A história da vacina no Brasil: do do êxito à queda — Gama Revista
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Isabela Durão

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Reportagem

O histórico da vacinação no Brasil: do êxito à queda

Gama refaz o passo a passo da história da vacina no país, que já foi exemplo mundial de imunizações, e nos últimos anos chegou a uma taxa de cobertura vacinal muito abaixo do ideal

Ana Elisa Faria 22 de Outubro de 2023

O histórico da vacinação no Brasil: do êxito à queda

Ana Elisa Faria 22 de Outubro de 2023
Isabela Durão

Gama refaz o passo a passo da história da vacina no país, que já foi exemplo mundial de imunizações, e nos últimos anos chegou a uma taxa de cobertura vacinal muito abaixo do ideal

Outrora símbolo de orgulho nacional e referência no mundo, a vacinação no Brasil vem enfrentando, desde o fim de 2015, um declínio nas taxas de cobertura vacinal, que, ano a ano, têm ficado bastante aquém do ideal — com exceção do rotavírus, cujo patamar indicado é de 90%, a imunização geral deve atingir 95% dos cidadãos. Os números, no entanto, estão em queda, com pequenas oscilações para cima: o fato é que, de 2016 em diante, o país não chegou aos 60%, uma porcentagem preocupante, a pior em 20 anos.

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O Programa Nacional de Imunizações (PNI), que completou meio século em 2023, foi o responsável por erradicar e controlar uma série de doenças endêmicas, além de elevar a expectativa de vida dos brasileiros. Agora, entretanto, com o cenário atual, enfermidades como a poliomielite, o sarampo, a caxumba e a rubéola correm o risco de retornar.

Mas como conseguimos sair de um exemplo global para uma situação grave e urgente que preocupa organizações internacionais voltadas à saúde?

Para compreender melhor o momento atual, nesta reportagem, Gama volta ao passado para relembrar a história das vacinas por aqui, da chegada no século 19, passando pela Revolta da Vacina, pelo legado do médico sanitarista Oswaldo Cruz à criação do PNI até a ascensão e a queda da imunidade da população brasileira.

As origens da vacina

Vamos começar do começo explicando o que é a vacina. Considerada um dos maiores avanços da ciência, a vacina é uma substância desenvolvida a partir de uma preparação biológica que estimula o sistema imunológico a criar defesas contra alguns microrganismos (vírus e bactérias).

As origens da vacinação remontam ao final do século 18 — quando a varíola, doença infecciosa altamente contagiosa, ameaçava humanidade —, com a descoberta do imunizante contra a varíola em 1796 pelo naturalista e médico franco-inglês Edward Jenner.

Curiosidade: as palavras vacina e vacinação vêm de variolae vaccinae, termo usado por Jenner para descrever a varíola.

As primeiras vacinas chegaram em solo brasileiro um pouco depois, no início do século 19, quando o marquês de Barbacena trouxe a vacina com a técnica criada por Edward Jenner de Portugal para o Brasil no ano de 1804, colocando o imunizante em uso primeiro na Bahia.

Para as crianças, a vacina da varíola passou a ser obrigatória em 1837, enquanto para os adultos a obrigatoriedade é datada de 1846. Entretanto, a lei só começou a ser cumprida, de fato, em 1904, por influência de Oswaldo Cruz, médico sanitarista e pioneiro da infectologia, que comandou grandes campanhas que tinham o objetivo a erradicação da varíola, da febre amarela e da peste bubônica do país.

Mas a notícia de que a vacinação seria obrigatória para todas as pessoas não foi bem recebida pela população, o que deu origem à Revolta da Vacina, no Rio de Janeiro, onde ficava a capital federal naquele tempo, período descrito pelo historiador Nicolau Sevcenko no livro “A Revolta da Vacina” (Editora Unesp, 2018) como o “último motim urbano clássico do Rio de Janeiro”.

Como resultado desse violento levante popular, em menos de duas semanas, cerca de 30 pessoas morreram, 110 ficaram feridas e, aproximadamente, 945 foram presas. Embora tenha saído “vitorioso”, o presidente Francisco de Paula Rodrigues Alves foi compelido a ceder e anunciou o fim da vacinação obrigatória — hoje em dia, não há obrigatoriedade também, ou seja, ninguém pode obrigar o cidadão a se vacinar, mas o governo impõe uma série de restrições a direitos civis para aqueles que não vierem a cumprir o calendário vacinal do Sistema Único de Saúde (SUS).

De acordo com a Fundação Oswaldo Cruz, a Fiocruz, em 1906, o número de mortes por varíola no Rio havia caído para apenas nove — dois anos antes, na época da insurreição, 3.500 pessoas morreram na capital vitimadas pela doença. Porém, a situação mudou radicalmente após quatro anos, em 1908, quando o Rio foi atingido por um agressivo surto de varíola, com o número de óbitos elevado para mais de 6.500. Assim, o pavor de contrair a doença foi maior do que o receio contra a vacina.

Curiosidade: no Brasil, assim como no mundo, a varíola foi completamente eliminada há mais de 40 anos, mérito da vacina, mérito das campanhas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a varíola “é a primeira e única doença humana erradicada em uma escala global, graças à cooperação de países. Esse continua sendo um dos mais notáveis e profundos sucessos de saúde pública da história, já declarou a agência.

O PNI

Outro notável sucesso dentro do tema das vacinas é o Programa Nacional de Imunizações (PNI), criado pelo Ministério da Saúde em 1973 e que, há anos, é considerado referência mundial. Até então, a vacinação era descentralizada, promovida separadamente por estados e municípios, o que refletia nas baixas coberturas vacinais.

A partir das ações de imunizações coordenadas, o Brasil então começou a atingir taxas vacinais recordes. Conforme o site do PNI enuncia, o objetivo principal do programa é oferecer todas as vacinas com qualidade a todas as crianças que nascem anualmente no país, “tentando alcançar coberturas vacinais de 100% de forma homogênea em todos os municípios e em todos os bairros”.

Um dos maiores programas de vacinação do mundo, o PNI é responsável pela distribuição de vacinas para toda a população por meio do SUS — são 18 vacinas disponíveis para a proteção contra doenças como poliomielite, sarampo, rubéola e caxumba. O Instituto Butantan é o maior fornecedor de vacinas ao PNI, fornecendo 65% de todos os imunizantes disponibilizados ao SUS.

O declínio da vacina, a Covid-19 e possíveis soluções

A pandemia teve papel central na diminuição da cobertura vacinal por conta do isolamento social, mas não só ela é a culpada pela queda dos números, que acontece há cerca de oito anos.

Como a pessoa não conviveu com doenças como sarampo, poliomielite, meningite, difteria e coqueluche, por exemplo, ela começa a achar que elas não existem [porque sumiram justamente pela eficácia das vacinas] e negligencia a vacinação dos filhos

Ironicamente, essa baixa está relacionada ao êxito das iniciativas de imunização do país. Toda uma geração não teve de lidar com surtos de enfermidades que a maioria das vacinas do PNI previne. Por isso, muitos pais, mães e responsáveis deixam de vacinar as crianças. Nanci Silva, infectologista e consultora da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), descreve a situação: “a vacina sofre com o seu próprio sucesso”.

Carla Domingues, epidemiologista que coordenou o PNI de 2011 a 2019, concorda: “Como a pessoa não conviveu com doenças como sarampo, poliomielite, meningite, difteria e coqueluche, por exemplo, ela começa a achar que elas não existem [porque sumiram justamente pela eficácia das vacinas] e negligencia a vacinação dos filhos”, diz.

Outro fator para essa baixa, destaca Domingues, é a falta de tempo dos adultos, que não conseguem estar no posto de saúde antes ou depois do trabalho. Por isso, uma saída seria a ampliação do horário de funcionamento desses locais, ou campanhas ali aos fins de semana. Ela também comenta sobre a parcela pobre e desempregada da população, sem condições para arcar com os custos das passagens do transporte para ir e voltar dos postos. Nesse caso, uma busca ativa para colocar a caderneta de vacinação em dia seria a solução.

O aumento dos movimentos antivacina que, apesar de pequenos no Brasil, mobilizam minorias vocais que divulgam teorias conspiratórias sobre os riscos infundados na imunização de crianças também prejudicam o êxito das campanhas. São movimentos que também se intensificaram na pandemia, assim como as notícias falsas sobre o tema.

Segundo o relatório “Situação Mundial da Infância 2023: para cada criança, vacinação”, do UNICEF, as coberturas vacinais diminuíram em 112 países, incluindo o Brasil, entre 2019 e 2021. O estudo aponta que 1,6 milhão de crianças brasileiras não receberam, nesse período, nenhuma dose da vacina DTP, que previne contra difteria, tétano e coqueluche — a quantidade é a mesma em relação à vacina contra a pólio.

De uma maneira muito clara, temos de combater o negacionismo em relação a essa proteção dada pelas vacinas e às fake news que infelizmente têm sido veiculadas de uma forma irresponsável e criminosa

“Atualmente, o Brasil conta com uma cobertura vacinal das mais baixas da sua história desde a criação do Programa Nacional de Imunizações. Já tivemos 95% de cobertura em relação a vacinas como a da poliomielite, e agora não chegamos a 60% de crianças vacinadas. Esse quadro tem que mudar. Para isso, de uma maneira muito clara, temos de combater o negacionismo em relação a essa proteção dada pelas vacinas e às fake news que infelizmente têm sido veiculadas de uma forma irresponsável e criminosa”, afirmou a ministra da Saúde, Nísia Trindade, no evento de lançamento do documento.

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Este conteúdo é parte de uma série especial sobre a vacina no Brasil, produzida com apoio da Fundação José Luiz Egydio Setúbal, instituição que atua em iniciativas sociais dedicadas à melhoria da qualidade de vida na infância, ao conhecimento científico sobre a saúde infantil e à assistência médica infanto-juvenil.