Qual país os jovens querem? — Gama Revista
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Rafaela Pascotto / @rafaela.pascotto

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Depoimento

Qual país os jovens querem?

Se eles são responsáveis pelo futuro do país, pequenos grandes ativistas contam a Gama sobre o Brasil que desejam (e lutam para) conquistar

Manuela Stelzer 30 de Outubro de 2022

Qual país os jovens querem?

Manuela Stelzer 30 de Outubro de 2022
Rafaela Pascotto / @rafaela.pascotto

Se eles são responsáveis pelo futuro do país, pequenos grandes ativistas contam a Gama sobre o Brasil que desejam (e lutam para) conquistar

Que os jovens não estão muito animados com as perspectivas do Brasil, isso não é novidade. A pesquisa Juventude e Democracia na América Latina apontou bastante pessimismo por parte da faixa etária de 15 a 29 anos: 76% deles dizem querer deixar o país, e quanto mais jovem o brasileiro, maior é o desejo.

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Já era de se esperar que um projeto de país pouco comprometido com pautas caras à juventude (como educação pública, saúde, cotas raciais e adoção de crianças por casais homossexuais) não construiria um lugar acolhedor para as gerações mais novas. Para reverter essa realidade, a representatividade dos jovens em cargos eleitorais é um dos caminhos para, por exemplo, desenvolver políticas públicas alinhadas a suas demandas sociais. Outra pesquisa, “Jovens no Poder”, do Instituto Update, deixou essa questão ainda mais evidente, além de apontar a importância da juventude na ressignificação da política como ferramenta de transformação.

Se são eles que têm nas mãos o futuro do país, e também são os que irão experimentar as consequências das decisões tomadas no presente, devemos ouvir nossos jovens. Gama conversou com a novíssima geração, dos 15 aos 23 anos, e perguntou qual país querem ter a oportunidade de viver. Eis as respostas.

  • ‘Precisamos garantir acesso à educação de qualidade’

    Bianca Freire, 19 anos, estudante de administração pública

    “Enquanto jovens, vamos precisar lutar muito para garantir que, por exemplo, meus irmãos mais novos não precisem enfrentar duas horas de transporte público para ter acesso a uma educação de qualidade. Para que, no futuro, eu não precise ter medo de sair de mãos dadas com a minha namorada na rua e para que tenhamos uma saúde de qualidade. O país que quero valoriza a ciência e as competências técnicas para políticas públicas, um país que traz todas as pessoas do meio técnico para dentro do governo, para elaborar, monitorar e analisar todos os nossos projetos de uma forma mais efetiva e democrática. Vindo de uma pessoa que está muito cansada de ver todos os seus direitos sendo atacados, principalmente enquanto mulher, LGBTQIA+ e da periferia, o que quero pro Brasil dos próximos anos é que pessoas como eu, além de negros e indígenas, tenham garantido o direito de sonhar. Estamos vivendo um momento de tantos bombardeios e ataques, tanta insegurança, que a preocupação maior é sobreviver.

    Um líder quilombola pernambucano que admiro muito, José Carlos Lopes, sempre frisa a importância da organização dos movimentos sociais, e com a juventude não é diferente. Todas as formas de se juntar e se fortalecer são importantes, para que sejamos os próximos tomadores de decisão.

    Mudanças climáticas, fome e pobreza e violência são, para mim, os três pontos centrais de mudança. Se estamos falando de futuro, não podemos descansar até não termos mais famílias morrendo de fome, até não termos mais vidas limitadas por balas perdidas na favela, até termos garantido que as próximas gerações possam respirar.”

  • ‘Desejo que adolescentes da minha idade não tenham que se preocupar se terão comida na mesa’

    Giovana Barelli Gamez, 15 anos, estudante do ensino médio

    “Desejo um país em que as crianças e adolescentes da minha idade não tenham que se preocupar se terão comida na mesa, luz à noite, uma cama quente para dormir. Se vão poder sair vestidos do jeito que querem nas ruas ou se vão poder se pronunciar sem serem silenciados ou agredidos. Que suas ideias sejam consideradas seriamente por políticos, e não ignoradas.

    É preciso que jovens conheçam sobre política, consigam se posicionar, defendam seus ideais e seus direitos, já que temos muitas pautas sociais para defender. Combate à fome, desemprego, violência. Os políticos precisam se comprometer a resolver os problemas de forma social e democrática, e não de maneira agressiva. Não liberando armas, mas criando escolas, estudo, serviços de saúde. É uma questão de querer entender, perceber que os problemas estão aí e precisamos enfrentá-los. Se não, vão crescer, ficar gritantes, até colapsar tudo. Tem gente que não enxerga esses problemas sociais, vivem no seu mundinho perfeito – e a maioria destas pessoas está no poder e no controle da economia e política do nosso país. Falta amor!”

  • ‘Somos nós que vamos sofrer as consequências do descaso socioambiental’

    Kaique Brito, 18 anos, apresentador, ator e criador de conteúdo

    “O que eu espero do país, e acho que é o que todo mundo quer também – paz. Os últimos anos foram tão conturbados, caóticos e horríveis, no sentido do coletivo do país, víamos e ainda vemos pautas extremamente urgentes, gritando e pedindo socorro: insegurança alimentar, desemprego, desmatamento, cortes de investimento na educação. É o governo fazendo o contrário do que deveria ser feito. Espero e quero poder focar no nosso desenvolvimento coletivo, sem desânimo e sem que o Estado atrapalhe em vez de ajudar.

    É extremamente importante que a juventude brasileira se engaje nesse futuro. Já temos, na verdade, grande participação na mudança de mentalidade, no pensamento mais aberto e progressista, só que ainda falta. Falta a população entender que nós, jovens, estaremos lá na frente para receber o resultado do que está sendo decidido agora. O descaso com a pauta socioambiental é um ótimo exemplo: não falamos o bastante sobre ela, e somos nós que vamos sofrer as consequências no futuro. Vemos estudos que mostram a quantidade de recursos que o Brasil pode usar em um ano – e chegamos na metade desse período com tudo gasto. Estamos no ponto de cheque especial, sabe?

    Quando penso nos jovens participando das decisões do país, penso em manifestação de ideias, melhorias no cenário da educação, seja básica, fundamental, médio ou a nível de faculdade. Penso em combate ao racismo, homofobia, injustiças sociais. É meio estranho tentar elencar as pautas mais importantes quando todas estão tão urgentes no momento.”

  • ‘Quero um país que respeite a história negra, periférica, das mulheres’

    Sofia Amaral, 21 anos, estudante de ciências sociais

    “Como jovem, espero e quero um país mais justo, mais fraterno. Um país com menos armas e mais livros, com menos presídios e mais escolas. Menos violento e com mais justiça social e climática. Um país que respeite a história negra, periférica, das mulheres. Um país que reconheça seu espaço enquanto país colonizado e latinoamericano e que construa ferramentas para superar essas barreiras que nos impõem tantas desigualdades. Sonho com um país em que possamos proporcionar vida digna para todas as pessoas e suas diversidades e necessidades.

    A conjuntura do Brasil atual não é simples, mas espero muita força coletiva para superarmos todos as violências, as políticas de ódio e excludentes que foram construídas, além dos desmontes orçamentários e institucionais. Espero que nossa juventude esteja disposta a enfrentar preconceitos, discriminações e violências para construir uma sociedade melhor. Não vai ser fácil.

    Mas é a juventude que traz inovação, novas perspectivas, até mesmo quebra de tabus. A construção da história desse país nos mostra que muitas pessoas ficaram para trás nas decisões políticas, e reproduzimos muitas dessas desigualdades até hoje. Historicamente, as mulheres, a população negra, periférica, também as crianças e a juventude foram excluídas do debate público, suas necessidades não foram ouvidas pela sociedade e pelos agentes políticos. Tenho muita esperança no futuro, mas acho que essa esperança precisa vir junto do inconformismo, para construirmos a sociedade que queremos.”

  • ‘Uma sociedade à altura dos sonhos dos jovens’

    Lincoln Sabino, 23 anos, graduando em ciência política

    “Quando converso com amigos, exponho meu desejo a eles, e eles expõem desejos deles a mim, vamos observando que nossos desejos são praticamente um: viver num país que escute nossos anseios e que esteja à altura dos sonhos da juventude. E que aquele que liderar o país nos próximos anos entenda a importância e a necessidade de se criar uma coalizão em prol da temática da juventude, porque o jovem não quer morar num país que seja conhecido apenas pelo seu futebol ou seu samba, mas que também seja conhecido como berço da oportunidade.

    Nosso país está numa situação alarmante. Estamos acima da média mundial em desemprego jovem. O termo nem-nem, nem estuda, nem trabalha, só cresce. Precisamos olhar para a juventude como nossos países amigos da língua portuguesa têm feito, levar pautas jovens para um nível de ministério, e não nível secretaria, quase sem orçamento, como o Brasil tem feito. Todo esse cenário mostra como é necessário o engajamento da juventude, que esteja ocupando conselhos, partidos, secretarias, e principalmente mandatos. Para que aí sim ela tenha a caneta da mudança.”

  • ‘Unir diferenças e forças para construir um país lindo de se viver’

    Catarina Lorenzo, 15 anos, surfista, estudante e ativista climática e socioambiental

    “Quero que meu país prospere, que tenhamos responsabilidades econômicas, sociais, ambientais e culturais. Que haja uma gestão responsável, preocupada com a população. Que amemos nosso país de verdade. E espero também que o povo entenda o poder que tem, porque o governo nos representa, foram eleitos para isso. São pessoas que podemos e devemos cobrar. Espero que criemos um Brasil que siga o caminho da sustentabilidade, defendendo as matas, olhando para as questões de educação, saúde pública, segurança. Somos diversos, mas se conseguirmos unir nossas forças, conseguiremos criar um país lindo de se viver.

    O Brasil tem tudo para prosperar, mas isso só vai ocorrer se as decisões corretas forem tomadas agora, nesse momento. Somos nós, jovens, que iremos herdar esse planeta. Um dia estaremos nos locais de tomada de decisão, seremos os próximos médicos, advogados, servidores públicos, e a lista só continua. Quando trazemos o jovem para a mesa de decisão, também deixamos que eles opinem sobre seu próprio futuro e tragam uma visão diferente. Não é porque somos novos, não temos mestrado, doutorado ou uma graduação, que somos menos inteligentes, até porque inteligência e conhecimento variam, não existe um único tipo. Talvez eu tenha conhecimento em uma área que um político não tenha, ou que um doutor não tenha. Quando juntamos as diferentes perspectivas, conseguimos criar um país menos desigual, com mais equidade.”