Precisamos falar sobre a Amazônia — Gama Revista
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Reuters/Amanda Perobelli

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Precisamos falar sobre a Amazônia

Profissionais que conhecem, pensam e defendem a Amazônia falam sobre a urgência do debate e a responsabilidade de cada indivíduo na proteção da região

Manuela Stelzer 04 de Setembro de 2022

Precisamos falar sobre a Amazônia

Manuela Stelzer 04 de Setembro de 2022
Reuters/Amanda Perobelli

Profissionais que conhecem, pensam e defendem a Amazônia falam sobre a urgência do debate e a responsabilidade de cada indivíduo na proteção da região

É um consenso: a Amazônia nunca esteve sob tamanha ameaça. As queimadas na região atingiram, em agosto, o maior número desde 2010. São mais de 1,2 mil pistas de pouso clandestinas construídas por garimpeiros, o que facilita atividades ilegais. E um levantamento do Inpe registrou recorde de desmatamento no primeiro semestre deste ano. Isso tudo sem citar povos indígenas ameaçados pela mineração na região.

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Os dados não são novidade: há tempos as manchetes e pesquisas científicas alertam para a necessidade de olhar com cuidado para a floresta em perigo, e proteger seu precioso papel como reservatório de diversidade.

Para isso, Gama convidou diferentes profissionais que conhecem, pensam, estudam, vivem e defendem a Amazônia, e questionou o que o debate sobre a região tem de urgente e como ele se relaciona com cada indivíduo, por mais distante que esteja do bioma. Eis as respostas.

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    ‘Não é só meio ambiente – também é cultura, diversidade humana, filosofia’

    Aparecida Vilaça, doutora em antropologia social e escritora
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    “A Amazônia está sendo destruída explícita e visivelmente pelas políticas do governo. Precisamos falar sobre ela porque está sob ameaça. Sempre esteve, mas agora em proporções desconhecidas. A região é casa de diversas espécies animais e vegetais, além de diferentes povos indígenas. É habitat para muitas pessoas e culturas, um reservatório de vida diversa. Além de ser a principal área verde do planeta ainda de pé – mas sendo corroída rapidamente.

    É de fato um centro de vida, de oxigênio e de riqueza. Também a variedade farmacológica importante que oferece, muitos medicamentos que tomamos tem como base, ou mesmo inspiração, em plantas. E a Amazônia tem uma riqueza de espécies de uso farmacológico desconhecida, porque os indígenas que as conhecem estão sendo massacrados.

    Um dos motivos que a torna tão importante para cada indivíduo, além do óbvio relacionado ao meio ambiente, é relacionado à diversidade humana e cultural presente na Amazônia, e sua importância para nosso enriquecimento filosófico, emocional, como seres humanos. São povos com uma filosofia muito desenvolvida, pensadores que estão refletindo sobre condições de vida e relações entre seres há muitos séculos, com sabedorias que podem dar ideias para o nosso dia a dia, nossos dilemas. Nossa sociedade tende cada vez mais para uma uniformização, e repele a diversidade, seja por preconceito racial, de gênero, de sexualidade. Os povos indígenas são um exemplo de diversidade, e nós temos muito a aprender.”

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    ‘O Brasil é mais amazônico do que não amazônico’

    Eduardo Góes Neves, professor e arqueólogo
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    “O Brasil é mais amazônico do que não amazônico. Neste momento ela representa quase 60% do território brasileiro. Só que essa imensidão territorial é desconhecida pelas pessoas que não vivem lá. Apesar de ser aparentemente distante do dia a dia de parte dos brasileiros, a floresta amazônica cumpre um papel muito importante na regulação climática de outras partes do país. Ela funciona para irrigar, produzir chuvas, que através da ação dos ventos, vem do Noroeste até o Sudeste e Centro Oeste. E essas chuvas, que são semeadas e trazidas pelos rios voadores, são fundamentais hoje em dia para sustentar o agronegócio brasileiro, por exemplo.

    A informação é um dos meios para engajar as pessoas no debate. O desconhecimento em relação à Amazônia é muito grande. Como acadêmico e como professor universitário, temos que procurar utilizar uma linguagem acessível, principalmente para a juventude, e trazer informações sobre o bioma amazônico.

    Não só sobre a floresta, mas os povos que vivem ali. Porque hoje em dia, na Amazônia, os locais que são habitados por populações tradicionais estão mais protegidos de destruição e desmatamento do que as áreas sem ninguém. Não dá para separar a dimensão natural da dimensão dos povos originários.”

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    ‘Amazônia em pé significa todo mundo em pé também’

    Marlena Soares, empreendedora social. Nascida na comunidade ribeirinha Irateua
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    “Nunca na história deste país se falou tanto sobre a Amazônia, sobre povos da floresta, sobre economia da floresta em pé. O passado mostra que falamos pouco, valorizamos pouco, e tivemos pouca consideração com o que estava aqui, nessa parte do Brasil. E nós correspondemos a mais de 50% do território nacional – uma riqueza imensurável. Espero que a gente nunca mais pare de falar de Amazônia. É uma pauta que não pode mais esfriar, até porque a Amazônia é o centro do mundo, é o centro da vida. Meu desejo é que nosso futuro seja a Amazônia, com qualidade de vida, com floresta em pé e com cuidado de quem protege e mantém a floresta. A Amazônia em pé significa todo mundo em pé também.

    Quando tiver a oportunidade de vir para a Amazônia, não venha já com o olhar cheio de expectativas. É vir com o olhar despido, com o coração aberto, para enxergar com clareza povos, hábitos, costumes, tradições. E não nos colocar em caixinhas e tentar nos definir. A Amazônia é imensa, é diversa, sofre de aculturação a todo instante. Também é rural, urbana, periférica. É preciso estudar, ler, pesquisar.

    Temos falado muito sobre o protagonismo amazônico: onde estamos atuando, onde estamos sendo representados. Eu atuo na área socioambiental, e uma das coisas que mais me toca é ver que estamos tão pouco presentes nessa agenda. Já avançamos, mas queremos avançar mais. Ocupar mais lugares, a política, as empresas. Quero que estejamos juntos dos demais, construindo uma agenda sustentável e que tenha a cara, o jeito da cultura amazônica.”

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    ‘As pessoas só cuidam do que elas conhecem’

    Lalo de Almeida, fotojornalista que se dedica à documentação da Amazônia. É autor da série “Distopia Amazônica”
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    “De modo geral, o Brasil, ao longo de sua história, tratou muito mal a Amazônia. O problema é que agora, com a ascensão do atual governo, os poucos contra-pesos que existiam, como Ibama, ICMBio, FUNAI, foram completamente destruídos, o que facilitou a vida de quem comete todo tipo de ilegalidade. E o pior de tudo foi o discurso. Ocorreu uma inversão de valores: quem estava tentando proteger a floresta e seus moradores foi visto como bandido; e quem destruía era visto por Bolsonaro como responsável por desenvolver a região.

    Não podemos cair em respostas simplistas, porque ao meu ver, não existe solução fácil para a Amazônia. É muito triste a relação distante que os brasileiros têm com a Amazônia. Mas estamos finalmente descobrindo que moramos todos na mesma bolinha, e que qualquer ação, individual ou em grupo, tem um impacto coletivo.

    Não adianta fingir que o problema da Amazônia é distante da sua realidade. Temos que mostrar o que está acontecendo, porque ninguém cuida, se preocupa e protege algo que não entende. É preciso produzir todo tipo de conteúdo, mostrar as complexidades e as sutilezas também. Estou há pouco mais de 12 anos documentando intensamente a região, e como um eterno visitante, quanto mais me debruço e percorro a Amazônia, mais dúvidas me aparecem. Não é simples, e as pessoas precisam conhecer.”

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    ‘Sem a Amazônia, o Brasil não tem futuro’

    Paulo Artaxo, professor de física da USP e membro do IPCC
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    “A Amazônia tem uma importância estratégica para o Brasil e para o planeta como um todo. Ela é uma região estratégica para a regulação do clima, para a proteção da biodiversidade, para a manutenção dos serviços ecossistêmicos, que inclusive irrigam o agronegócio brasileiro. Sem a Amazônia, o Brasil não tem muito futuro. O pior que podemos fazer é queimar nosso futuro e transformá-lo em gases de efeito estufa. Isso vai se voltar contra nós. Há muitas décadas, a ciência deixa isso cada vez mais claro.

    O debate sobre a Amazônia tem a ver não só com cada indivíduo do Brasil, mas dos 7.7 bilhões de pessoas do nosso planeta que dependem de um clima estável, de condições adequadas de chuva e temperatura.

    A ciência faz um trabalho importante de alertar os riscos que a nossa sociedade está correndo. As mudanças climáticas são a maior ameaça que temos para a integridade socioeconômica do nosso planeta. Eventos climáticos extremos são apenas amostras do que podemos ter daqui a uma ou duas décadas. As mudanças climáticas não são mais uma questão do futuro, elas estão aqui, hoje, agora: nas ondas de calor na Europa, nas inundações na Bahia e em Minas Gerais, nos escorregamentos de terra em Teresópolis e Paraty.”

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Este conteúdo é parte da série “Uma conversa sobre Amazônia”, que pretende estimular uma reflexão coletiva sobre a região, e tem o apoio da Natura.