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ConversasRegina Madalozzo: “A economia perde quando uma mulher sai do mercado de trabalho por falta de reconhecimento”
Economista lança livro em que elenca os preconceitos e obstáculos que profissionais mulheres ainda enfretam, e os impactos na economia
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Regina Madalozzo: “A economia perde quando uma mulher sai do mercado de trabalho por falta de reconhecimento”
Economista lança livro em que elenca os preconceitos e obstáculos que profissionais mulheres ainda enfretam, e os impactos na economia
O leque de opções profissionais e educacionais para mulheres de diferentes realidades varia significativamente. Assim como as oportunidades de crescimento no mercado de trabalho para mulheres e homens, como mostra a economista Regina Madalozzo em “Iguais e Diferentes: Uma jornada pela economia feminista” (Zahar, 2024, 245 págs., R$ 89,90), que acaba de ser lançado. “Economistas adoram falar que as pessoas escolhem, que a gente tem muitas escolhas individuais e livres”, diz Madalozzo a Gama. “Mas as escolhas não são baseadas na mesma estrutura.”
No livro, a autora, que pesquisa o tema da economia feminista há mais de 20 anos, analisa os impactos causados por diferentes obstáculos, como o preconceito de gênero, o direito ao aborto e a segregação educacional. Ela também aborda a discriminação por parte de empregadores em relação às profissionais que são mães, demonstrando que a licença remunerada de uma mulher que se torna mãe não traz prejuízos financeiros às empresas. “Uma parte bastante significativa da sociedade não sabe que, quando uma mulher recebe a licença-maternidade, a empresa não paga. Quem paga é a Previdência Social, é o governo”, explica.
A partir de dados divulgados pelo Ministério do Trabalho, sua pesquisa mostra que, no recorte de um ano, a diferença nas ausências entre homens e mulheres no trabalho é mínima (2,5 dias), mesmo considerando as que viraram mães. “Ainda assim, permanece o preconceito contra as mulheres no mercado de trabalho com base na licença-maternidade”, diz.
Julia Mataruna
Economista e professora do Insper durante quase duas décadas, mestre pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Ph.D. pela Universidade de Illinois, além de ter formação em psicologia sistêmica, Regina Madalozzo explica, com a clareza que a docência e os anos de pesquisa lhe trouxeram, o que a economia do país e as mulheres perdem com o preconceito e a ausência de políticas públicas adequadas, especialmente para profissionais que também são mães. Confira.
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G |Qual a definição de economia feminista e no que ela difere da economia tradicional?
Regina Madalozzo |Da mesma forma que são vários jeitos de encarar o feminismo, e o que tem em comum é que a gente gostaria que as mulheres tivessem as mesmas oportunidades, os mesmos direitos, os mesmos deveres; é a mesma coisa quando você traz para a questão da economia feminista. Ela vem falar da necessidade de ampliar o olhar para o fato de que existem indivíduos diferentes nesta sociedade, que passam por situações onde as escolhas que eles fazem não são baseadas na mesma estrutura. Como é que eu posso dizer que uma mulher que não trabalha no mercado de trabalho escolheu isso? O quanto foi uma escolha e o quanto ela foi socialmente levada a fazer? Sobre a discussão de economia do cuidado [o trabalho relacionado ao cuidado de crianças, idosos, doentes e outros dependentes e que, na maioria das vezes, é desempenhado por mulheres, sem remuneração ou reconhecimento], que se diz que as mulheres devem fazer os homens participarem das tarefas domésticas. O discurso é lindo, mas como a gente faz isso? A economia feminista é um jeito de olhar para as questões de economia com uma visão mais ampliada.
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G |No livro você fala muito da ideia de escolha das mulheres a partir de uma lente mais ampla, relacionada a diferentes fatores. Como isso se dá?
RM |Sim. Economistas adoram falar que as pessoas escolhem, que a gente tem muitas escolhas e que as escolhas são individuais e livres. Mas a escolha não é individual, ela é cultural; ela não é livre, ela é condicionada. A escolha que eu tenho não é a que a moça que trabalha na minha casa tem. Nós duas temos escolha, mas o leque que a gente tem é muito diferente. Então eu não posso dizer que ela escolheu certas coisas e eu outras, porque eu não sei o que ela escolheria se estivesse no meu lugar; e eu não sei o que escolheria se estivesse no lugar dela. E eu estou falando de duas mulheres, imagina quando amplio e incluo os homens.
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G |Tivemos uma maior entrada das mulheres no mercado a partir dos anos 1970 no Brasil. É possível mensurar a contribuição delas para o desenvolvimento econômico do país e o que se perde com a ausência delas?
RM |Existem alguns estudos que mostram essa contribuição, não necessariamente da década de 1970. Há um estudo da McKinsey, relacionado ao PIB, que estimou qual seria o impacto mundial se aumentássemos a participação das mulheres no mercado de trabalho. E é gigantesco, uma contribuição que poderia adicionar US$ 12 trilhões de dólares à economia global. Essas mulheres que estão sem participar do mercado de trabalho são uma mão de obra que a gente investiu de alguma forma em educação, em treinamento, elas têm capacidade. E o trabalho delas é dispensado. Um outro problema grave quando eu falo sobre discriminar mulheres é alocar muito mal a capacidade delas. Por exemplo, uma mulher que fez um curso superior e está numa grande empresa trabalhando. Quando ela começa a perceber que não é promovida da mesma forma que os colegas, que ganha menos, que é tratada de uma forma diferente, ela sai e decide se tornar empreendedora. É um direito dela, nada contra o empreendedorismo, mas a economia como um todo perde porque não necessariamente essa é a melhor alocação dessa mulher. Tem um outro estudo, que foi um aluno meu de mestrado que fez, mostrando que em cidades e municípios brasileiros onde tem mais discriminação de salário contra as mulheres, você tem um menor crescimento do município. E por quê? Porque as mulheres são alocadas em lugares que não é onde elas melhor trariam contribuição.
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G |Em uma pesquisa realizada com uma colega, você investigou o preconceito das empresas em relação à licença-maternidade e concluiu que esse preconceito é inconsistente em termos de custos. Quais foram as principais descobertas dessa pesquisa?
RM |Uma das coisas que me deixam muito chocada é que uma parte bastante significativa da sociedade não sabe que, quando uma mulher recebe a licença-maternidade, a empresa não paga. Quem paga é a Previdência Social, é o governo. As pessoas acham que a empresa paga o salário da mulher nesse período. Não, ela não paga. Há um limite para esse pagamento, que é de 40 mil reais/mês — o salário do ministro do Supremo. Quantas mulheres no Brasil ganham mais do que isso? A empresa desembolsa o salário para a mulher e desconta esse valor do que ela tem que pagar de imposto. Então, a empresa não gastou a mais do que gastaria para pagar o imposto que deve. Outro ponto importante é que as mulheres hoje em dia no Brasil têm um número muito menor de filhos do que no passado. Estamos com uma taxa de natalidade abaixo da taxa de reposição [segundo o Banco Mundial, em 2020 a taxa de fertilidade era de 1,65], o que significa que, na média, as mulheres não estão tendo dois filhos. Ainda assim, se elas tiverem dois filhos, elas vão ficar afastadas por um ano, no máximo, ao longo da vida inteira de trabalho, que é de mais de 35 anos. Como é que a gente pode achar que isso é um exagero? É muito pouco tempo.
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G |Vocês identificaram também que o tempo que as mulheres se ausentam do trabalho, na média, é muito semelhante ao dos homens – mesmo com a licença-maternidade. Poderia explicar essa constatação?
RM |Sim, o argumento derradeiro dessa pesquisa que fiz com a Adriana Carvalho é que, quando a gente vai olhar o número de dias que as mulheres e os homens ficam afastados do mercado de trabalho, esse número é muito parecido. A partir dos dados da Rais (Relação Anual de Informações Sociais) de trabalhadores formais durante o período de um ano (2017), a gente contou o número de faltas que cada pessoa teve. Fizemos uma conta de homens e mulheres e tiramos a média. Sabemos que algumas mulheres dessa amostra tiraram licença-maternidade, então ficaram afastadas de 4 a 6 meses. Os homens, se eles tiveram licença-paternidade, foi de 5 a 20 dias. Só que, quando a gente olha na média, a diferença entre as ausências de homens e mulheres ao longo de um ano é de, no máximo, 2,5 dias (eles têm uma média de 13,5, e elas, de 16 dias). Isso quando elas têm menos de 40 anos, porque quando completam 40, mesmo com a licença, os homens passam a se afastar mais do que elas.
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G |Os estudos da economista Claudia Goldin, Nobel de Economia em 2023, mostram que o nascimento de filhos cria uma diferença salarial entre homens e mulheres que raramente é recuperada. Diante disso, surge o discurso de que cabe à mulher equilibrar a maternidade e a carreira. Como você observa essa perspectiva?
RM |Como algo muito injusto, porque a gente está tendo que tomar alguns comportamentos estratégicos, e algumas empresas, inclusive, incentivam isso, porque elas pagam para você congelar óvulos — e tudo bem se você decidiu que quer ter filhos mais tarde. Isso é uma escolha. Agora, e se eu escolho ter um filho mais tarde porque, se for agora, eu nunca mais vou conseguir chegar no cargo que o meu colega homem, que também teve filho, conseguiu chegar? Acho muito difícil não ser feminista escutando isso porque como é que você justifica que, só pelo fato de eu ter nascido mulher, é justo que eu tenha que ter esse tipo de pensamento? Vejo que essa questão de a gente adiar a maternidade, ou usar estrategicamente uma data, tem a ver com algo que parece que nunca passou pela cabeça dos homens. Então, aquela mulher que fica grávida em um momento inesperado, ou que aos 25 anos terminou a faculdade, fez o mestrado e quer ter um filho, quer ser mãe jovem. Por que elas vão ser punidas pela escolha que fizeram? Ela não falta mais dias de trabalho que os colegas, continuou se dedicando, então é pelo preconceito que a sociedade tem a respeito do trabalho dela que ela não pode ter filhos cedo? Esse não é um problema dela, é um problema social, é um problema da empresa.
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G |A diferença salarial hoje no Brasil entre homens e mulheres é de 15%, em média. Quais os principais fatores que levam homens e mulheres, num mesmo cargo, a terem essa diferença?
RM |Houve muita resistência à legislação que estabeleceu novas diretrizes para promover a igualdade salarial entre mulheres e homens [Lei nº 14.611, de 3 de julho de 2023]. Esse é um problema de política pública que acaba prejudicando o próprio crescimento do país. Existem faixas salariais, e acho justo que não haja um valor fixo para todos, pois isso permite considerar fatores como tempo de empresa ou ter margem para contratar profissionais que vêm de outras empresas. Agora, quando analisamos essas faixas e vemos que, em média, as mulheres estão sempre na parte inferior, enquanto os homens estão na superior, fica claro que algo está errado. Há diversas suspeitas e se comenta bastante que as mulheres aceitam salários menores. Tenho muito cuidado ao falar disso, pois não acredito que as mulheres aceitam ganhar menos porque gostam de receber pouco. A gente aceita um salário menor porque o oferecem e achamos que é isso mesmo. Conversando com minhas alunas no Insper, cheguei à conclusão que muitas delas tinham medo de ficar sem emprego, de disputar uma vaga com homens e não serem contratadas. Por isso, quando recebem uma oferta, elas aceitam prontamente. Uma outra fonte muito grande de diferença salarial e principalmente para cargos mais altos é a bonificação. Porque o bônus no geral é subjetivo, não tem a ver com volume de trabalho. Então é ali que se cria uma grande disparidade.
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G |E na questão racial, como essa diferença de remuneração aparece?
RM |O problema é muito mais grave do que parece à primeira vista. Se olharmos o Relatório Empresarial de Igualdade Salarial do governo federal, observamos que, em média, para alguns cargos, os homens negros ganham menos do que as mulheres brancas. É como se existisse uma hierarquia: primeiro os homens brancos, depois as mulheres brancas, seguidos pelos homens negros, e, por fim, as mulheres negras. Essa interseccionalidade de gênero e raça é extremamente preocupante. Não acredito que os departamentos de RH deliberadamente decidam pagar menos às pessoas negras, mas essas pessoas muitas vezes não têm acesso aos mesmos processos seletivos. Isso ocorre, entre outras coisas, porque algumas universidades têm pouquíssimos estudantes negros e alguns processos seletivos só aceitam candidatos de determinadas universidades. Então tudo isso leva a essa diferença. Existem várias mulheres negras com alta escolaridade que não têm as mesmas oportunidades que as mulheres brancas. Estou falando daquelas que, apesar de qualificadas, não ocupam os lugares que poderiam. Vejo pessoas negras escolarizadas, que falam inglês, que já moraram no exterior [e que são preteridas]. Um exemplo positivo foi a iniciativa do Magazine Luiza de realizar um processo seletivo só para pessoas negras. Nesse caso, encontraram candidatos muito mais qualificados do que nos processos seletivos abertos a todos. Isso demonstra que essas pessoas existem, mas muitas vezes não aparecem.
- “Iguais e Diferentes: Uma jornada pela economia feminista”
- Regina Madalozzo
- Zahar, 2024, 245 págs.
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