Emoções e redes sociais — Gama Revista
Com ou sem emoção?
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Psycho / Mariana Simonetti

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Reportagem

O que as redes fazem com as suas emoções?

Hoje inevitáveis, a internet e as mídias sociais têm cada vez mais impacto na nossa saúde mental e emocional; mas como lidar com seus efeitos indesejados?

Leonardo Neiva 13 de Novembro de 2022

O que as redes fazem com as suas emoções?

Leonardo Neiva 13 de Novembro de 2022
Psycho / Mariana Simonetti

Hoje inevitáveis, a internet e as mídias sociais têm cada vez mais impacto na nossa saúde mental e emocional; mas como lidar com seus efeitos indesejados?

Em 2021, após críticas do público, da mídia e de profissionais de saúde, o Facebook decidiu paralisar o projeto de um aplicativo voltado para crianças abaixo de 13 anos. Pouco antes, o Wall Street Journal tinha revelado que a empresa sabia do mal que o Instagram, rede social que integra a companhia, causava à saúde emocional de jovens adolescentes. “32% das adolescentes disseram que, quando se sentiam mal em relação a seus corpos, o Instagram as fazia se sentir pior”, revela uma pesquisa interna feita pelo Facebook. “As comparações no Instagram podem mudar a forma como mulheres se enxergam e se descrevem.”

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Nas últimas eleições presidenciais no Brasil, a ansiedade tomou conta das redes ao longo de meses antes da definição do resultado final. Mesmo após o pleito, num período marcado por protestos bolsonaristas, as redes ajudaram a disseminar sentimentos como medo e raiva, que nem a profusão de memes conseguiu atenuar.

Casos como esses existem aos montes e revelam o impacto emocional que a internet e as redes sociais podem ter sobre a gente. De acordo com o pesquisador e professor de psicologia da PUC-RS, Wagner de Lara Machado, naturalmente as mídias sociais já colaboram para desregular nossas emoções. “Estudos mostram que, desde criança ou adolescente, se notam efeitos negativos. Se você passa de três horas diárias de uso, já tem uma relação de dependência, o que é um gatilho para ansiedade”, explica.

As comparações no Instagram podem mudar a forma como mulheres se enxergam e se descrevem

Quando se acrescenta a esse impacto uma atmosfera de disputa e polarização como a que dominou o país, o efeito na saúde mental é ainda maior, potencializado pela natureza das campanhas políticas. “Nas campanhas, você viu engajamento a partir do medo. O que vai acontecer se o outro candidato ganhar? Esse discurso mira ativar emoções negativas”, aponta o psicólogo.

O brasileiro está em terceiro no ranking dos povos que mais usam as redes sociais no mundo. Quando uma pessoa consome por horas a fio esse tipo de conteúdo, cria-se um circuito cerebral que não só alimenta o medo como nos mantém engajados com emoções negativas, causando estresse e processos inflamatórios no corpo, diz Lara.

O efeito das redes pode ser uma faca de dois gumes, segundo o professor Lucio Lage, pesquisador do Laboratório Delete, do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, que estuda o uso consciente da tecnologia. Se, por um lado, melhora nossa autoestima estar cercado de amigos que comentam e aplaudem tudo que dizemos, também podemos nos sentir frustrados ao comparar nossas vidas às deles. “Vemos diariamente pessoas indo a restaurantes e viajando a hotéis cinco estrelas. Quando não temos condições de fazer o mesmo, fica um sentimento ruim.”

A internet também criou uma necessidade conhecida como FOMO (sigla em inglês para o medo de ficar de fora ou desatualizado do que acontece). Essa ansiedade constante, diz Lara, libera dopamina, neurotransmissor ligado ao prazer, mas que também pode gerar dependência. “Quando sai desse ambiente, seus níveis baixam e retorna aquela ansiedade, que só se alivia quando ativamos novamente essa substância.”

Homem primata

A psicóloga Adriana Drulla, mestre em psicologia positiva pela Universidade da Pensilvânia, lembra que os algoritmos das redes nos isolam em paraísos habitados apenas por opiniões semelhantes. A partir disso, “a gente começa a desenvolver uma falta de tolerância ao contraditório”. Nesses oásis em que todo mundo pensa mais ou menos igual, acreditamos estar seguros para expor sem filtros o que sentimos, mas que dificilmente externaríamos em público, afirma Drulla. “As redes favorecem uma comunicação muito reativa, pouco pensada, porque não é clara a sensação de quem está do outro lado. Então acreditamos que nosso ponto de vista é o único certo.”

Segundo a especialista, o cérebro humano leva centenas de milhares de anos para sofrer alguma mudança significativa. Portanto, o órgão hoje não é muito diferente daquele de antepassados longínquos. Até por isso, nossos mecanismos de autoproteção permanecem praticamente inalterados. “Quando percebemos uma ameaça, nosso campo de visão fica estreito e a capacidade de ver a situação por outras perspectivas diminui.” O problema é que esse mesmo sistema não diferencia ameaças reais das criadas por nossa imaginação.

As redes favorecem uma comunicação muito reativa, pouco pensada

Estudos já mostram que postagens raivosas em redes sociais tendem a atrair a atenção e receber mais compartilhamentos do que posts alegres ou positivos. Para a psicóloga, isso tem tudo a ver com a questão evolutiva. “Mexe com nosso sistema de proteção contra ameaças. Nos tornamos obcecados com aquilo que nos assombra”, revela. Até as tais bolhas ideológicas nas mídias sociais podem remeter ao comportamento humano de se organizar em tribos. “Perceber que outros pensam como nós aumenta nossa sensação de pertencimento, o que nos dá segurança”, aponta Drulla. E a raiva e o medo de ver outro grupo como inimigo, segundo a especialista, até ajudam a unir quem faz parte daquela tribo.

Nem mesmo a necessidade de ser seguido por milhares de pessoas é um fenômeno tão recente quanto parece. De acordo com a psicóloga, ele tem a ver com a demanda evolutiva por proteção. “Se eu ficar doente, preciso garantir que alguém está disposto a me carregar nas costas. Há mais chances de isso acontecer quando as pessoas gostam de mim”, declara. E o contrário também é verdade. Por isso, apesar dos milhares ou milhões de seguidores que um influenciador pode ter, se mesmo um pequeno grupo o cancela, isso toma proporções dolorosas. “Queremos criar uma imagem nossa que as pessoas vão aplaudir. Quando percebo que minha vida não é nada daquilo, isso afeta minha autoestima.”

A voz do coração

Mas não foram só influencers e políticos que entenderam o impacto dos discursos emocionais e inflamados para mover multidões, de acordo com Machado. Marcas e veículos de notícias já usam estratégias semelhantes no ambiente online. O problema, diz o pesquisador, é que nosso cérebro opera com uma quantidade limitada de energia. “Se coloco energia demais no processamento das emoções, perco pelo lado racional e analítico.” Daí expressões como “ficar cego de raiva” ou até as penas que acabam sendo reduzidas para crimes passionais.

Se coloco energia demais no processamento das emoções, perco pelo lado racional e analítico

Além disso, segundo o psicólogo, nosso cérebro não foi feito para processar a enorme quantidade de informações e notícias com que a internet nos bombardeia todos os dias. Essa sobrecarga também facilita um engajamento por meio das emoções, ele diz. E buscar informações que confirmem o que já pensamos reduz o trabalho do cérebro, que elevaria o gasto energético ao lidar com o contraditório. Devido a esse mecanismo que turbina reações emocionais e reativas, Machado não recomenda o diálogo quando as coisas ainda estão quentes, como na recente disputa política. “É temerária uma reaproximação entre os dois lados. As pessoas estão irritadas.”

Com todo esse contexto, mesmo a produção de memes, tradicionalmente uma forma de tornar situações mais divertidas, pode servir para ridicularizar e desumanizar o adversário, esquentando ainda mais os ânimos, afirma o pesquisador. Um exemplo foi a viralização de imagens de um manifestante bolsonarista agarrado à frente de um caminhão. “Esse discurso não é criado ao acaso, ele gera uma distância social maior do adversário. Aí coisas como diálogo e empatia vão para o espaço.”

Telas e filtros

No online, até emoções como a tristeza passam por um filtro estético, e uma ocasião grave, a exemplo de uma internação hospitalar, costuma receber um tratamento mais bonitinho, de acordo com a pedagoga Isabella Ianelli. “A pessoa faz aquele post tradicional do bracinho tomando soro”, brinca. Especialista em equilíbrio emocional e cocriadora do Curso das Emoções, que ensina a lidar com os próprios sentimentos, Ianelli enxerga nosso perfil nas redes como um palco pessoal, onde o usuário pode apresentar a peça que quiser.

Segundo a especialista, no digital se perde uma certa honestidade presente nas interações presenciais, quando há menos filtros para ocultar os problemas que a pessoa tem na vida. E, na lógica de polarização que vivemos, em geral há dois caminhos extremos e opostos para lidar com as emoções à flor da pele na internet, diz. Exprimi-las como se não houvesse amanhã ou simplesmente suprimi-las.

“Tem a pessoa que vai responder com raiva qualquer post com que não concorda, deixando o medo falar mais alto. E existe também a que fica quieta e finge que não é com ela”, exemplifica. Para a pedagoga, ambas as opções são problemáticas. Se, na primeira, há um alto risco de arrependimento, a questão da segunda é que as emoções não somem quando fazemos de conta que não estão ali. “A longo prazo, vai se criando uma panela de pressão interna”, afirma Ianelli. “Então não adianta explodir, porque vai começar uma briga, e nem suprimir, pois sem diálogo não se chega a lugar nenhum.”

Perceber que outros pensam como nós aumenta nossa sensação de pertencimento, o que nos dá segurança

Essa supressão de emoções, diz Ianelli, é inclusive um caminho que leva à positividade tóxica, em que se busca evitar ao máximo emoções como tristeza, raiva ou medo. “O indivíduo tenta manter uma persona que não tem nenhum desses sentimentos, o que a gente sabe ser impossível.” Para ela, uma opção mais efetiva é não nos agarrarmos a emoções que nos fazem mal. Em vez disso, devemos fluir, como fazem as crianças. “Se uma hora ela está brava com você, no minuto seguinte já fica animada para brincar.”

As crianças e adolescentes, porém, são também o grupo mais vulnerável quando o assunto é internet, aponta Lucio Lage, do Delete. Nessa faixa etária, áreas do cérebro que comandam sentimentos como o medo não estão totalmente formadas, explica. Além disso, segundo ele, cada vez mais pais estariam incentivando a exposição dos filhos na internet, mesmo que estes não estejam prontos para entender o que faz mal à sua saúde mental. “Precisa saber dosar. Tem que ter hora certa, uma quantidade de tempo determinada e também incentivar outros tipos de interações para a criança”, declara.

A receita do bolo

Imersos em conteúdos que disseminam medo e raiva, o potencial para estarmos sempre estressado sobe a níveis alarmantes. Então selecionar aquilo que vemos, como vídeos de gatinhos brincalhões e bebês fofos, é uma habilidade importante, aponta a psicóloga Adriana Drulla. O problema, ela diz, é que nas redes nossa autonomia de escolha é restrita. “O poder de navegar de forma consciente só existe na hora em que você seleciona um conteúdo. Quando começa a dar scroll na página, quem passa a te servir é o algoritmo.” E o algoritmo tende a nos abduzir de forma muitas vezes imperceptível, afirma.

Citando um pensamento do neurocientista americano Richard Davidson, Ianelli reforça que o bem-estar é uma habilidade que precisa ser exercida diariamente, de forma tão natural quanto escovar os dentes. “Ninguém nasce paciente. A pessoa pode até ter uma facilidade maior, mas essa paciência foi sendo treinada ao longo do tempo.” A prática, aponta, pode ser reforçada com atividades diárias como meditação, exercícios físicos regulares e até um hábito simples como desligar o celular uma hora antes de dormir.

Para o professor de psicologia Wagner Machado, não existe receita do bolo, e sim uma necessidade constante de disciplina. Isso sem recorrer a medidas exageradas, como apagar todos os perfis das redes ou evitar tudo que nos cause sofrimento. “Não devemos nos isolar. É importante saber o que está acontecendo, dentro de uma limitação.” Definir horários livres de internet ao longo do dia pode ser uma estratégia eficaz, ele diz. Outra é investir com mais frequência em interações presenciais. “Quando você dialoga frente a frente com alguém, costuma escutar o argumento da pessoa e ter contra-argumentos. Isso ajuda a romper o circuito de engajamento das mídias sociais.”