Uma partida inviável — Gama Revista
COLUNA

Maria Ribeiro

Uma partida inviável

Diretor, dramaturgo e personificação do Oficina, Zé Celso Martinez Corrêa fez da sua própria existência um espetáculo constante

10 de Julho de 2023

“Não há morte que o morra”. Com essa frase, escrita na última semana em um post no Instagram, José Miguel Wisnik disse tudo e “mais um muito”. Subvertendo gramática e medicina, colocou em palavras, e em perspectiva, uma partida inviável, a do dramaturgo José Celso Martinez Corrêa – também conhecido como “O Teatro Brasileiro”. Morte? Fim? Não, obrigada. O show continua. Sempre. Não é esse o combinado?

Zé, como era chamado até por quem não o conhecia, não resistiu às consequências de um incêndio ocorrido na véspera em seu apartamento. Mas, assim como acontece no palco, sua saída de cena se fez de forma mágica, sob outros códigos. Óbito? Nada disso. Velório? Magina! Há que se inventar um novo dicionário para dar conta de um corpo, e de uma odisseia, como a de Zé Celso.

Alguém que respondia a perguntas cantando. Que abraçava inimigos. Que lutava dançando

A esta altura, você provavelmente já leu sobre a importância do espetáculo “Rei da Vela”, o casamento com Marcelo Drummond – ocorrido um mês antes da sua morte –, o imbróglio com Silvio Santos, as montagens de “Cacilda” e “Os Sertões”, e tantas outras marcas deixadas no país pelo garoto de Araraquara. Mas, hoje o que mais me intriga, a despeito de suas realizações imensas, é a liberdade de seus movimentos. Não tenho a menor ideia de qualquer outro ser humano nem minimamente parecido com o Zé. Alguém que respondia a perguntas cantando. Que abraçava inimigos. Que lutava dançando.

Diretor, dramaturgo e personificação do Oficina, espaço criado por ele, Amir Haddad e outros estudantes de direito em 1958 — e depois transformado em obra de arte por Lina Bo Bardi — Zé fez da sua própria existência um espetáculo constante. De outra forma, como explicar a celebração que varou a madrugada de sexta-feira (7) no Bixiga? Nunca um corpo trouxe o céu para tão perto.

Foi minha amiga Maria Manoella, atriz como eu, quem me deu a notícia. Eram nove horas da manhã quando abri o WhatsApp. Arrasada, ela escreveu: “Ele foi embora, Maria. Não aguentou”.
Foi, não, Manu. Foi, não. Ze Celso está lá. No teatro, nas celebrações, nos beijos, nas músicas, nos cortejos, nas rodas, nos desejos, na liberdade, na unicidade. Zé Celso está e sempre estará lá. A gente é que precisa ter coragem de ir.

Vamos?

Maria Ribeiro é atriz, mas também escreve livros e dirige documentários, além de falar muito do Domingos Oliveira. Entre seus trabalhos, destacam-se os filmes "Como Nossos Pais" (2017) e "Tropa de Elite" (2007), a peça "Pós-F" (2020), e o programa "Saia Justa" (2013-2016)

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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