em entrevista a Leonardo Neiva)

“Nosso maior desafio é implementar políticas públicas para aumentar a produtividade do país”

Naercio Menezes Filho, economista, professor do Insper e da FEA-USP, diretor do Centro Brasileiro de Pesquisa Aplicada à Primeira Infância e membro da Academia Brasileira de Ciência

Como começar o ano com tantos desafios na área econômica e fazer diferença na área social?

“O país tem que tentar resolver seu grande problema de falta de produtividade. Em termos econômicos mais gerais, o Brasil, há 40 anos, não tem crescimento sustentado de produtividade, fundamental para aumentar a renda das pessoas no longo prazo, para fazer com que os filhos tenham um padrão de vida melhor que o dos pais e com que a sociedade fique cada vez mais rica. A gente não conseguiu fazer isso nas últimas décadas. O nosso maior desafio é implementar políticas públicas que vão nessa direção. Precisamos simplificar a estrutura tributária, melhorar a qualidade da educação, igualar as oportunidade para famílias pobres e ricas, e ter mais abertura da economia para importações e exportações para melhorar a tecnologia que é usada nas empresas brasileiras, além de reorganizar os programas sociais, que foram desorganizados na ?última gestão.
É trabalho para mais de um ano, mas em 2023 temos que começar a fazer isso. A reforma tributária já pode ser feita neste ano, já está mais ou menos pronta. Na educação, temos que promover o alfabetismo, recuperar os efeitos da pandemia, fazer com que essa geração consiga aprender a ler e a escrever aos seis anos e que fiquem mais tempo na escola para ganhar salários maiores.”

“Os pobres, pessoas negras, periféricas e mulheres devem estar no centro do planejamento”

Na posse do presidente Lula, presenciamos uma imagem que simboliza a inclusão em diversas esferas. Qual o caminho para que ela não fique só no campo visual, mas integre de fato o planejamento e as políticas públicas daqui para frente?

Áurea Carolina, socióloga ex-deputada federal (PSOL-MG), integrou a equipe de transição do governo Lula

“Temos várias sinalizações, como a posse histórica das ministras da Igualdade Racial e dos Povos Indígenas e a confirmação de que o enfrentamento ao racismo e a proteção dos territórios de povos indígenas estão na ordem do dia. A nomeação do Silvio Almeida para o Ministério dos Direitos Humanos tem um significado enorme por toda a bagagem que ele tem, assim como Anielle Franco, Sonia Guajajara e Margareth Menezes para outras pastas. Estamos acompanhando a criação de um ministério muito mais diverso e afirmativo do que nos governos anteriores. Precisamos ver isso se concretizar na priorização do orçamento e nas políticas públicas. No discurso, a ministra Anielle destacou que a igualdade racial deve ser um compromisso de todos os ministérios. Esperamos que essa interseccionalidade de gênero, raça, território, sexualidade e deficiências estejam de fato na orientação das políticas. Não é simples, porque ainda temos uma estrutura muito pesada de reprodução do machismo, da meritocracia e do racismo no Estado. É uma tarefa constante de convencimento, formação e determinação política.

Discutimos na transição a importância de uma área em cada ministério dedicada a ações afirmativas, para impulsionar políticas cada vez mais inclusivas e equipes cada vez mais representativas. Precisamos de mais mulheres, pessoas negras e com deficiência das várias regiões do Brasil trabalhando na entrega das políticas públicas. Fico muito animada com esse primeiro arranque do governo. Claro que tem limites, áreas que enxergamos com preocupação, como os ministérios das Comunicações e do Turismo. Não sabemos exatamente o papel que a ministra Daniela Carvalho vai exercer, já que não tem bagagem no turismo. São áreas estratégicas que a gente precisa acompanhar.

A subida da rampa é uma imagem que traz corpos, histórias e diferenças para a construção coletiva a partir de um compromisso inabalável com a democracia. Não é só para sair bonito na foto. Esse compromisso vem com investimento. Os pobres, pessoas negras, periféricas e mulheres devem estar no centro do planejamento. A partir disso, o Estado precisa desconstruir lógicas de violência, exclusão e subalternidade que sempre prevaleceram. Estou bem otimista, apesar de toda essa insanidade golpista que nos assombrou.” (Em entrevista a Leonardo Neiva)

“Cuidar da infância e juventude é cuidar do país como um todo”

Luciana Temer, advogada, professora e diretora-presidente do Instituto Liberta

Como começar o ano com projetos e políticas públicas que olhem para nossas crianças e adolescentes?

“A Constituição de 1988 em seu artigo 227 fala em criança e adolescente como prioridade absoluta e o que se espera deste novo governo é que cumpra a Constituição. No entanto, temos convicção de que para que a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes se dê, três coisas são fundamentais. A primeira, é que o governo esteja convencido de que cuidar da infância e juventude é cuidar do país como um todo. Por exemplo: estudo do Banco Mundial mostra que o Brasil deixa de produzir 3,5 bilhões de dólares em razão de gravidez precoce. Portanto, cuidar de adolescentes é cuidar da economia. A segunda é entender que, para que haja resultados expressivos nesta área, a política precisa ser verdadeiramente intersetorial. Ou seja, trabalhar em caixinhas neste assunto, não funciona. Pelo menos não com a potência necessária. Voltemos ao exemplo da gravidez na adolescência: a menina grávida provavelmente está na escola e é acompanhada pelo posto de saúde. Se é menor de 14 anos, a gravidez é fruto de estupro. Mais de 80% dos estupros são praticados por parentes próximos. Dados do IBGE mostram que de cada 10 mães adolescentes, 6 não estudam nem trabalham. Por meio desse exemplo singelo e corriqueiro dá para entender o dado do Banco Mundial e, também, a necessidade de uma política integrada. Afinal, neste caso, não adianta a saúde construir um programa para crianças e adolescentes que não converse com a educação, assistência social e mesmo segurança pública. A terceira coisa, e sem dúvida a mais importante, é que para um real avanço nas políticas de proteção às crianças e adolescentes é preciso, sobretudo, vontade política.” (Em entrevista a Manuela Stelzer)