Além do barrigão
O ventre exibido com orgulho durante a gestação pode ser fonte de preocupação depois. Veja o que fazer para prevenir e aliviar problemas
É surpreendente quando mulheres que estão sempre na mídia ostentando corpos perfeitos fazem revelações sobre o pós-parto. Quatro meses após o nascimento do seu terceiro filho, Zyan, mesmo aparentando boa forma nas fotos, a apresentadora Giovanna Ewbank contou no seu Instagram que sofria com diástase abdominal, um afastamento dos músculos reto abdominais. Isso ocorre naturalmente durante a gravidez para dar espaço para o útero se expandir, mas depois do parto a tendência é voltar para o lugar.
Só que em 35% das mães (ou 60% das usuárias do Sistema Único de Saúde, segundo estudo feito no município de Guarapuava, interior do Paraná) o tecido estirado sofre lesões e não se recupera. Além do prejuízo estético – um abaulamento no meio da barriga, que pode ser acompanhado de pregas horizontais quando há flacidez da pele, ou acúmulo de gordura que confere ao local o aspecto de pochete –, surgem outros aborrecimentos, como dores nas costas, escapes de urina ao tossir ou espirrar, prisão de ventre, refluxo, sensação de estufamento e má digestão.
Se a musculatura profunda estiver fraca, não oferece boa sustentação para os órgãos, o que gera disfunções
Giovanna ficou com três dedos de afastamento entre os músculos do abdômen e passou a ter dores nas costas, o que dificulta movimentos cotidianos, como pegar o filho no colo, deitar-se e levantar da cama, entrar e sair do carro, apanhar objetos no chão. A barriga chapada ou tanquinho antes da gravidez não evita esses tormentos porque nem sempre significa abdômen fortalecido. “Se a musculatura profunda estiver fraca, não oferece boa sustentação para os órgãos, o que gera disfunções”, adverte a educadora física Gizele Monteiro, mestre em Fisiologia pela Unifesp, que acaba de lançar o livro “Vencendo a Diástase” (Buzz, 2021).
De modo geral, a musculatura do abdômen alonga e retorna espontaneamente após o nascimento do bebê porque “durante a gestação é liberada a relaxina, hormônio que favorece o alongamento muscular (do útero, inclusive) e torna as articulações mais frouxas e flexíveis para acomodar melhor a criança e facilitar o parto”, informa a fisioterapeuta Mariana Tirolli Rett Bergamasco, especialista em Saúde da Mulher pelo Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO). Mas se o músculo estiver fragilizado ou for muito exigido, o desfecho é outro. “É como um elástico que depois de muito esticado não recupera o comprimento original”, compara Mariana. O risco de diástase aumenta com ganho excessivo de peso na gravidez (a faixa ideal é entre 9 e 12 kg), bebês acima de 4 kg, quando se espera gêmeos, na segunda ou terceira gestação, em quem já estava acima do peso antes de engravidar, apresentava má postura, era sedentária ou já possuía fraqueza muscular, gordura acumulada e flacidez.
É preciso estimular a reorganização corporal em três pilares: fortalecimento do abdômen e do assoalho pélvico e correção da postura
Daí não adianta se matar de fazer abdominais na academia. Também são desaconselhados polichinelo, prancha, jumping e certos movimentos de Pilates e posturas de yoga que colocam muita pressão no abdômen, se não forem bem executados. “A barriga pode ficar mais estufada”, alerta Gizele Monteiro. De acordo com a educadora, é preciso estimular a reorganização corporal baseada em três pilares: fortalecimento de toda a musculatura abdominal, correção da postura (o quadril tende a ficar muito inclinado para frente e os ombros arqueados) e fortalecimento do assoalho pélvico para tonificar a região do períneo (músculos ao redor da uretra, vagina e ânus).
Esses objetivos são alcançados em programas de treinamento físico orientados por fisioterapeuta ou educador físico experiente em acompanhar mulheres grávidas ou no pós-parto. Também são úteis exercícios respiratórios e os isométricos (promovem a contração muscular com o corpo estático). Existem, ainda, técnicas específicas como a ginástica hipopressiva (criada nos anos 1970, reduz a pressão intra-abdominal e tonifica a musculatura) e métodos que utilizam uma cinta leve e sem colchetes para trazer consciência corporal e facilitar o alinhamento do corpo. Mas nada de usar aquelas cintas modeladoras de alta compressão. “Elas não resolvem, apenas dão uma falsa sensação de segurança: o músculo fica preguiçoso, não faz esforço para voltar”, orienta a ginecologista e obstetra Maria Rita de Souza Mesquita, da Comissão Nacional de Defesa Profissional da Febrasgo. “Prefira uma calcinha alta, própria para o pós-parto, com a frente mais firme, que ajuda a manter a postura correta, sem abafar os pontos da cesariana”. Aparelhos de eletroterapia e fototerapia podem estimular a regeneração do tecido subcutâneo e a melhora da aparência da pele.
Nos quadros mais severos, ou quando não se obtém o resultado esperado com exercícios, a opção é a cirurgia plástica. O diagnóstico é feito calculando-se a distância entre os músculos por meio de ultrassonografia ou tomografia sem contraste. Não há consenso sobre a partir de que medida o bisturi está indicado. Alguns especialistas falam em diástases de cinco centímetros, outros de oito centímetros. Em mais de 95% dos casos, a correção é feita numa abdominoplastia. “O mais comum é por via aberta, com um corte que vai de ossinho a ossinho do quadril”, explica o médico Diogo Coelho, especialista em cirurgia estética e reparadora e membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.
Para prevenir a diástase, o melhor é começar o quanto antes. A gravidez é um período oportuno para adotar um estilo de vida saudável
A intervenção aproxima os músculos separados, da costela ao púbis, retira a gordura em excesso e a sobra de pele, refaz o umbigo, deixa a barriga lisinha. “Em 30 dias a mulher pode voltar a dirigir”, diz o médico. É frequente associa-la à lipoaspiração, que remove a gordura localizada para melhorar o contorno corporal. Os profissionais têm observado uma alta na procura de cirurgias plásticas durante a pandemia, a partir de julho de 2020, inclusive com falta de prótese de silicone no mercado. Essa alta é confirmada pela Sociedade Americana de Cirurgiões Plásticos, mas questionada pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. A plástica de abdômen resolve a questão estética, mas não altera o tônus muscular, por isso nem sempre elimina todas as queixas. Então um programa bem elaborado de exercícios físicos continua preconizado.
Para prevenir a diástase, o melhor é começar o quanto antes. A gravidez é um período oportuno para adotar um estilo de vida saudável, segundo o Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas (ACOG). Motivação é o que não falta. Em 2020, o ACOG atualizou suas recomendações sobre exercícios físicos durante a gestação e no pós-parto, reforçando os benefícios para a mãe e o bebê, mas ressaltando a necessidade de autorização do obstetra e de acompanhamento especializado. Conforme Mariana Bergamasco, a prática deve incluir alongamentos, uma parte aeróbica e treino de força para a musculatura do abdômen, das costas, do peitoral e do assoalho pélvico. Fora isso, é importante beber bastante água e alimentar-se bem para não engordar demais.
Mesmo tomando esses cuidados, às vezes a diástase aparece. “Não dá para controlar tudo”, avisa a ginecologista e obstetra Carla Iaconelli, especialista em Medicina Reprodutiva. “A gravidez produz marcas e cicatrizes nem sempre ruins. Deixe a transformação acontecer. Curta cada momento, sem tanta cobrança, afinal você será mãe uma ou duas vezes na vida. E o que incomodar, resolva depois, sem atropelo”.
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