Artistas de hoje contra a censura
Elisabete Finger, Maikon K, Renata Carvalho e Wagner Schwartz, todos alvos de censura por seu trabalho na arte, se unem em um título, ‘Domínio Público’, em busca de liberdade
A manchete da menina que tocou o corpo nu de um artista no MAM, em São Paulo, estampou as capas de diferentes jornais em 2017. Na época, Wagner Schwartz apresentava sua performance “La Bête” (que revisita a proposta das esculturas “Bichos”, de Lygia Clark) quando a filha de Elisabete Finger, uma coreógrafa, encosta em seu tornozelo. Um vídeo que registra o momento foi manipulado por um grupo conservador e viralizou nas redes sociais. Referiram-se ao artista como “pedófilo”. Mas naquele ano, muitos outros episódios acalorados, dentro do debate sobre liberdade de expressão, censura e limites na arte, aconteceram.
Além de Schwartz e Finger, Renata Carvalho foi impedida de se apresentar no papel de Jesus Cristo em sua peça “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu” por ser uma atriz travesti. E Maikon Kempinski, mais conhecido como Maikon K, foi detido pela polícia militar em Brasília sob acusação de ato obsceno, em sua performance “DNA de DAN”. Na ocasião, o artista estava nu e imóvel dentro de uma bolha transparente em frente ao Museu Nacional da República, e além de ter sido levado à delegacia, teve seu cenário danificado.
Estávamos feridos e acuados. Foi um processo de cura, de apoio, de escuta
Depois dos ocorridos, os quatro artistas se uniram e, a oito mãos, produziram o espetáculo “Domínio Público” (2018), que em agosto deste ano se transformou em livro, lançado pela Editora Monstra, da Casa 1 — instituição que acolhe jovens expulsos de casa por suas orientações afetivas e identidade de gênero. “O livro fecha o ciclo do nosso trabalho com a peça. Estávamos todes muito feridos e um pouco acuados na época, com a violência que vínhamos sofrendo. Foi um processo de cura, de apoio, de escuta”, conta a atriz Renata Carvalho a Gama. “Aprendemos muito uns com os outros.”
Dividido em cinco atos, o título, de acordo com a atriz, é um “importante registro físico, que cria uma memória que denuncia uma época, a nossa”. “Ele revela um período de crescimento da extrema direita religiosa e armamentista no nosso país, e o ataque a artistas e a arte. As pessoas precisam saber que existiam pessoas resistindo. E ‘Domínio Público’ faz parte dessa resistência.”
A partir quadro de Leonardo da Vinci, “La Gioconda”, ou em português, “Mona Lisa”, o livro propõe uma reflexão sobre como narrativas são criadas, difundidas e manipuladas. A obra do pintor italiano ganhou a notoriedade muito por conta de um escândalo: foi roubada e só reapareceu dois anos depois. Graças a Vincenzo Peruggia, o autor do furto, “o valor de Mona Lisa é incalculável e seu seguro é estimado em U$ 867 milhões”, como explica o livro.
“Como nossos trabalhos ‘não eram considerados arte’ por quem nos perseguia, resolvemos partir de uma obra que ninguém duvidasse do valor artístico”, explica Renata Carvalho. Além da relevância histórica e artística de Mona Lisa, a pintura espelha alguns dos episódios vividos pelos artistas brasileiros em pleno século 21, e foi o ponto de partida para o início do debate sobre expressão, censura e arte.
Com pouco mais de 90 páginas, uma imagem de Vincenzo Peruggia na segunda capa e de Finger, Kempinski, Carvalho e Schwartz sem roupa ao final, o livro traz diversas notas de rodapé ao longo da leitura, que propõem um tour guiado pelas entrelinhas – e até fake news – do espetáculo. “Era uma curiosidade de quem assistiu desvendar essas questões. Com a publicação, achamos oportuno revelá-las.”
- Domínio Público
- Elisabete Finger, Maikon K, Renata Carvalho, Wagner Schwartz
- Monstra
- 95 páginas
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