Alê Youssef: 'Studio SP reabre como local de resistência cultural contra a especulação imobiliária' — Gama Revista
Arte é ocupar - Studio SP
Francio de Holanda-Studio SP 1

Alê Youssef: ‘Studio SP reabre como local de resistência cultural contra a especulação imobiliária’

Nove anos depois, gestor cultural reabre casa de shows no Baixo Augusta para reaquecer a cultura noturna da região central de São Paulo

04 de Março de 2022

Quase nove anos atrás, em abril de 2013, a casa de shows Studio SP fechava de vez as portas na rua Augusta. Ao longo dos seus oito anos de existência, o local, onde se apresentaram artistas como Criolo, Céu, Daniel Ganjaman, Tulipa Ruiz e Bonde do Rolê, entre vários outros, foi considerado um dos principais responsáveis pelo processo de valorização da região do Baixo Augusta.

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Neste mês de março, no entanto, chega para os órfãos da agitação cultural promovida na região uma notícia encorajadora. O gestor cultural Alê Youssef, que há algum tempo vinha retomando os trabalhos dentro do projeto — do qual foi um dos fundadores, ao lado dos empresários Guga Stroeter e Maurizio Longobardi, que morreu em 2020 –, acaba de reabrir o Studio SP.

Ao longo de março, a casa vai servir de palco para nomes já bem conhecidos do público frequentador e também vários artistas que vêm surgindo no cenário musical brasileiro ao longo dos últimos anos. Entre os principais nomes, estão Tom Zé, Mariana Aydar, Art Popular, o quarteto Bala Desejo, Tulipa Ruiz e Curumin.

O Baixo Augusta vem sofrendo ao longo da pandemia com as restrições e o distanciamento, o que levou restaurantes, bares, casas de show, baladas e espaços culturais da região a fechar as portas. A covid-19, recentemente com o avanço da ômicron, também impediu por dois anos consecutivos o desfile de um dos principais blocos carnavalescos de São Paulo, o Acadêmicos do Baixo Augusta e fez com que Youssef adiasse a reabertura da casa em 2022, inicialmente programada para janeiro depois de 45 dias de atividades entre novembro e dezembro de 2021. A volta do Studio SP traz consigo uma proposta de reaquecer a vida noturna cultural e boêmia no local e de homenagear o centenário da Semana de Arte Moderna de 1922.

O projeto reabre em parceria com a Heineken e a plataforma”Green Your City”, que busca promover a manutenção de espaços sociais urbanos como ambientes de convívio, difusão de vozes diversas e reflexões a respeito do futuro das cidades de forma mais sustentável. Também participam como sócios do projeto o empresário e presidente do bloco Acadêmicos do Baixo Augusta, Alê Natacci, e Ronaldo Lemos, advogado especialista em tecnologia e apresentador do programa “Expresso Futuro” (Futura e Globoplay) e ex-curador do Tim Festival. A reabertura da casa será temporária, até dezembro de 2022.

Um dos motivos para o encerramento do Studio SP lá atrás, a agressiva especulação imobiliária que acontecia na região na época continua sendo um dos focos de combate dentro do projeto, tendo como principal arma o incentivo à cultura. “Tenho esperança de que a presença do Studio SP na região possa funcionar como um indutor de novos negócios relacionados à cultura da noite, mantendo viva a tradição da rua Augusta como espaço de convívio, experimentação e criatividade”, afirma Youssef.

Alê Youssef, gestor cultural e sócio da casa noturna  Francio de Holanda-Studio SP

A seguir, Gama bate um papo com o gestor cultural e ex-secretário de Cultura da cidade sobre a retomada da agitação noturna em São Paulo e as perspectivas para o futuro cultural da metrópole. Ao final da entrevista, incluímos ainda uma playlist que é a cara do Studio SP.

A Augusta é um ponto de encontro social e cultural desde os anos 1950, e é incrível notar como isso se renova ao longo das décadas

  • G |Como nasceu a ideia de fundar o Studio SP em 2005? Qual era o cenário cultural em São Paulo naquela época?

    Alê Youssef |

    Depois de quatro anos de trabalho à frente da Coordenadoria da Juventude da Prefeitura de São Paulo, entre 2001 e 2004, percebi que alguma coisa muito especial do ponto de vista cultural estava acontecendo na cidade. Naquela época, a cidade fervia com festivais como o Agosto Negro, que foi o maior festival de hip hop da América Latina, e com a Semana Jovem, que era produzida em parceria com diversos expoentes públicos e privados da cultura jovem, como rádios, TVs, editoras, clubes noturnos, casas de shows… O projeto gerava mais de 500 eventos espalhados pela cidade, com o objetivo de agitar São Paulo e dar viabilidade às novas cenas urbanas. O Studio SP nasceu nesse contexto e da parceria com meus amigos e sócios Maurizio Longobardi e Guga Stroeter. A ideia original que levei a eles era de uma espécie de centro cultural onde fosse possível fomentar artistas por meio de residências. Em menos de um mês ajeitamos tudo e, de forma bastante improvisada, nasceu o Studio SP na Vila Madalena, no segundo semestre de 2005. Os primeiros meses de funcionamento da casa foram a prova de que estávamos vivendo o tal momento especial na cidade.

  • G |A casa funcionou por anos como uma plataforma de lançamento de artistas da nova música brasileira e até internacional. Quais foram para você alguns dos encontros e shows mais emblemáticos daquela primeira fase?

    AY |

    Foram muitos, não é justo citar apenas um ou outro. Mas a credibilidade dos artistas, músicos e produtores que se envolveram com o Studio em meio à cena emergente da nossa música posicionou a casa como um ponto de encontro de novos artistas, promotores, jornalistas e aficionados por música. Com as parcerias, surgiu a noção de uma cena se formando, com noites muito fortes tanto do ponto de vista artístico como comportamental, que ajudaram a moldar as características da nova geração musical da cidade.

  • G |Você imagina o Studio SP fora do centro de São Paulo? Qual a ligação com essa região da cidade?

    AY |

    Dois anos e meio depois da abertura na Vila Madalena, meu sócio, Maurizio, veio com a ideia de transferir o Studio SP para um galpão na rua Augusta, em busca de melhores condições técnicas para os shows e mais conforto para a plateia. Não se tratava só de uma mudança de endereço de uma casa, mas da transferência do ponto de encontro de uma cena muito vibrante e promissora da música brasileira para a rua que se mostrava mais vibrante e promissora da cidade. A Augusta tem um caráter boêmio e de ponto de encontro social e cultural pelo menos desde os anos 1950, e é incrível notar como isso se renova ao longo das décadas.

  • G |Em 2013, quando o Studio SP fechou as portas, você mencionou a especulação imobiliária na região do Baixo Augusta. Agora, oito anos depois, como está o cenário? Como é possível resistir a esse processo de gentrificação?

    AY |

    O Studio SP reabre como local de resistência cultural contra a especulação imobiliária e em favor dessa região tradicionalmente boêmia e cultural da cidade, o Baixo Augusta. Tenho esperança de que a presença do Studio SP na região possa funcionar como um indutor de novos negócios relacionados à cultura da noite, mantendo viva a tradição da rua Augusta como espaço de convívio, experimentação e criatividade. Após a reabertura do Studio, já notei a retirada de algumas placas de “aluga-se” que antes estavam penduradas em imóveis da região.

  • G |Qual a importância dessa parceria com a Heineken e outras marcas, como apoiadoras não só financeira, mas também culturalmente, nessa fase de retomada da vida cultural?

    AY |

    São muito importantes os constantes investimentos públicos e privados na economia criativa da cidade e do país. A cultura foi o primeiro setor a entrar em crise e será o último a retomar com toda sua potencialidade após a pandemia. É importante que os produtores, artistas e o público também se envolvam no processo de retomada para que essa roda volte a girar, gerando emprego, renda e exercendo o papel social fundamental da cultura em sua plenitude.

A cultura pode ser uma saída justa, próspera, sustentável e democrática para a crise que vivemos. É um setor que gera muito emprego e renda

Studio SP

 Francio de Holanda-Studio SP

  • G |Como uma casa de shows como o Studio SP pode contribuir com reflexões a respeito do futuro da cidade?

    AY |

    A melhor forma de as pessoas envolvidas na cultura – casas, produtores, artistas, etc. – reconstruírem alternativas para buscar novos horizontes é se entenderem como um setor, sem divisões internas e brigas mesquinhas. Lutar em conjunto, em unidade, para fazer com que exista a compreensão de que a cultura está no eixo central do desenvolvimento econômico e social das cidades e do país. A cultura pode ser uma saída justa, próspera, sustentável e democrática para a crise que vivemos. É um setor que gera muito emprego e renda. É necessário fazer com que a elaboração dos processos políticos e planos de governo de candidatos preveja isto, que a cultura deve ser protagonista. As casas noturnas e espaços culturais também têm que ser protagonistas nesse processo de inclusão e desenvolvimento econômico que a cultura pode gerar.

  • G |A reabertura da casa foi saudada com nostalgia por quem viveu aquela fase de reocupação e efervescência do Baixo Augusta. Mas o contexto, cultural e politicamente, é bem diferente. Como manter esse caráter de radar de novidades em época de streaming e do consumo rápido das redes, em que a cada hora há um novo lançamento? E como atender a esse público saudosista, e ainda atrair os mais jovens, que não viveram a primeira fase?

    AY |

    Respondendo às duas perguntas: eu sei que não é a casa que faz uma cena, mas a cena que escolhe uma casa. Sinto muita gratidão pelo Studio ter sido escolhido no passado e agora novamente. O carinho e a relação com os artistas, com a cena e com o público têm sido maravilhosos, sempre foram. E é nisso que pensamos quando trabalhamos nas questões de curadoria, programação, produção, comunicação e operação da casa.

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