"Medimos a inteligência animal como se os humanos estivessem sempre no topo" — Gama Revista
Wikimedia Commons/Frans de Waal

“Medimos a inteligência animal como se os humanos estivessem sempre no topo”

Em entrevista, o renomado primatólogo e escritor Frans de Waal explora o pouco caso que ainda fazemos da inteligência e emoções dos animais

Leonardo Neiva 10 de Março de 2022

Certo dia, a chimpanzé fêmea Franje, habitante do zoológico Burgers, na Holanda, começou a juntar a palha que recobria sua jaula para criar um ninho. O que despertou a curiosidade do primatologista e etólogo Frans de Waal, no entanto, foi o fato de que o clima estava ameno. Portanto, a primata só podia estar se precavendo para evitar passar o mesmo frio que a fizera tremer ao lado do seu filho na noite anterior. “Em vez de reagir ao frio, ela estava se preparando para uma temperatura que na verdade não podia estar sentindo”, narra de Waal no primeiro parágrafo do livro “Somos Inteligentes o Bastante para Saber Quão Inteligentes São os Animais?” (Companhia das Letras, 2022), lançado no Brasil em janeiro.

Livro “Somos inteligentes o bastante para saber quão inteligentes são os animais?”  Divulgação

MAIS SOBRE O ASSUNTO
A ciência da fofura
“Os humanos modernos são, em muitos aspectos, mais parecidos com formigas do que com chimpanzés”
Adote um pet

Partindo dessa pequena anedota que observou de perto, o estudioso, que também é professor no Departamento de Psicologia da Universidade Emory e diretor do Living Links no Centro Nacional Yerkes de Pesquisa sobre Primatas, em Atlanta, parte em uma verdadeira jornada. O objetivo é não apenas explorar as inúmeras demonstrações de inteligência apresentadas pelas mais variadas espécies de animais no mundo todo, mas também colocar em xeque nossa capacidade de entender essa inteligência completamente.

“Medimos a inteligência animal numa escala em que humanos estão sempre no topo”, afirma o primatologista e escritor, autor de 16 livros, entre eles “Eu Primata” e “A Era da Empatia” (Companhia das Letras), em que explora as diversas facetas de macacos e outras espécies animais, assim como sua relação com os seres humanos.

Uma das nossas maiores dificuldades, segundo ele, é que partimos da nossa inteligência para entender seres que funcionam de forma muito diferente de nós. “Polvos e alguns moluscos podem mudar de cor e se camuflar, que também é uma coisa bastante complexa, mas não catalogamos isso como um sinal de inteligência, e sim como outra coisa, porque não se relaciona com o nosso tipo de inteligência.”

Também para entender o que rege e como se manifestam as emoções dos animais, em “O Último Abraço da Matriarca” (Companhia das Letras), publicado no Brasil em 2021, de Waal trouxe como maior exemplo um caso conhecido e tocante. Trata-se do derradeiro abraço dado em 2016 pela chimpanzé Mama, então com 59 anos e gravemente doente, no biólogo Jan van Hooff, que a conhecia havia mais de 40 anos. No vídeo, em que van Hooff surge em uma visita inesperada, Mama demora um pouco para reconhecer sua presença. No entanto, quando finalmente o vê, abre um enorme sorriso desdentado e ergue a mão para acariciar seus cabelos, gesto que fez o vídeo viralizar e rodar o mundo. Mama, com quem de Waal também vinha trabalhando havia décadas, morreria uma semana depois da gravação.

“Muitos não faziam ideia que animais podiam ter expressões e gestos tão parecidos com os humanos”, afirma o primatólogo. E isso mesmo com o conhecimento já muito bem estabelecido de que chimpanzés são nossos parentes mais próximos. “As pessoas não entenderam o que isso significa, que não só suas mãos, pés e rostos são muito semelhantes aos nossos, mas também suas emoções e seu comportamento são parecidos.”

Em conversa com Gama, de Waal também fala sobre sua relação com os primatas que estuda há mais de cinco décadas, o projeto de lançar um novo livro sobre sexo e gênero no mundo animal e o senso de justiça e código moral que os bichos, especialmente os mamíferos, compartilham com os seres humanos, para o bem ou para o mal.

Frans de Waal  Divulgação

  • G |Você tem estudado primatas há 50 anos. Como suas perspectivas e sua relação com eles evoluiu ao longo desse tempo?

    Frans de Waal |

    Eu sempre estive perto dos primatas com que trabalho, então os conheço individualmente. E eles me conhecem e me reconhecem, é claro. Sempre me senti próximo deles. Quando comecei a trabalhar com chimpanzés, não sabia que eram tão inteligentes. As pessoas falavam do quão inteligentes eles eram, e eu imaginava que seria algo parecido com um cachorro especialmente esperto. Na verdade, estão numa categoria bem diferente. Então ganhei muito respeito por eles e também por outros animais. Gosto bastante de peixes, tenho muitos em casa. Conheço pessoas que estudam peixes e, ainda que poucos se impressionem com eles, são animais bastante complexos. Há uma enorme variedade e eles se comportam também de forma muito variada. A principal mudança na minha atitude em relação aos primatas e a outras espécies é que todos são muito mais complexos do que se acredita. Por isso coloquei no título do meu livro essa pergunta. É sempre um desafio para nós tentar compreender os animais.

  • G |É mais difícil testar e acompanhar a inteligência de outras espécies, como os peixes que você mencionou?

    FW |

    Estou envolvido em pesquisas sobre elefantes. E tenho um aluno, Joshua Plotnik que trabalha com eles. São realmente um desafio, porque têm um cérebro imenso, três vezes o tamanho do nosso. Temos problemas para entendê-los porque eles têm um olfato 100 vezes melhor que o de um cachorro, que por sua vez é 100 vezes melhor que o nosso. Então dá para imaginar que o elefante sente cheiros que nem sequer imaginamos. E, se você está lidando com um animal com uma anatomia e sentidos tão diferentes dos nossos, é quase impossível compreendê-lo totalmente. Requer uma quantidade absurda de trabalho. Num estudo que Josh está conduzindo, ele dá ao animal dois baldes com sementes de girassol dentro para cheirar. Um deles tem 100 sementes, e o outro, 120. O elefante consegue perceber a diferença entre eles, quantificar com o olfato as sementes que estão em cada balde, o que é impressionante. Em meu livro, também conto a história de como os elefantes foram testados para o uso de ferramentas. No começo, pesquisadores colocavam comida do lado de fora da jaula e entregavam varetas de madeira para eles. Como os elefantes nada faziam, concluiu-se que não sabiam usar ferramentas, porque qualquer primata usaria a vareta para alcançar a comida. Mas aí testaram os elefantes de forma diferente. Desta vez, a comida estava num lugar bem alto, onde não alcançavam. Eles recebiam caixas. Então eles buscavam essas caixas muito longe, colocavam-nas debaixo da comida, subiam e chegavam até ela. Ou seja, os elefantes são perfeitamente capazes de usar ferramentas, eles só não pegam varetas porque tampariam suas trombas e eles não seriam capazes de farejar tão bem. Para entender um elefante, é preciso saber que a tromba não funciona como um braço ou uma mão, é muito mais que isso. É necessário pensar como um elefante, um verdadeiro desafio para os seres humanos.

  • G |Hoje qual é o foco da sua pesquisa?

    FW |

    Estou escrevendo um novo livro sobre as diferenças e semelhanças entre os sexos. As pessoas pensam, por exemplo, que só os machos são competitivos, o que não é verdade. Fêmeas também competem bastante entre si. Ou então tem a crença de que fêmeas não podem ser líderes. Todos os grupos têm uma fêmea alfa. A hierarquia feminina é um pouco separada da masculina porque as fêmeas competem entre elas e os machos entre eles. Então essa balela de que só machos sabem liderar é um erro se você olhar para o comportamento animal. E existem ainda primatas como os bonobos, dentre os quais as fêmeas são mais dominantes que os machos. Algumas dessas diferenças entre os sexos são universais nos humanos e primatas, mas também há muito exagero nessa separação, algo que pretendo enfatizar.

  • G |Existe também uma diversidade sexual entre os animais, assim como nos humanos?

    FW |

    Sim, no livro também falo de diversidade de gêneros, como no caso de machos e fêmeas que não agem exatamente como se esperaria. Você encontra machos que não são competitivos, ficam fora de tudo e não querem ser dominantes. No livro, eu descrevo uma chimpanzé fêmea que parece um macho, age como macho, mas tem genitais femininos. Então encontramos esses tipos de variações. Em termos de orientação sexual, vemos muito comportamento homossexual. Em algumas espécies e indivíduos, é o comportamento predominante, então você poderia dizer que são homossexuais.

  • G |Ao longo de todos esses anos, alguma descoberta que fez sobre os primatas te marcou mais?

    FW |

    O que mais me surpreendeu foi a aversão que eles têm à desigualdade. Em um vídeo que ficou famoso na internet, fazemos um experimento em que premiamos macacos capuchinhos com alimentos de qualidade diferente. O macaco que recebe a pior comida fica indignado, protesta e se recusa a cumprir sua tarefa novamente. Ficamos surpresos com esse resultado porque, em pesquisas anteriores com ratos, tudo com que os animais se importavam era a recompensa pelo trabalho que faziam. Ninguém nunca tinha falado em comparar com o que outro animal recebeu. O que descobrimos foi que macacos não olhavam só para sua própria recompensa, senão continuariam felizes em fazer a mesma tarefa em troca de pepino. Só que, se o vizinho recebe uvas, de repente o pepino já não serve mais. Foi revelador que eles tenham se mostrado tão sensíveis. Fizemos esse mesmo teste em outras espécies, como cachorros, lobos e pássaros, e percebemos que se trata de um fenômeno geral.

  • G |Seu último livro publicado no Brasil questiona por que temos tanta dificuldade para reconhecer a inteligência dos animais. Por que essa resistência perdurou por tanto tempo no meio científico?

    FW |

    Darwin escreveu um livro inteiro sobre as emoções humanas e dos animais. Naquela época, enxergar que os animais tinham emoções não era algo controverso. Mas aí no último século adentramos o espírito do behaviorismo de Skinner [psicólogo americano, um dos pioneiros do movimento behaviorista] e outros que pensavam como ele, com uma visão mecanicista dos animais. Eles queriam que fosse como a física ou a química, uma ciência rígida, não gostavam de toda essa conversa sobre consciência e emoções. Tinham um pouco de inveja das ditas ciências duras, então aplicaram a mesma lógica aos animais e até aos humanos. A revolução da cognição humana na psicologia começou só nos anos 1960, e pesquisas sobre emoção, em 1980. É interessante que a gente tenha tido que passar por esse período sombrio, em que animais tinham que ser como máquinas. Hoje estamos numa época diferente. Muitos jovens cientistas se agarram a essas ideias antigas, você encontra alguns deles nas universidades até mesmo no Brasil. Mas acredito que a maioria já esteja mais aberta a novas visões sobre cognição, emoções etc.

  • G |Ainda avaliamos a inteligência animal tendo como base a nossa. Isso é um problema?

    FW |

    De certa forma, não podemos evitá-lo. Expressamos as capacidades humanas através da linguagem humana, e aí aplicamos essa mesma linguagem aos animais, mesmo quando não é o mais apropriado. É o que temos. Portanto, a comparação é lógica, mas um tanto injusta, porque estamos medindo todos os organismos do mundo de acordo com nossos padrões. E aí, por vezes, questionamos se eles conseguem se comunicar, como se esse fosse o único critério possível para medir inteligência. Se você não sabe falar, não pode ser inteligente nem ter sentimentos. Houve um tempo em que se acreditava que bebês humanos não tinham sentimentos nem sentiam dor, a ponto de se poder fazer cirurgias neles sem anestesia. Então, até para humanos a ausência de linguagem pode ser vista como um problema. Julgamos animais exclusivamente pela linguagem e o uso de ferramentas, duas coisas em que somos muitos bons, mas eles têm muitas outras capacidades. Por exemplo, a ecolocalização, que é muito complexa. Pergunte a qualquer engenheiro que desenha sistemas de radar para aeronaves. Só que isso não nos impressiona porque não temos essa capacidade, não é uma coisa humana. Medimos a inteligência animal numa escala em que humanos estão sempre no topo. Polvos e alguns moluscos podem mudar de cor e se camuflar, que também é uma coisa bastante complexa, mas não catalogamos isso como um sinal de inteligência, e sim como outra coisa, porque não se relaciona com o nosso tipo de inteligência.

  • G |Costumamos ver algumas coisas que nossos animais domésticos fazem como demonstrações de inteligência, feito um gato que descobre como abrir uma porta ou um cão que aprende um novo truque. São exemplos válidos?

    FW |

    Certamente são amostrar de uma habilidade de rápido aprendizado, o que é bom. E com certeza faz parte da inteligência. Se tiver um jardim, coloque sua cabeça para fora da janela do andar superior da casa enquanto seu cão está lá fora e chame-o. Um cachorro inteligente vai entender que precisa entrar na casa para chegar até você lá em cima, é o que chamamos de problema de desvio. Esse é um típico teste de inteligência. Animais entendem como chegar a lugares que conseguem ver. Mas, se você coloca comida para galinhas atrás de uma cerca, elas vão correr para cima e para baixo, mas não chegarão até o alimento. Muito poucas espécies entendem que precisam correr em volta da cerca, que é o caso do cachorro. Essa é uma das muitas formas que você pode testar a inteligência do seu animal. A capacidade de aprender também é parte disso. Se um animal aprende rápido, esse é um sinal de inteligência.

  • G |Histórias como a do último encontro entre a chimpanzé Mama e o biólogo Jan Van Hooff nos emocionam bastante. Ao mesmo tempo, a surpresa com a reação de carinho da primata mostra que ainda subestimamos as emoções dos animais?

    FW |

    Quando selecionei “O Último Abraço da Matriarca” como título do meu livro, foi porque o vídeo é muito tocante e as pessoas se emocionaram com ele. Mas elas também se surpreenderam. Muitos não faziam ideia que animais podiam ter expressões e gestos tão parecidos com os humanos. Isso porque vínhamos há 50 anos dizendo que chimpanzés eram nossos parentes mais próximos. Então as pessoas não entenderam o que isso significa, que não só suas mãos, pés e rostos são muito semelhantes aos nossos, mas também suas emoções e seu comportamento são parecidos.

  • G |Todas as emoções humanas podem ser encontradas no mundo animal?

    FW |

    Há uma teoria famosa na psicologia que estabelece um total de seis emoções básicas encontradas em humanos no mundo todo: medo, raiva, nojo, e por aí vai. Mas acredito que seja uma visão limitada, pois o que não se expressa no rosto não entrou na lista. O amor poderia ser uma emoção básica, e nós o encontramos em muitos animais. Assim como a inveja e a esperança, ele não está na lista. Também achamos essas emoções em outras espécies. Acredito que não existam emoções unicamente humanas. Recentemente, psicólogos disseram que o nojo é exclusivo da humanidade, mas todos os animais demonstram nojo por coisas que não são boas para eles, como comidas podres ou fezes. Então o nojo é uma emoção universal. Não existe nenhuma prova da existência de emoções puramente humanas, exceto talvez a religiosidade ou espiritualidade. Pode ser que algumas dessas coisas sejam únicas.

  • G |Em “O Último Abraço da Matriarca”, você menciona táticas de intimidação física usadas pelo ex-presidente Trump em sua campanha e como elas se comparam com o mundo animal. Como é possível fazer essa relação?

    FW |

    Táticas de intimidação, especialmente entre homens, são muito comuns. Temos políticos que tentam impressionar os outros ao parecerem maiores ou baixarem seu tom de voz, intimidando e insultando. É uma coisa que não funciona tão bem contra mulheres. Quando Trump estava concorrendo contra Hillary Clinton, teve muita dificuldade nos debates porque seu modus operandi se baseia na intimidação. Então ele ficou um pouco perdido quanto ao que poderia e deveria fazer. Sabemos pelas eleições americanas que, se você tem dois candidatos, o homem mais alto geralmente vence. Então, mesmo que nossos políticos não ajam mais de forma tão física, ainda buscamos neles qualidades como altura ou intensidade da voz, entre várias outras coisas. Guardamos resquícios de tempos em que as coisas eram resolvidas dessa forma.

  • G |Você cita no livro um primata capaz de premeditar ataques contra outros animais. Lembrei de como a primatologista Jane Goodall descreveu a guerra violenta entre comunidades de chimpanzés em Gombe. Sabemos o suficiente para estabelecer as bases para esse tipo de violência ou crueldade entre os animais?

    FW |

    Goodall foi a primeira a reportar esse comportamento. Foi uma descoberta surpreendente, o quanto eles podiam ser violentos entre comunidades. Hoje sabemos que também podem agir assim dentro de seus próprios grupos. É menos comum, mas acontece. E sim, parece ter algum nível de premeditação envolvido. Às vezes, voltam dias depois para inspecionar o corpo, então devem lembrar o ponto exato onde atacaram, o que mostra que talvez tenham a intenção de matar. Isso não indica necessariamente crueldade, algo mais difícil de provar. Mas um animal tão inteligente pode ser intencionalmente gentil porque é muito, muito empático. Acredito que, se você pode ser intencionalmente gentil, talvez possa ser intencionalmente cruel.

  • G |O que sabemos hoje sobre a comunicação animal e a possibilidade de desenvolverem uma linguagem?

    FW |

    Eles têm uma comunicação muito complexa, mas que não se baseia em símbolos como a nossa. Quando pequenos, aprendemos símbolos, que são as palavras, e nos comunicamos organizando-as em frases. Não acho que isso exista entre os animais. Algumas espécies, como os golfinhos, têm o que chamamos de apito de assinatura, um som que identifica cada indivíduo porque ele é único. Às vezes alguns deles usam esse som para chamar um ao outro. É como se tivessem um nome, da mesma forma que chamamos nosso cachorro. Nos golfinhos e baleias, existe uma comunicação complexa. Os primatas também têm muitas sutilezas em sua comunicação, que ainda não entendemos completamente. Mas em nenhum deles acredito que existam símbolos, como na nossa linguagem.

  • G |Algumas comunidades de símios criam hábitos que se propagam por gerações, como os macacos de Kojima, no Japão, que aprenderam a lavar suas batatas doces antes de comê-las. Em geral, como isso acontece?

    FW |

    Hoje já existem várias dessas tradições. No Brasil, os macacos capuchinhos aprenderam a abrir nozes usando pedras, um costume que aprenderam com outros animais. Temos muitos exemplos hoje, não só entre os primatas. Os macacos que lavam batatas são o caso conhecido mais antigo de um hábito que se espalhou através da imitação. Outros indivíduos observam como se faz e copiam o comportamento, e muitos experimentos mostram as capacidades de imitação e como e de quem aprendem. A maioria dos hábitos que estudamos têm a ver com objetos ou ferramentas, como a quebra da casca da noz pelos capuchinhos. Certamente existem hábitos sociais, que são mais difíceis de identificar porque não têm a ver com objetos.

  • G |A moralidade animal se compara à humana de alguma forma?

    FW |

    Em humanos, um elemento central da moralidade é a empatia, o fato de que você se importa com o bem-estar do outro. Quer ajudar não todos os indivíduos, mas alguns deles. Nesse sentido, é possível enxergar uma moralidade entre os primatas, que seguem regras sociais, como a hierarquia e a reciprocidade, ou seja, se você me faz um favor, eu te faço outro em troca. Eles têm um senso de justiça, entendem se estão recebendo menos ou mais que os outros. Então muitos elementos da moralidade humana podem ser encontrados em outras espécies. É difícil dizer se esses animais são morais, mas meu ponto é que a moralidade humana não vem do nada. Pode ser que façamos mais com esses elementos do que outros primatas, então a moralidade humana é mais complexa, a ponto de termos debates sobre se algo é certo ou errado. Porém, não acredito que seja fundamentalmente diferente.

  • G |Existem relatos de primatas pulando na água para salvar outros. São casos comuns no mundo animal?

    FW |

    Se um chimpanzé cai na água, ele pode se afogar, então é um risco que ele assume. Há observações de chimpanzés na natureza ajudando outros contra leopardos, algo muito perigoso, e portanto um sacrifício. Às vezes fazem coisas para indivíduos que não estão ligados a eles ou até não podem retribuir. Uma chimpanzé muito idosa era tão lenta e artrítica que outras fêmeas iam até uma cachoeira próxima para buscar água para ela. Ela não tinha como retornar o favor. Atos como esses, entre indivíduos que não têm laços familiares e não vão receber nada em troca, são puro altruísmo, relacionados a uma empatia que é bastante desenvolvida entre os mamíferos. Muita gente me pergunta como chimpanzés podem ser empáticos se matam uns aos outros. Bom, o mesmo vale para os seres humanos. Somos capazes de empatia, mas também nos matamos. Somos uma espécie como os chimpanzés, com extremos de comportamento positivos e negativos.

Produto

  • Somos Inteligentes o Bastante para Saber Quão Inteligentes São os Animais?
  • Frans de Waal
  • Companhia das Letras
  • 456 páginas

Caso você compre algum livro usando links dentro de conteúdos da Gama, é provável que recebamos uma comissão. Isso ajuda a financiar nosso jornalismo.

Quer mais dicas como essas no seu email?

Inscreva-se nas nossas newsletters

  • Todas as newsletters
  • Semana
  • A mais lida
  • Nossas escolhas
  • Achamos que vale
  • Life hacks
  • Obrigada pelo interesse!

    Encaminhamos um e-mail de confirmação