Madonna cancelada é o novo normal?
Post da cantora fez muita gente nas redes pedir seu cancelamento, o que reacendeu o debate sobre a prática. Mas como seria seu descancelamento?
Seria possível cancelar a rainha do pop, que tanto fez pela liberação sexual de uma geração e usou sua fama para chamar atenção para questões políticas, bem mais de uma vez? Pois esse virou o debate da hora nos tribunais da internet nesta quarta, quando Madonna postou um vídeo defendendo o uso da hidroxicloroquina para a Covid-19. “A verdade irá nos libertar!”, disse ela, ao afirmar que a cura já existia – foi o mesmo vídeo postado antes por Donald Trump. Seu post foi classificado como “fake news” pelo Instagram e logo apagado por ela.
Não foi seu primeiro deslize: em março, ela surgiu numa banheira com pétalas dizendo que o coronavírus era “o grande nivelador” – ninguém entendeu, mas OK. “Bitch, she’s Madonna”. Ela apagou o post e a vida seguiu. Até recair no radar da indústria do cancelamento. Muitos defenderam a ídola, outros criticaram quem “passava pano”. E de repente décadas de carreira foram reduzidas a isso: cancelar ou não cancelar, eis a questão. Para quem começou o ano cancelando shows por problemas de saúde, acordar cancelada foi uma reviravolta.
Madonna segue em silêncio. Talvez assista a seu cancelamento imediato (e passageiro) de sua banheira com pétalas de rosa, esperando ser descancelada para seguir em frente. Mas o debate sobre esse traço tão central na cultura atual continuará: afinal, o que motiva o cancelamento instantâneo — esse novo normal — e o que pode ser feito para sair dele?
Cancelamento, descancelamento
Mundo afora, a ideia de cancelar celebridades ganhou força com o movimento #MeToo. Abrangente, a cultura do cancelamento é por vezes subjetiva. Alguém cancelado por um grupo de pessoas pode ser celebrado por outro. Há quem seja contra a cultura do cancelamento e há quem a defenda: a exposição pública da pessoa e a exigência de retratação podem ser importantes para enfrentar questões como racismo, machismo, homofobia.
Fato é que muitos dos cancelados conseguem navegar o tortuoso caminho da opinião pública e encontrar o perdão da sociedade — ou de parte dela. Afinal, quando cancelada, a pessoa (geralmente famosa) pode assumir diversas posturas, como já listamos na matéria “Os sete passos para o descancelamento”, da Gama.
Ignorar completamente o bafafá e continuar falando para os assim chamados “passadores de pano” – que, em muitas vezes, são a esmagadora maioria do público – é o caminho mais fácil. Calar-se e esperar a poeira baixar tende a funcionar para quem já é uma celebridade de fato, como já fizeram Robert Downey Junior e Kanye West.
Desculpar-se objetivamente, mesmo sem considerar o que fez errado também pode ajudar. Pedidos de desculpas podem causar um dano maior se soarem protocolares e insinceros. Mas quando as desculpas são bem fundamentadas, não terceirizam a culpa e parece haver um arrependimento real, o reconhecimento do erro se torna uma boa estrada para o descancelamento. Caso do comediante Jimmy Fallon, que se desculpou publicamente no Twitter – e parece que o público aceitou.
Dá ainda para se explicar – sem assumir um erro ou pedir desculpas. Foi o que fez a youtuber Natalie Wynn. Mudar de atitude (alterando o comportamento, o vocabulário, a forma de arte) está entre as opções. E tem quem opte pela mudança radical: dar uma reviravolta na carreira, adentrando o campo do enfrentamento político, defendendo causas louváveis para se reinventar em seu papel de personalidade pública. Vale tudo para ser descancelado e voltar às graças da audiência virtual.
Há um mês um grupo de influentes artistas assinaram uma carta publicada na revista Harper’s criticando a cultura do cancelamento. Entre elas estava J. K. Rowling – que havia sido “cancelada” por parte de seu público (de leitores de Harry Potter) por comentários tidos como transfóbicos. Vários dos signatários então demonstraram incômodo, dizendo que não sabiam da presença da escritora na lista. Mesmo contra o cancelamento, eles se puseram contra a cancelada. Hipocrisia? Ou medo de ser cancelado ao pedir o fim da cultura do cancelamento?
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Quem tem medo do cancelamento, por Christian Dunker
Sete passos para o descancelamento