COP27: os altos e baixos da conferência do clima — Gama Revista
Reuters/ Mohamed Abd El Ghany/ Kacper Pempel

COP27: os altos e baixos da conferência do clima

Protagonismo das comunidades periféricas, implementação e indefinições são alguns dos principais pontos do balanço da conferência no Egito

Ana Elisa Faria 21 de Novembro de 2022

Oficialmente, a COP27 terminaria na sexta-feira (18), mas, seguindo a tradição da cúpula, o documento com as resoluções do evento foi concluído apenas dias depois, no domingo (20). O destaque do texto final da edição é a criação de um fundo, por parte de países ricos, para a reparação por perdas e danos às nações mais afetadas pela crise do clima.

Antes do encerramento oficial, porém, Gama conversou com especialistas da área ambiental, que deram o tom do que foi a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas em 2022, que chegou ao fim com questões indefinidas, como o não estabelecimento de novas metas de redução de gases do efeito estufa e “uma sensação de desconfiança generalizada entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento”, como afirma Mariana Belmont, do Instituto de Referência Negra Peregum.

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O endereço escolhido para abrigar os debates entre 198 territórios e instituições observadoras do mundo todo, o balneário egípcio de Sharm el-Sheikh, na costa do Mar Vermelho, foi celebrado – apesar de ter apresentado alguns problemas estruturais – por dar protagonismo ao continente africano, cujas populações estão no centro dos problemas relacionados ao clima, como a migração causada pela seca e pelo calor extremo.

Mais um ponto positivo desta cúpula do clima foi trazer à pauta a Agenda de Adaptação, medidas necessárias para ajudar um país, ou uma região a se preparar para os efeitos das mudanças climáticas, ideia que parte da premissa de que a crise já está em curso: mesmo que os países reduzam o lançamento de gases de efeito estufa, eles ainda sofrerão as consequências das emissões das últimas décadas. O investimento em infraestrutura, como estradas e pontes, por exemplo, estão entre as medidas de adaptação para que determinados lugares resistam às inundações.

De acordo com o geógrafo Diosmar Filho, da Associação de Pesquisa Iyaleta, esta é “uma agenda de reparação”, um pagamento pelo que populações marginalizadas estão vivendo devido aos eventos climáticos, “ao aumento do nível do mar, às chuvas deslocam milhões de pessoas”. No entanto, apesar de comemorada, a discussão não trouxe retornos reais porque ações de adaptação dependem de dinheiro e, para Filho, países ricos continuam “irresponsáveis com o clima”.

Duas palavras foram amplamente repetidas durante os dias de COP27: perdas e danos, o que, segundo Stela Herschmann, do Observatório do Clima, foi uma conquista importante. A pauta “vem de uma luta de muitos anos e, uma vez estando na agenda, o item permanece na agenda da COP até ser resolvido”, explica.

O conceito de perdas e danos se refere às consequências da mudança climática que ocorrem quando os países não conseguem mais resistir ou se adaptar aos impactos das transformações do clima. Nesta COP, países atingidos pela crise, como Índia e Paquistão, pedem recursos para se reconstruírem após experienciar tragédias ambientais.

Porém, o financiamento climático, que vem a ser o dinheiro que os ricos podem oferecer aos países emergentes, é bem menor do que o necessário. “A gente viu uma disposição pequena, muito acanhada, dos países em aumentar as contribuições financeiras”, diz Herschmann.

Outra vitória da COP27, de acordo com Mariana Belmont, foi a presença do movimento negro brasileiro, que reafirmou a luta histórica por justiça racial, climática, social e de gênero, não só no Brasil como no mundo. Ela lembra que o maior desafio dos próximos anos para o alcance das metas de diminuição dos gases de efeito estufa é justamente “a redução das desigualdades que impactam povos e comunidades tradicionais, trabalhadores, mulheres e crianças nas regiões que vivem, hoje, uma escala exponencial de aquecimento superficial territorial e aumento das chuvas. Não há justiça climática sem justiça racial e o fim do patriarcado”, conclui.

Nos depoimentos abaixo, os três especialistas compartilham com a Gama o balanço do que viram e ouviram entre 6 e 18 de novembro de 2022 na COP27.

Stela Herschmann

Especialista em política climática do Observatório do Clima

  • Perdas e danos

    “Uma coisa boa foi definida logo no início da conferência e vale o destaque: o financiamento de perdas e danos ter entrado na agenda oficial do evento. Essa [pauta] vem de uma luta de muitos anos e, uma vez que entra na agenda, permanece ali até ser resolvido. É uma conquista muito dura, porque os países desenvolvidos, principalmente os Estados Unidos e a Europa, historicamente, se opunham à ideia de haver um item para debater financiamento de perdas e danos. Eles, inclusive, fizeram a ressalva de que isso não implicaria no reconhecimento de compensações e indenizações. Infelizmente, não significa que, uma vez o item na agenda, ele será bem negociado ou que teremos uma decisão urgente, que é necessária. Tanto que o grande pleito dos países em desenvolvimento é que, além de entrar na agenda, decida-se aqui no Egito pela criação de um fundo, um mecanismo de financiamento para perdas e danos, ainda que sejam necessários alguns anos para operacionalizar esse fundo. Esse é um dos grandes impasses que estamos tendo no momento. Alguns países, como os Estados Unidos, não querem aceitar agora a criação desse fundo. Eles desejam que seja um processo até 2024 e que se pense em um mosaico de soluções.”

  • Decisão de capa

    “Outra grande discussão que ganhou relevância foi: teremos ou não uma decisão de capa para a COP27? Decisões de capa são, na verdade, muito mais manifestações e sinalizações políticas do que, de fato, um documento. Não é toda COP que tem uma decisão de capa, mas as últimas tiveram, como a COP26, de Glasgow, e a COP25, de Madrid. Organizações que acompanham o processo em Sharm-El Sheikh, e vários países também, tinham a expectativa de que a COP atual terminaria com uma decisão de capa e que ela avançasse a de Glasgow, que fosse um pouco além. Porém, o que temos visto aqui é uma resistência grande. Há países que não querem uma decisão tão robusta, querem algo pequeno, focado. Inclusive, a posição do Brasil é essa: que seja focada em alguns assuntos bem direcionados para a implementação e que não seja um documento amplo, que é justamente o que temos agora na mesa. É o maior documento que já se viu de decisão de capa e que ainda está muito distante de um produto final.”

  • Discussões empacadas

    “Alguns temas não avançaram na COP27, como a mitigação [são intervenções com o objetivo de diminuir ou reverter situações que impactam negativamente o meio ambiente, provocadas por atividades humanas nocivas como a emissão de gases do efeito estufa], que segue com bastante conflito. Outros, como a Agenda de Adaptação e perdas e danos, não evoluíram como se esperava.”

  • Impasses financeiros

    “A implementação passa pelo país ter dinheiro para colocar aquelas metas de pé, principalmente os países mais pobres, que não é o caso do Brasil. A nossa meta não está condicionada a nenhum fluxo financeiro vindo de outros países, mas muitos países, sim, condicionam suas metas a isso, e o que vimos ao longo da COP27 é que deveríamos aumentar o fluxo de recursos, porque, enfim, a mitigação é mais urgente. A adaptação, por exemplo, tornou-se cada vez também mais necessária, mas o dinheiro é pouco para a adaptação. E, agora, com a nova demanda de um fundo para para perdas e danos, vai aumentar bastante os valores e sabemos que as metas de financiamento climático que existem hoje são muito menores do que o que é necessário. E o que vimos foi uma disposição pequena, muito acanhada. Pouca disposição dos países em aumentar suas contribuições financeiras.”

  • Quebra de confiança

    “Alguns discursos, como o do John Kerry [enviado especial dos Estados Unidos à COP27 para debater assuntos climáticos], que disse que o foco não pode ser o dinheiro público, é bastante preocupante. Isso azeda um pouco o caldo da COP, aumenta a desconfiança entre os países. E se sairmos do Egito com uma indefinição em perdas e danos, os países em desenvolvimento podem, com toda razão, se sentir bastante desassistidos. A pior coisa que pode acontecer é quebrar a confiança em um sistema multilateral como esse. A confiança é a base dessas conversas. Seria muito importante sairmos de Sharm el-Sheikh com sinalizações melhores, principalmente no tema do financiamento em perdas e danos.”

Mariana Belmont

Jornalista e diretora de Clima e Cidade no Instituto de Referência Negra Peregum

  • Indefinições e desconfianças

    “A COP de Sharm el-Sheikh, no Egito, chega ao último dia com muita coisa indefinida e uma sensação de desconfiança generalizada entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento. Corremos um risco de sair dessa conferência sem nenhum legado ou acordos concretos.”

  • Ponto para o movimento negro

    “O movimento negro brasileiro esteve presente na COP27 reafirmando sua luta histórica por justiça: racial, climática, social e de gênero, tanto para o nosso país quanto para o mundo.”

  • Desafios para o mundo

    “O maior desafio para alcançar as metas de redução dos gases de efeito estufa (GEE) será reduzir as desigualdades que impactam povos e comunidades tradicionais, trabalhadores, mulheres e crianças nas regiões que vivem, hoje, uma escala exponencial de aquecimento superficial territorial e aumento das chuvas.”

  • Desafios para o Brasil

    “Há desafios voltando para casa. Depois de quatro anos de negacionismo e desmonte das políticas ambientais, o novo governo [liderado por Lula, que chega ao Planalto em 1º de janeiro de 2022] precisa assegurar a produção de políticas nacionais, com ênfase em gestão ambiental, gestão territorial e no fortalecimento da agricultura familiar e da titulação de terras quilombolas. Além disso, é preciso reforçar a importância da retomada dos espaços de conselhos e da participação da sociedade civil em questões relacionadas ao meio ambiente.”

  • Um olhar para o futuro

    “Há a possibilidade de ter um futuro em que conferências sobre vida e territórios negros sejam de maioria negra, indígena, de mulheres e crianças. O futuro precisa ser decidido por essas pessoas, não mais por homens brancos do norte global, ou mesmo do sul. Não há justiça climática sem justiça racial e o fim do patriarcado.”

Diosmar Filho

Geógrafo, doutorando em geografia pela UFF (Universidade Federal Fluminense) e pesquisador da Associação de Pesquisa Iyaleta

  • Pontos positivos

    “Estamos em uma COP no continente africano que, por mais que tenha sofrido com problemas estruturais, é um ponto simbólico, um marco. Além disso, trazer para esta COP uma pauta que não foi trabalhada desde o Acordo de Paris, que é a Agenda de Adaptação. Tudo o que envolve adaptação: ações, mecanismos, financiamento e a entrada de uma agenda construída no território por aqueles que estão sendo impactados diretamente. É uma agenda de reparação, um pagamento pelo que essas populações estão vivendo devido aos eventos climáticos, ao aumento do nível do mar, às chuvas que estão deslocando milhões de pessoas, as colocando em migração.”

  • Pontos negativos

    “A negação que União Europeia, Estados Unidos, Canadá, ou seja, o norte global mantêm sobre a crise do clima, vai impactar diretamente na vida das pessoas fora da prioridade, que é o pagamento daquilo que já está prometido, que começaria em 2020. O presidente Lula falou que, em 2009, foi assinado, com o Acordo de Paris, a garantia de US$ 100 bilhões anuais para combater as mudanças climáticas. Estamos em 2022 e não conseguimos atingir esse valor. Vemos os ricos, como o Reino Unido, a União Europeia e a Suíça, por exemplo, continuarem no mesmo lugar quando se trata de aprovar e financiar a adaptação, as perdas e danos. Aqueles que mais se beneficiaram da carbonização e, inclusive, que se colocam publicamente como responsáveis por seus efeitos trágicos, sentam à mesa de negociação e continuam irresponsáveis com o clima.”

  • A COP da implementação

    “Esta é a COP da implementação porque tudo o que já foi construído para a agenda da mitigação, que envolve governos, recursos públicos e privados, teve um grande avanço. É uma agenda de efetividade, de recursos, de ações, de prática. Temos uma meta global de redução do aquecimento do planeta em 1,5ºC até 2030, e isso já está desenhado. A discussão, hoje, é: dentro dessa meta, como vamos implementar planos nacionais de adaptação, objetivos globais e alcançar o financiamento necessário? Esse financiamento tem de vir por doação aos países em desenvolvimento, pobres e médios, não por crédito, para tornar os países endividados com a agenda climática. As discussões na COP27 se dão em torno do financiamento da adaptação e do financiamento de perdas e danos. E isso está sendo discutido por quem vive os impactos profundos e luta por um mecanismo de pagamento por esses impactos, que são os países insulares e os países pobres do continente africano e da América Latina. Esse é o ponto forte da discussão, que hoje passa pela chamada territorialização da agenda climática. Chega de discussão macro, queremos os territórios que vão receber os recursos e as políticas para reduzir os impactos e os efeitos das mudanças do clima.”

  • O Brasil pós-COP27

    “Hoje, o Brasil tem um novo governo eleito, um governo comprometido com a agenda da Amazônia, do desmatamento zero para todos os biomas. Mas olhar para frente é olhar como vamos efetivar ações reais para a vida da população impactada pelas mudanças climáticas. O olhar para frente é olhar com muito pé no chão. Com os eventos extremos, de chuvas, geadas e secas, daqui a pouco teremos problemas sérios como o déficit de alimentos para as pessoas no mundo inteiro, o que inclui o território brasileiro. E a gente não pode encarar isso como uma questão de longo prazo. Estamos vivendo o curto prazo para projetar o longo prazo. A ação agora são governos e sociedade responsáveis com a agenda climática, é fazer essa discussão hoje. Não é uma discussão do movimento climático, é uma discussão de estratégia de gestão pública em um território como o brasileiro. É passar pela agenda climática no dia a dia. O gestor público tem que pensar que o clima faz parte do programa de orçamento do seu município, do programa de orçamento do estado, do programa de orçamento da União; e os órgãos de comando e controle, de responsabilidades fiscal e social precisam cobrar isso. O olhar para frente é cuidar da humanidade. A COP27 é um divisor nesse campo porque ela trouxe os territórios impactados para a agenda.”

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Este conteúdo é parte da cobertura especial sobre a COP27, que pretende estimular uma reflexão coletiva sobre o clima, realizada em parceria com o Instituto de Referência Negra Peregum e com apoio do Instituto Clima e Sociedade.

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