COP 29 gera acordos frustrantes e indefinições para o futuro
Saldo da Conferência do Clima foi um financiamento climático aquém do necessário e muito para ser definido na COP 30, no Brasil, apontam especialistas
Insuficiente, frustrante, uma decepção. Essas foram algumas das palavras que rodaram a imprensa nos últimos dias para definir os resultados da mais recente Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP 29. Ocorrido entre os dias 11 e 22 de novembro em Baku, no Azerbaijão, o evento reuniu representantes de quase 200 países em debates sobre ações para o clima frente a uma crise que esteve mais evidente do que nunca em 2024.
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- CV: Thuane Nascimento
Um dos pontos mais polêmicos foi o acordo em torno do financiamento climático — o investimento das nações mais ricas do mundo em apoio a iniciativas de mitigação e adaptação às mudanças do clima nos países em desenvolvimento. A promessa de US$ 300 bilhões anuais até 2035 “ficou muito aquém das necessidades reais”, resume o diretor-executivo do Climate Policy Initiative/PUC-Rio, Juliano Assunção.
Segundo estudos da instituição, são necessários investimentos de cerca de US$ 10 trilhões por ano até 2030 para a transição a uma economia resiliente e de baixa emissão nos países em desenvolvimento — isso sem levar em conta a parte da adaptação. “A meta definida reflete a falta de alinhamento político e financeiro para mobilizar os volumes exigidos”, acrescenta Assunção, que é professor de economia na PUC-Rio, e lembra que já existe também um histórico de compromissos não cumpridos — como a meta de US$ 100 bilhões anuais estabelecida lá na COP 15, em 2009.
Para a especialista em administração pública e presidente do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell, o resultado frustrante mostra que o financiamento climático “continua preso a limites políticos e econômicos, enquanto falta ambição em mobilizar fontes inovadoras e pressionar os maiores poluidores”. Embora considere importantes os avanços no mercado de carbono e a definição sobre a NCQG (Nova Meta Quantificada Coletiva) — que visa apoiar a transição de países em desenvolvimento para uma economia de baixo carbono e adaptação —, o evento ficou marcado por frustrações significativas.
“Não houve acordo sobre como seguir com os resultados do Balanço Global [componente fundamental para monitorar a implementação do Acordo de Paris no mundo] nem sobre a transição justa”, aponta Unterstell. Para piorar, alguns dos países ainda tentaram retroceder em decisões anteriores, como a necessidade de eliminar combustíveis fósseis. “O evento entregou o mínimo necessário do ponto de vista da diplomacia. Quanto à emergência climática, talvez tenha nos deixado mais longe da solução.”
Por ser considerada desde antes de seu início como a “COP do Financiamento”, a expectativa era que a conferência avançasse consideravelmente no tema, lembra Thuane Nascimento, diretora-executiva da PerifaConnection, que acompanhou as negociações. Segundo ela, simplesmente ter chegado a um acordo não é motivo para comemorar.
“A sociedade civil pedia 5 trilhões. Muitos cientistas entendiam que 1,3 trilhão era um número suficiente. E algumas pessoas achavam que a gente deveria se acostumar com os 500 bilhões. Mas conseguiu ser ainda pior que isso”, avalia.
Na visão de Unterstell, a ausência na decisão do CNQG de temas centrais para a discussão climática como a transição energética e a eliminação de combustíveis fósseis torna o saldo final ainda mais preocupante. “Não há como cumprir as metas do Acordo de Paris, especialmente o limite do aquecimento em 1,5°C, sem a transição imediata para longe dos combustíveis fósseis.”
Um dos poucos pontos positivos nesse cenário, ela avalia, foi a participação construtiva do Brasil no ambiente de negociações conturbadas de Baku. E o país de fato tem uma missão considerável pela frente. À frente da COP 30, que vai acontecer em Belém (PA) em 2025, o desafio brasileiro é “transformar o evento num ponto de virada, demonstrando que é possível alinhar ambição e pragmatismo”, afirma a presidente do Talanoa. O objetivo, segundo Unterstell, deve ser colocar a meta de US$ 1,3 trihões, assim como temas ignorados em Baku — uma transição justa, adaptação e biodiversidade, por exemplo —, de volta na mesa de discussões.
Afinal, nas palavras de Assunção, a COP 30 representa uma oportunidade histórica para o Brasil consolidar sua liderança climática no mundo. “Um dos principais desafios será articular e fortalecer a coalizão de países com florestas tropicais, buscando mais financiamento climático e valorização dos serviços ambientais”, considera. Outro papel crucial, aponta, será mediar os interesses de nações desenvolvidas e em desenvolvimento, assegurando que os compromissos financeiros reflitam as necessidades reais.
“O Acordo de Paris foi muito categórico em dizer quem são responsáveis pela crise climática: os países desenvolvidos, que usaram do petróleo para avançar com suas economias, como a União Europeia, os EUA, Japão, Austrália…”, define Nascimento, da PerifaConnection. Apesar de considerar necessárias as contribuições dos países em desenvolvimento na mitigação da crise, acredita ser essencial relembrar que há uma conta a ser paga. “Até hoje, quem paga a conta é quem não causou a crise, e sim aqueles que são mais afetados.”
A ativista também comenta os poucos avanços ocorridos no evento, segundo ela, puxados por forte interesse de mercado. “Tudo em que o mercado tem interesse a COP dá um jeitinho. E isso se dá por causa da presença massiva dos lobistas do petróleo e dos combustíveis fósseis dentro do evento”, critica. Ela também desaprova a demora para implementar o Plano Nacional de Adaptação no Brasil, agora chamado Estratégia Nacional de Adaptação. “Para nós que moramos na periferia, um ano de adiamento não é pouca coisa. [Adiar] cada vez mais um ano mostra a falta de compromisso com as nossas vidas e nossos territórios”, declara Nascimento.
Embora a COP conviva praticamente todo ano com a decepção por resultados aquém do esperado, os especialistas consultados por Gama apontam que há sim como fazer diferente. Para isso, é preciso acelerar a implementação das metas do Acordo de Paris, mantendo o aquecimento global abaixo de 1,5°C; assumir compromissos financeiros mais robustos, integrando agendas climáticas com justiça social e uma governança que priorize ações concretas e urgentes; e, por fim, reinventar o modelo atual, com participação ativa da sociedade civil.
“A história das COPs é feita de avanços desiguais”, admite Unterstell. “Decisões nunca são perfeitas, mas permitem correções futuras. Para termos horizontes mais favoráveis, é essencial focar na implementação de tudo que já foi acordado.”
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