Coluna da Vanessa Rozan: O fim dos filtros? — Gama Revista
COLUNA

Vanessa Rozan

O fim dos filtros?

A Meta banirá filtros de usuário dentro do Instagram. A impressão era de que tudo ia bem na grama do vizinho, só que na realidade estamos todos mais doentes psiquicamente

16 de Outubro de 2024

A partir de janeiro de 2025, a Meta banirá filtros de usuário dentro do Instagram. Claro que você poderá usar filtros, aqueles que são da própria rede social continuarão lá. E também todos os outros que existem nos aplicativos de edição, disponíveis nas lojas virtuais e nas outras redes sociais. Para aqueles dispostos a investir mais pesado na sua imagem, há ainda a opção de tornar-se a sua versão “filtrada”, com a ajuda de procedimentos estéticos permanentes ou semipermanentes.

Os filtros como conhecemos hoje, esses que são aplicados sobre a sua face virtualmente e em movimento, surgiram primeiro no Snapchat e tinham um aspecto mais divertido, com um cardápio que ia de orelhas de cachorro à boca vomitando arco-íris. Rapidamente foram copiados para o Instagram e aprimorados pelo Tiktok, que carrega modelos muito refinados, como o Bold Glamour, que recria uma face harmonizada sobre seus traços de uma forma tão real que pode facilmente ser lida como tal.

É certo que as redes sociais causam abalos fortes na nossa autoestima, isso já está provado. Quando o Instagram surgiu, em 2011, veio com ele o conceito de “vida perfeita de Instagram” e fez com que, em comparação a amigos ou desconhecidos, nossas angústias ganhassem proporções gigantes. A impressão era — ou é ainda — de que tudo ia bem na grama do vizinho. Todo mundo feliz, magro, jovem, viajando e frequentando os melhores lugares, com as melhores roupas e as melhores companhias. Só que na realidade estamos todos mais doentes psiquicamente. As consequências na nossa mente, e na mente de crianças e jovens, não têm precedentes.

Os filtros parecem uma grande brincadeira, assim como as redes sociais são uma grande distração. E quanto mais distraídos estamos, observando a vida do outro, e em comparação a ele sentindo FoMO (e sei lá mais qual sigla), menos estamos dispostos a entender a realidade.

Não à toa qualquer trend, filme, ou série que nos tome com nostalgia ou fantasia será um sucesso. “Stranger Things” é um tipo de “Gonnies”, que acabo de saber que terá um segundo filme 40 anos após o seu lançamento. Olhar pra trás com certa ideia de que “antes, sim, era bom” é algo que aparece também como discurso político e engaja uma parte da sociedade.

Como você acha que fica a cabeça quando retiramos o filtro e nos deparamos com a nossa imagem no espelho?

Onde entram os filtros nisso tudo? Se na comparação com o outro a gente já sentia toda essa avalanche de sentimentos e siglas, imagine o estrago frente a uma nova versão de si mesmo, uma versão aprimorada segundo o que sociedade parece exaltar, uma versão “corrigida” que serve como capital? Como você acha que fica a cabeça quando retiramos o filtro e nos deparamos com a nossa imagem no espelho? Você pode pensar que, com você, nada disso acontece, mas como sociedade estamos de mal a pior no quesito aceitação e autoestima.

O número de tipos de procedimentos só cresce, e agora temos uma nova tendência entre celebridades, a undetectable beauty, ou beleza indetectável, que tem na cantora Christina Aguillera e na atriz Lindsay Lohan dois exemplos. Após o surto de preenchedores que resultou numa overdose facial chamada pillow face, foi-se descobrindo que esses preenchedores não eram absorvidos pelo corpo. Na verdade, eles acumulam mais e mais água, causando um resultado de inchaço como o de uma bexiga. Isso fez com que muitas celebridades removessem preenchedores. Já a undetectable beauty é algo que nem profissionais conseguem nomear quais foram os procedimentos escolhidos e executados, ou seja, parece que a pessoa tomou uma poção mágica como a daquele filme “A Morte Lhe Cai Bem”.

Muita gente nem vai sentir falta dos filtros dos usuários do Instagram quando eles desaparecerem. Aqueles que têm acesso a bons dermatologistas, boa alimentação, quem toma dois litros de água, faz meditação, usa bons cremes e pode pagar procedimentos estéticos. Atrizes, Influencers e produtores de conteúdo, que têm mais controle da sua imagem, seguirão propondo peles lisas, corpos magros e jovens, independentemente de filtro.

No mais, outras redes sociais seguirão criando novos filtros, como o Tiktok, que faz de tudo nos segurar ali. Não é mais sobre quem você curte ou engaja. É sobre a plataforma fazer com que você fique dentro dela o maior tempo da sua vida possível. E, enquanto estamos aqui fora lutando contra o tempo e querendo ser jovens (RISOS), o seu tempo é devorado de vídeo em vídeo numa distração sem fim. Tem live de gente fazendo ASMR o dia todo. Além do seu tempo que fica ali, tem toda uma discussão do estímulo ao consumo em excesso. Um dos casos mais palpáveis é a geração das Sephora Tweens, de que falei em fevereiro deste ano.

O fato é que talvez você pareça capaz de parar o tempo e de controlar esse corpo real que enruga e envelhece, como no caso da undetectable beauty. Mas no caso dos outros humanos que não têm esse poder, o uso dos filtros vai seguir em alta, em uma tentativa de atingir o padrão de beleza vigente e de alcançar todas as promessas que a publicidade nos vendeu com parte dele: amor, dinheiro, felicidade. Dentro ou fora do Instagram.

Vanessa Rozan é maquiadora, apresentadora de TV e curadora de beleza e bem-estar. É proprietária do Liceu de Maquiagem, uma escola e academia de maquiagem e beleza profissional, aberta há 13 anos. Fez mestrado em comunicação e semiótica pela Puc-SP, onde estudou o corpo da mulher no Instagram.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

Quer mais dicas como essas no seu email?

Inscreva-se nas nossas newsletters

  • Todas as newsletters
  • Semana
  • A mais lida
  • Nossas escolhas
  • Achamos que vale
  • Life hacks
  • Obrigada pelo interesse!

    Encaminhamos um e-mail de confirmação