Marcelo Knobel
Qual deve ser o papel da educação superior na crise ambiental?
As universidades são fundamentais na formação de cidadãos capazes de lidar com temas ambientais em suas vidas profissionais futuras
Comecei a pensar em um tema para a coluna mensal, mas não consegui me concentrar, pois o calor estava sufocante. Escrevo estas linhas no início da primavera de 2024, com o termômetro marcando 39ºC em Campinas, no dia mais quente da estação nos últimos anos. Isso depois de um dos invernos mais quentes da história e lembrando que, em maio, o Rio de Janeiro registrou uma sensação térmica de mais de 56 ºC.
Sem mencionar as enchentes no Rio Grande do Sul e as queimadas recentes, apenas alguns exemplos do cenário nacional. Para piorar, esta semana participei de uma discussão em que tive que ouvir um negacionista argumentar que não há aquecimento global – ou que, se há, é só parte de um ciclo natural, sem influência humana. Francamente, é difícil acreditar que ainda tenhamos que enfrentar esse tipo de discurso, quando o consenso científico está claro e estamos correndo contra o tempo para evitar uma catástrofe. Não teve jeito, a coluna teria que ser sobre isso.
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Recentemente, escrevi com a professora Néri de Barros Almeida um artigo no The Conversation Brasil sobre a responsabilidade das universidades e outras instituições de ensino superior na resposta às mudanças climáticas. Nele, argumentamos que a humanidade enfrenta uma série de desafios complexos: além de problemas persistentes como violência, guerras, fome e pobreza, estamos diante de uma crise ambiental sem precedentes, que se reflete nas mudanças climáticas, na perda de biodiversidade e na poluição. Nesse cenário, as universidades se destacam como cruciais na busca por soluções e na formação de uma nova geração capaz de enfrentar esses desafios.
São espaços com uma posição única para liderar as transformações que precisamos, locais para discutir questões complexas, reunindo diferentes gerações e áreas de conhecimento com o objetivo comum de resolver os problemas globais. Afinal, são cerca de 235 milhões de estudantes universitários no mundo em 2022, sendo 9,4 milhões no Brasil. Embora esse número possa parecer pequeno em relação à população global, ele representa um grupo influente, que ocupará posições-chave em diversos setores da sociedade.
Além de formar profissionais, as universidades são responsáveis por pesquisas fundamentais que analisam e propõem soluções para as mudanças ambientais. Elas também podem atuar como centros de comunicação sobre essas questões, complementando o papel da mídia tradicional.
Para isso, no entanto, precisam fazer da questão ambiental uma prioridade. Isso implica implementar sistemas de gestão que promovam uma mudança cultural no ambiente universitário. A adaptação dos campi para serem mais sustentáveis é apenas o início. É essencial também que incentivem pesquisas nas áreas relacionadas à crise ambiental, além de criarem setores dedicados à divulgação dessas pesquisas para aumentar seu impacto.
As universidades precisam fazer da questão ambiental uma prioridade
Outro ponto fundamental é a atualização dos currículos, incorporando temas ambientais em todos os cursos, preparando os estudantes para enfrentarem essas questões em suas vidas profissionais futuras. Devem ainda desenvolver políticas de extensão, compartilhando seu conhecimento com a comunidade e ajudando a promover ações de sustentabilidade ambiental. Esse engajamento com a sociedade é crucial para traduzir o conhecimento acadêmico em mudanças reais.
Como se não bastasse, as universidades também precisam lidar com a ansiedade climática. À medida que as condições ambientais se agravam, as gerações mais jovens são profundamente afetadas, e esses locais devem estar preparadas para oferecer suporte adequado para mitigar esse impacto.
Com vasta experiência em trabalhar em redes colaborativas, podem aumentar significativamente o alcance de suas ações ambientais, promovendo a troca de conhecimentos e implementando soluções em escala global.
No Brasil, as recentes políticas de inclusão ampliaram a diversidade nas universidades, o que aumenta o potencial para enfrentar desafios complexos. Essa diversidade, aliada ao compromisso com o interesse público e a formação cidadã, torna imperativo a dedicação aos problemas ambientais. Além de ser uma questão ética, o foco nas mudanças climáticas se alinha com os objetivos de inovação e interdisciplinaridade, algo crucial também para a empregabilidade futura dos graduados, à medida que o mundo se adapta às novas realidades ambientais.
Em resumo, as instituições de ensino superior têm uma responsabilidade significativa e uma oportunidade única para liderar a resposta global às mudanças ambientais. Por meio da pesquisa, da educação, da comunicação e da ação direta, podem e devem estar na linha de frente dos esforços para construir um futuro mais sustentável e resiliente para todos. É hora de agir com determinação e mobilizar todo o potencial desses espaços para enfrentar esse desafio global.
Marcelo Knobel Marcelo Knobel é físico e professor do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp. Escreve sobre ciência, tecnologia, inovação e educação superior, e como impactam nosso cotidiano atual e o futuro
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