Isabelle Moreira Lima
Dominando a arte de comprar vinhos
Como, afinal, escolher uma boa garrafa entre tantas que repousam nas prateleiras das lojas ou que estão dispostas no infinito mar da internet?
Entre os muitos mistérios que se apresentam para quem está se iniciando no mundo do vinho, talvez o mais desafiador esteja no ato da compra. Como, afinal, escolher uma boa garrafa entre tantas que repousam nas prateleiras das lojas ou que estão dispostas no infinito mar da internet? O que é preciso avaliar primeiro? É possível confiar nas promoções que cortam até metade do preço?
Essas são perguntas que boa parte da humanidade faz, não importa origem, gênero, faixa etária, basta apenas que gostem de vinho e que estejam em busca de uma pechincha – como boa parte da humanidade está. Me lanço então aqui em uma aventura extrema e arriscada que é tentar respondê-las e ajudar o bebedor sedento a encontrar seu match ideal.
Para começar, uma pequena lista de onde é possível comprar essa garrafa: importadora, loja especializada multimarca, sommelier com projeto de curadoria, supermercado. Pode ser que, na sua cidade, uma ou outra dessas opções não esteja disponível de maneira física, porém, a internet está aí para isso mesmo. Nesse sentido, a primeira pergunta a ser respondida é: quando o vinho vai ser aberto? Se for para consumo imediato, esqueça a internet e siga para o ponto físico mais próximo.
Dez entre dez autores de manuais de vinho sugerem ter uma loja especializada de estimação. Não serei iconoclasta aqui, preciso concordar
Dez entre dez autores de manuais de vinho sugerem ter uma loja especializada de estimação para se dar bem nas compras. E eu não quero ser iconoclasta aqui, preciso concordar mesmo com eles. Ter uma loja com sommeliers de confiança, alguém com quem você consiga se comunicar bem, é uma glória. Eu fui agraciada com essa bênção na pandemia – a Toque de Vinho, em São Paulo – e sou fiel. Nas emergências, são eles que me socorrem. Digo quanto quero gastar, qual é a ocasião e, se estou inspirada, qual é meu mood, e eles me sugerem alguns rótulos.
Aliás, essas são respostas importantíssimas para levar a qualquer ponto-de-venda. E é aqui que chegamos ao supermercado, talvez o maior desafio do comprador desavisado. Geralmente, ali os vinhos são organizados por país – responda: há uma preferência? É fundamental já saber sua faixa de preço e para que ocasião você quer o vinho: se for pra comida, sugiro um google rápido para ver que uvas ou regiões combinam; se for para tomar com os amigos descompromissadamente, um vinho leve vai bem, um rosé, um branquinho mais simples; se está frio demais, um tinto mais encorpado ou alcoólico; se for para uma festa, por que não cair nas borbulhas? De posse desses dados (preço, ocasião, país de preferência), é o caso de cruzá-los e ir afunilando as opções até chegar à garrafa premiada.
Alguns cuidados também devem ser tomados na loja física: evite as garrafas expostas à muita luz, seja ela natural ou artificial; se a rolha estiver estufada, melhor desencanar; se houver qualquer tipo de vazamento, idem. Das promoções, se o desconto for muito alto, cheque a safra. Em vinhos mais simples, os chamados “de entrada” de uma vinícola, não deve se esperar muita longevidade. Isso quer dizer que brancos com mais de quatro anos devem ser evitados. Tintos muito baratos também não vão muito longe. Mas uvas com muita acidez e tanino podem durar mais (Cabernet Sauvignon e Franc, por exemplo). Claro, há exceções à regra, mas ter isso em mente é uma espécie de cinto de segurança.
Muita gente torce o nariz para comprar vinho no supermercado, porque a oferta costuma ser de vinhos mais simples. Mas não sou eu quem vou atirar a primeira pedra, afinal comecei por lá e, quando tenho pouco tempo, é para lá que volto. Algumas redes mais focadas em produtos gastronômicos e com importação própria trazem achados de bom preço. Isso porque, como compram em grandes volumes, têm poder de barganha e podem garantir preços interessantes. Alguns deles, por ter relações comerciais com outros países, acabam se especializando em origens específicas. Sugiro que na próxima visita observe as prateleiras com olhos mais atentos para perceber o que estou falando.
Apesar de ser fiel à minha loja especializada de preferência e de recorrer ao supermercado em emergências (ou para aproveitar suas promoções), também acho que as importadoras merecem atenção. Comprar na importadora é o mais perto que se tem de “comprar na fonte”. É ao visitar uma loja ou site de importadora (que costumam ser bem completos) que se fica sabendo todos os vinhos de um produtor que chegam ao Brasil. Isso dá uma visão ampla do trabalho de uma vinícola e pode funcionar como uma aula de vinho sobre uma região. Não estou falando que você precisa comprar todos os vinhos, mas usar como base de informação já vai dar uma boa ideia de estilo de produção e de origem.
As importadoras também são boas fontes de promoções, especialmente no início do ano, quando estamos todos ressacados das festas de dezembro, e em datas festivas do comércio como black friday (tá chegando!). As mesmas regras de safra e rolha devem ser aplicadas aqui. Algumas vezes as importadoras vendem vinhos a preços baixíssimos porque há algum defeito no rótulo ou a cápsula (aquele fechamento de metal em cima da rolha) está quebrada. Considero uma glória quando isso acontece.
Só não vale cair no conto da lista de WhatsApp com incríveis vinhos argentinos por um quinto do preço. É contrabando, e dos violentos
Há amigos corajosos que quando veem um vinho numa promoção muito atraente já compram caixas. Eu não tenho essa disposição. Prefiro fazer uma caixa mista, provar coisas diferentes e, se considero alguma descoberta um achado, corro para comprar mais. Claro, há risco de que o vinho não esteja mais lá.
Mas e como saber se aquele vinho barato é bom mesmo? Informação nessa hora é tudo. Se há um sommelier para te ajudar, não fique tímido ou envergonhado. Seja claro sobre o valor que pode e quer gastar e dê as informações que têm sobre a ocasião: é trabalho dele guiar o consumidor e não deve haver espaço para esnobismo – isso, na verdade, é meio coisa do passado.
Se não tem sommlier, use o celular. Uma rápida pesquisa sobre o rótulo ou o produtor ou a região ou a uva podem ser esclarecedoras. Grupos de WhatsApp com amigos que gostam de vinho tanto quanto você podem ajudar nessas horas. No meu, recebo fotos de prateleiras, informes sobre promoções e resenhas de achados – melhor até do que assinar newsletter de crítico.
Por fim, o sommelier independente que vende vinhos com curadoria própria, geralmente pautada por uma filosofia com que se identifica, pode ser um jeito muito interessante de aprender mais sobre uma corrente do vinho. É muito comum que esses profissionais mais estudiosos se encantem pelos orgânicos, naturais, biodinâmicos. Vale dar uma pesquisada para saber quem, na sua cidade, tem esse trabalho e seguir no Instagram. Quando der, recomendo testar.
No final das contas, comprar vinho é quase tão bom quanto beber vinho, porque é uma promessa de alegria. Há um certo frisson em comprar uma garrafa e imaginar o que há ali dentro. E, como você pode ver, há muitas opções e vale (quase) tudo. Só não vale cair no conto da lista de WhatsApp que aquele seu amigo mais metido descolou, com incríveis vinhos argentinos por um quinto do preço. Quando isso começou, muita gente se animou. Agora, com uma operação da Polícia Federal em curso, já sabemos de que se trata de contrabando, com todo o peso e a violência que esse tipo de crime carrega – se você achou que tá barato porque não tem imposto, na real é muito mais caro, como o “Fantástico” mostrou no dia 28 de agosto pode ter até morte no meio. Na minha humilde opinião não vale deixar seu vinho com nota de contrabando e violência.
Saca essa rolha
PARA PROCURAR NA LOJA ESPECIALIZADA
Aqui vale comprar o que as pequenas importadoras, que não costumam vender direto para produtor final, oferecem, além de brasileiros. O Família Cecchin Picum Blenc tinto orgânico é uma maravilha com churrasco. O Durigutti Proyecto Las Compuertas Criolla é apenas um sonho: parece um clarete de tão claro e leve, não traz nenhuma nota funky dos naturais, tem taninos fininhos e muito equilíbrio. Outro dia lembrei dos maravilhosos vinhos da vinícola chilena biodinâmica Koyle. Eles são muito bem feitos e trazem a filosofia de Rudolph Steiner como norte. O Syrah deles traz a nota de pimenta esmagada na hora que dá vontade de chorar. Vale provar ainda o Falernia Pedro Ximenez, também do Chile, um branquinho leve para ser feliz com os amigos, e o Descobre Doc Douro, fácil demais, redondinho e cheio de fruta.
DAS GÔNDOLAS DO SUPERMERCADO
A rede Oba tem vinhos muito interessantes de importação própria e vale um passeio atento em busca de rótulos que você nunca viu em outro lugar. Uma dica certeira é o Garnacha La Maldita, delicioso, cheio de cereja, redondinho e com aquele álcool que esquenta o corpo sem esquentar a garganta – ah, e sem falar no rótulo lindo e almodovariano. No St. Marché, vale dar uma chance para os vinhos da Quinta do Casal Monteiro, do Tejo. O Touriga Nacional Unoaked é muito chique. Se quiser gastar menos, vá na linha de entrada. No Pão de Açúcar, a dica é ficar de olho nos portugueses.
TENTE ESSES NA IMPORTADORA
Os maravilhosos vinhos da família Garcez y Silva, importados pela Mistral, trazem todos notas salinas que são típicas da influência do pacífico em Leyda. A linha de entrada, Boya, tem um Chardonnay fantástico e um Pinot Noir delicioso. Para comemorar, o Amayna Sauvignon Blanc, superaromático e igualmente equilibrado e salino na boca. Toda a linha de Alto las Hormigas vale demais e está na World Wine. Já os vinhos Latido de Sara branco e tinto só fazem grupos de amigos felizes, nunca vi outra coisa vindo deles. São alegres, frescos, fáceis; importados pela Belle Cave.
Isabelle Moreira Lima é jornalista e editora executiva da Gama. Acompanha o mundo do vinho desde 2015, quando passou a treinar o olfato na tentativa de tornar-se um cão farejador
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