As estratégias das escolas para a saúde mental dos alunos — Gama Revista
Como promover a saúde mental nas escolas?
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Ilustração de Isabela Durão

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Reportagem

As estratégias das escolas para fortalecer a saúde mental de crianças e jovens

Educação emocional, equipes de acolhimento, meditação, cursos com psiquiatras: redes pública e privada diversificam ações para lidar com explosão de casos de ansiedade e depressão entre estudantes

Flávia Mantovani 29 de Setembro de 2024

As estratégias das escolas para fortalecer a saúde mental de crianças e jovens

Flávia Mantovani 29 de Setembro de 2024
Ilustração de Isabela Durão

Educação emocional, equipes de acolhimento, meditação, cursos com psiquiatras: redes pública e privada diversificam ações para lidar com explosão de casos de ansiedade e depressão entre estudantes

Saúde mental também se aprende na escola? A ciência diz que sim — e basta observar os dados para entender o porquê. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, 14% das crianças e jovens entre 10 e 19 anos no mundo têm algum tipo de transtorno mental. No Brasil, pesquisas recentes mostram altos índices de estresse, depressão, autolesões e suicídio na infância e na adolescência— segundo um levantamento do jornal Folha de S.Paulo a partir de dados do SUS (Sistema Único de Saúde), os registros de ansiedade entre pacientes com 10 a 14 anos já superam os de pacientes adultos.

Metade dos transtornos mentais começam antes dos 14 anos e 75%, antes dos 24. Então, a gente tem que chegar cedo”, afirma o psiquiatra e neurocientista Rodrigo Bressan, professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). A prevenção e a intervenção precoce, então, são cruciais, e nisso o papel da escola é chave, pois é lá que as crianças passam uma boa parte do dia, exercitam a convivência com pessoas de fora do núcleo familiar e são acompanhadas por educadores acostumados a lidar com aquela faixa etária diariamente. “Escola não é só para ensinar português e matemática. É para formar cidadãos, e a saúde mental é absolutamente chave na forma como eles exercem seu papel no mundo”, afirma o médico.

Bressan é fundador do Ame sua Mente, instituto que oferece capacitação em saúde mental para educadores da rede pública. Casos mais graves podem exigir intervenção de profissionais de saúde, mas, de acordo com ele, a maioria das situações de rotina — isolamento, bullying, conflitos — podem ser manejadas no próprio ambiente da escola. “O professor é o principal agente de prevenção e de identificação precoce. Ele tem um olhar privilegiado, pois é especialista naquela idade que atende, acompanha longitudinalmente, comparando com pares”, explica. “A ideia é que ele identifique os problemas, se sinta capacitado para lidar com a maioria deles e ajude no encaminhamento quando necessário. Há um efeito enorme só em perguntar ‘Está tudo bem? Você está com algum problema, está preocupado?’ Se a criança está sofrendo bullying, isso quebra o segredo, a sensação de incapacidade de sair da situação”, exemplifica.

Para o psiquiatra, que atua nessa área desde 2006, as escolas estão acordando para o assunto, especialmente depois da pandemia. “Antes, nos convidavam para dar palestras só quando tinha um problema grave: um suicídio ou um caso de violência. A gente entrava pela porta dos fundos. Agora, a gente entra pela porta da frente. Está todo mundo falando nesse assunto porque ficou mais explícita a demanda para lidar com o aumento do estresse, das autolesões, da ansiedade.” Em 2022, o Ame sua Mente listou boas práticas em escolas pelo país. As estratégias vão de comitês de acolhimento para novos alunos a aulas de respiração e meditação; de palestras de especialistas para estudantes, professores e famílias a rodas de conversa em sala de aula sobre emoções e como lidar com elas.

No fim de 2021, o Instituto Ayrton Senna fez uma pesquisa com 642 mil alunos do 5º e 9º ano do ensino fundamental e 3ª ano do ensino médio da rede estadual de São Paulo, que detectou que 70% relataram sintomas de depressão e ansiedade e um em cada três afirmou ter dificuldades para conseguir se concentrar no que é proposto em sala de aula. Outros 18,8% relataram se sentir totalmente esgotados e sob pressão, 18,1% disseram perder totalmente o sono por conta das preocupações e 13,6% afirmaram a perda de confiança em si.

O instituto aposta no desenvolvimento de competências socioemocionais — as chamadas “soft skills”, como determinação, foco, resiliência, tolerância e respeito — para melhorar saúde mental, desempenho escolar e relacionamentos interpessoais. Para isso, elaborou uma proposta chamada Diálogos Socioemocionais, com orientações para que as escolas trabalhem essas competências de forma intencional e consistente. “A escola deve mapear os desafios pelos quais os seus estudantes estão passando e pensar em estratégias de intervir. Criar protocolos de encaminhamento claros para todos, ações de conscientização da comunidade escolar e das famílias, encontros, oficinas, comunicações regulares”, afirma Ana Crispim, gerente de pesquisa no instituto. “A gente enfatiza a importância das ações intersetoriais, de buscar apoio de equipes de saúde, de assistência social.”

Alunos comunicadores e pesquisadores

Em Fortaleza (CE), o programa Gente Adolescente, voltado para estudantes do 5º ao 9º ano, uniu esforços das redes municipais de educação e saúde. “É como se as paredes da escola e do posto de saúde sumissem e a gente se tornasse uma coisa só”, define Patrícia Lima Bezerra, professora de história e uma das profissionais envolvidas na iniciativa.

Desde o começo do ano, ela está ajudando a implementar, na Escola Municipal Waldemar Barroso, onde leciona, um projeto-piloto chamado Adolescentes Comunicadores de Saúde (Adocs), no qual 21 estudantes recebem capacitações em temas escolhidos por eles. Os encontros são semanais e passam por tópicos como alimentação saudável, atividade física, prevenção a violências e cultura da paz. “A ideia é protagonismo juvenil. Eles nos guiam e nós buscamos parcerias com universidades, com instituições no nosso território que atuam nas áreas de saúde, cultura, arte, esportes”, conta. “Eles têm acesso a muita informação, mas nem sempre de qualidade e com comprovação científica.”

Segundo Bezerra, a principal demanda do grupo é, sem dúvida, por assuntos de saúde mental – e , mais do que só entender os sintomas, eles querem aprender estratégias para enfrentar a ansiedade e a depressão e para melhorar a relação com a família. Além de conversas com psicólogos, psiquiatras e terapeutas ocupacionais, as atividades incluíram uma visita a um Caps (Centros de Atenção Psicossocial) Infanto-Juvenil, uma oficina de escrita terapêutica e cursos relacionados ao autocuidado, como escalda-pés e aromaterapia.

A ideia é que esses adolescentes compartilhem o que aprenderam com colegas, amigos e familiares. “Eles já estão acolhendo outros adolescentes em crise e colocando em prática o que aprenderam. É muito bonito”, diz a professora.

O engajamento foi tanto que um grupo de alunas do 8º ano fez uma pesquisa com colegas, com metodologia científica, que mostrou que 91% dos entrevistados já sentiram sintomas de ansiedade e 43%, de depressão. O estudo foi premiado em um congresso da Escola de Saúde Pública de Fortaleza. “Elas elaboraram um questionário, aplicaram com 100 estudantes e fizeram a análise dos dados. Depois, criaram projetos para combater bullying, racismo e homofobia, que estavam entre as razões apontadas para os problemas”, diz.

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Falar abertamente sobre o tema é também uma forma de tornar a escola um ambiente seguro para que estudantes que estejam em sofrimento mental peçam ajuda. “Na semana passada, identifiquei um aluno que não está bem, que está tendo pensamentos negativos, ideação suicida. Conseguimos encaminhamento para ele no posto médico”, conta Bezerra. “Às vezes, a gente percebe quando alguém está dormindo muito na aula, se a convivência não está saudável. E eles se abrem também, contam que terminaram um namoro, que o clima não está legal em casa, que estão tendo taquicardia. ”

“Como você está se sentindo hoje?”

Do outro lado do Brasil, em Londrina (PR), círculos de diálogo foram a estratégia da rede municipal para criar ambientes seguros para compartilhamento de experiências. Quinzenalmente, cada turma se senta em círculo e conversa sobre emoções a partir de perguntas norteadoras — como “O que você faz quando percebe que suas emoções estão todas misturadas?” ou “Você já sentiu sua respiração quando está alegre? Com medo? Triste?” A primeira, que começa todas as conversas, é: “Como você está se sentindo hoje?”

Chamado V.I.D.A. (acrônimo para Valores, Inclusão, Desenvolvimento humano e Afetividade), o programa tem uma metodologia bem definida, com um manual adaptado para cada ano e vídeos com um trio de personagens fantoches — Vidinha, Serena e Kiko. O material pode ser acessado gratuitamente neste link. Segundo a coordenadora do programa, Andrea Militão, houve a preocupação de entregar uma metodologia pronta para ser aplicada em sala, para não sobrecarregar o professor regular da turma, que é quem conduz as rodas de diálogo.

As crianças também levam para casa uma atividade para ser feita com a família a respeito do mesmo tema discutido em sala. “A gente entende que é muito importante elas terem essa conversa com os pais. Para algumas, pode ser que esse seja o único momento de fazer isso: sentar em família, entender o que o outro está sentindo”, afirma Militão.

Ela afirma que os alunos acabam aplicando, sozinhos, o que aprendem ali. “Outro dia, numa escola, os alunos entraram afobados depois do recreio, dizendo: a gente precisa fazer o círculo. Sentaram, conversaram e chegaram a uma resolução para um conflito que tinha acontecido. Esse é nosso objetivo: eles saberem que têm um lugar seguro para conversar e resolver problemas sem bater, xingar, respeitando pontos de vista.”

Em São Paulo, na rede privada, a Camino School oferece tanto um trabalho preventivo, com encontros semanais de educação socioemocional de psicólogos com cada turma, quanto uma intervenção planejada para situações críticas. “Eles aprendem autoconhecimento, a nomear sentimentos, comunicá-los e se relacionar com o outro. Para isso, usamos as mais variadas atividades: diálogos, técnicas de relaxamento, auto-regulação e mindfullness, roda das emoções, caixa de sentimentos”, explica a psicopedagoga Renata Trefiglio, diretora do programa de desenvolvimento integral da escola, chamado WCD. Uma parte do material sobre saúde mental fica disponível para o público neste link.

Protocolo de crise e equipes de ajuda

Já para situações de crise, que envolvem comportamentos de risco, discriminação e ameaças à segurança física e à saúde mental, foi criado um protocolo de ação. “É um passo a passo com orientações acionamento, gerenciamento e pós-crise. Não é para ser rígido, mas para ter rigor no que a gente faz”, diz Trefiglio. O plano de ação é criado caso a caso e pode envolver apoio psicológico individual ou coletivo, além do envolvimento da família. Ela afirma que foi possível perceber, depois da pandemia, o aumento de casos de autolesão e ideação suicida, por exemplo. “O estudante só aprende quando se sente bem e seguro. Eles passam a maior parte do tempo aqui, e a escola precisa funcionar como um fator de proteção para a saúde mental.”

No colégio Rainha da Paz, outra escola particular de São Paulo, o currículo tem aulas de convivência ética, com assembleias nas quais os estudantes podem expor conflitos ou questões que incomodam — “nunca na lógica de moralizar, mas de refletir sobre questões que incomodam, machucam e pensar em estratégias de comprometimento coletivo para uma mudança de atitude”, afirma a diretora, Maria Claudia Poletto. A bronca, afinal, não ensina estratégia. “Precisamos cuidar para não conduzir de um jeito que eles falem o que a gente quer ouvir e ajam de outra maneira. Se você perguntar: Você pode agredir um colega? Nenhuma criança vai falar que sim. Difícil é controlar a vontade e fazer o que é certo. Para isso, eles precisam de ajuda.”

A partir do 6º ano do ensino fundamental, são criadas equipes de ajuda, formadas por estudantes eleitos pelas turmas como colegas confiáveis e que recebem, no contraturno, uma formação mais específica em convivência ética, prevenção de bullying e mediação de conflitos. “Estudos mostram que, quando há bullying, os primeiros que ficam sabendo são os próprios pares. Demora a chegar nos adultos. A ideia é instrumentalizá-los para que eles saibam pedir ajuda para um adulto ou fazer pequenas intervenções quando se sentirem confortáveis”, diz Poletto.

Da equipe gestora aos professores e inspetores, todos os funcionários do colégio passaram por uma capacitação para lidar com questões cotidianas de convivência. “Tentamos evitar que as coisas cresçam. Um pega a borracha do outro sem pedir, o outro fica com raiva e dá uma ombrada, isso vira um empurrão, que vira uma briga. Temos que nos antecipar. Não significa que não haja conflitos, a diferença é que a gente vai cuidando de todos os tamanhos de conflito para evitar que eles fiquem muito grandes, diz a diretora. “A escola não é lugar de terapia, mas estar na escola é terapêutico porque a convivência humaniza.”.

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Este conteúdo é parte de uma série especial sobre saúde mental e as comunidades escolares, produzida com apoio da Fundação José Luiz Egydio Setúbal, instituição que atua em iniciativas sociais dedicadas à melhoria da qualidade de vida na infância, ao conhecimento científico sobre a saúde infantil e à assistência médica infanto-juvenil.