Alexandre Coimbra Amaral: "A ansiedade nos retira do presente" — Gama Revista
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Isabela Durão

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Conversas

Alexandre Coimbra Amaral: "A ansiedade nos retira do presente"

Psicólogo, autor, podcaster e palestrante afirma que a emoção virou modus operandi de toda a sociedade contemporânea e que a tecnologia foi um disparador desse novo modelo

Isabelle Moreira Lima 07 de Julho de 2024

Alexandre Coimbra Amaral: “A ansiedade nos retira do presente”

Isabelle Moreira Lima 07 de Julho de 2024
Isabela Durão

Psicólogo, autor, podcaster e palestrante afirma que a emoção virou modus operandi de toda a sociedade contemporânea e que a tecnologia foi um disparador desse novo modelo

A ansiedade é uma emoção primordial para a existência humana, ela nos dá a capacidade de projetar futuros, é o que nos faz levantar da cama e começar um novo dia. Mas o que acontece quando ela cresce e passa a ser uma regra? No mundo acelerado em que vivemos hoje, a ansiedade saiu do hall das emoções para se tornar um modus operandi, o modo de vida mais comum na sociedade contemporânea. O diagnóstico é do psicológo Alexandre Coimbra Amaral, autor de “Toda Ansiedade Merece um Abraço” (Paidós, 2023).

Em entrevista a Gama, ele fala sobre como a tecnologia deslocou a ansiedade de lugar de importância na nossa vida ao permitir que façamos muitas coisas ao mesmo tempo: almoçamos assistindo a vídeos, lavamos louça ouvindo podcasts, trabalhamos enquanto resolvemos problemas pessoais. “Tem um verbo horroroso para isso: otimizar o tempo. Esse verbo é uma tragédia, porque traz esse imperativo de sempre acumular mais tarefas. O resultado disso é um burnout para chamar de seu”, afirma.

O mecanismo da ansiedade age ao nos retirar do presente e nos jogar em cenários futuros próximos à catástrofe. Isso faz com que soframos imaginando situações terríveis: estou bem no trabalho, mas algo pode acontecer e eu posso ser demitido a qualquer momento; estou aqui com uma pessoa de quem gosto, mas não consigo tirar da cabeça um problema que preciso resolver. Para Coimbra Amaral, quando nos vemos numa situação como esta, é preciso quebrar com esse sistema ansioso por meio de uma atividade física ou de algo que sirva como um botão de “reiniciar” do computador.

 Divulgação

O psicólogo, autor, podcaster e palestrante também sugere que se inclua nos dias momentos de prazer que sejam genuínos e que não sejam vividos na totalidade de nossa atenção, sem “multitasking”. E também recomenda que repactuemos, em nossas relações, a diferenciação do que é urgente e do que é ansiedade. “A pessoa que é mais ansiosa vai tomar tudo como urgência”, diz na entrevista que você lê abaixo.

A ansiedade é o resultado de uma forma de vida acelerada, centrada em produtividade, que desconsidera o processo e só se interessa pelo resultado

  • G |Na época da pandemia se falou muito no novo normal, expressão que ficou até desgastada. Mas seria a ansiedade o nosso novo normal pós-pandemia?

    Alexandre Coimbra Amaral |

    A ansiedade sempre foi normal na existência humana. Não existe nenhuma vida sem ansiedade. Um pouco de ansiedade é necessário para a vida acontecer porque tem a ver com a nossa capacidade de sonhar, de projetar futuros, de ser relembrado por coisas. Por exemplo, quando o despertador toca e a gente sabe que vai ter que levantar e enfrentar o dia, tem um pouco de ansiedade nessa história, mas também é o que faz levantar a gente da cama. Tem a ansiedade boa, naquele momento em que você sente borboletas na barriga porque vai encontrar um crush. O problema é que ela está deixando de ser um evento da vida para ser o modo de funcionamento da nossa época. A ansiedade é o resultado de uma forma de vida acelerada, centrada em produtividade, que desconsidera o processo, que só se interessa pelo resultado, que não valoriza o durante. O que conta é o que eu consegui produzir hoje. O tempo inteiro as identidades estão alicerçadas nessa sensação de que tudo pode se perder. É isso que o Bauman fala lá no “Modernidade Líquida”. A sensação é que está tudo meio erodindo, tudo se liquefazendo. Então, eu posso ter uma história maravilhosa dentro de uma empresa, se eu não for um líder que leva a minha equipe a bater a meta, eu posso perder o emprego. Isso pode ser uma ameaça real ou imaginária, mas gera ansiedade.

  • G |Estamos hoje tão cansados por que estamos ansiosos?

    ACA |

    A aceleração da vida faz com que a gente tenha muito mais a fazer do que horas úteis no dia. Sempre vamos dormir com a sensação de que não cumprimos, de que há um saldo devedor para o dia seguinte. Isso está, por exemplo, envolvido nas insônias. Não consigo dormir porque não tenho paz interna para descansar, para me entregar ao sono, porque eu sou essa máquina que está o tempo inteiro com débitos existenciais, com preocupações. E o discurso inteiro é construído na minha impossibilidade de descansar. Então, se eu descanso, eu não sou uma pessoa focada. Meu concorrente está estudando, trabalhando, maratonando, correndo num clube de corrida. Com o corpo no shape, o meu não está. A ansiedade está produzindo o burnout como o resultado final desse estilo de vida.

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  • G |Como é que a gente chegou nisso? Há um ponto de virada ou é algo que veio escalonando?

    Alexandre Coimbra Amaral |

    Certamente a pandemia ajudou. A ansiedade está relacionada à imprevisibilidade e ali nós perdemos a previsibilidade da vida, não podíamos mais fazer as coisas que sempre fizemos, ir na casa da avó, encontrar os amigos, ir à escola, ao escritório. Além disso, tinha uma doença que poderia matar, não sabíamos se íamos pegar o curso leve ou grave da covid, era uma loteria. Ainda estamos recuperando a saúde mental pós-pandemia. Agora, a aceleração é uma tendência da sociedade desde o final do século passado e tem a ver com tecnologia. Ela faz com que eu consiga fazer mais coisas simultaneamente, o que não era possível antes. A tecnologia permitiu que eu tivesse diversas conversas simultâneas, diversas janelas no computador abertas, diversas coisas ao mesmo tempo: trabalhar e assistir a filmes, lavar louça e ouvir podcasts, estudar e pagar conta. E tem um verbo horroroso para isso: otimizar o tempo. Esse verbo é uma tragédia, um horror, porque ele traz esse imperativo de sempre acumular mais tarefas. O resultado disso é um burnout para chamar de seu.

  • G |No seu livro, você fala da ansiedade do dia a dia, apresentada como uma emoção, e nos lembra que não controlamos nossas emoções. Mas quando a ansiedade deixa de ser emoção para se transformar em doença? E o que fazer para isso não acontecer, se não conseguimos controlá-la?

    ACA |

    Nenhuma doença mental tem a ver com um elemento só, não é possível considerar uma única causa. Não tem a causa da depressão, por exemplo. As questões da mente são multifacetadas, uma mandala de elementos que convergem para um processo de adoecimento. Admitimos até que não temos condição de nomear todos os elementos. Tem fator genético, ambiental, tem a ver com o trabalho, com o luto, com a preocupação com o filho. Trabalhamos mais com os fatores intervenientes, que jogam a favor do aparecimento de uma doença mental. Dito isso, a ansiedade, sim, é uma emoção e ela nos leva para o futuro. A ansiedade retira a gente do presente. Ela é preocupante quando a pessoa não consegue voltar desse futuro de catástrofe. O filho está querendo brincar com a mãe, mas ela está tão preocupada com o boleto que tem que pagar no dia seguinte que não consegue brincar com o filho. Ela consegue o dinheiro, paga a conta, mas a cabeça dela não consegue mais estar aqui brincando com o filho. A ansiedade tem a ver com a nossa forma de vida. Corpo e alma já estão ligados numa velocidade que não conseguimos desligar.

A notificação do celular é a ideia encarnada de que estamos devendo algo para alguém

  • G |E como sair desse ciclo?

    ACA |

    Tem que diminuir a simultaneidade das tarefas, diminuir uso e consumo de tela, diminuir acesso a notícias que deixam ansioso, porque basta 15 minutos, a extrema-direita ganha na França, tem guerra na Ucrânia, pronto, o mundo acabou, a Amazônia não tem mais, 15 minutos de lendo o portal e você já acabou a sua vida. E é preciso também abrir espaço para o prazer. Mas o prazer não como uma coisa “todo fim de semana eu vou comer uma tortinha de brigadeiro” e aí bota lá a hashtag “autocuidado”. Não adianta nada. É ter ao longo do dia experiências que cortem com essa lógica. E precisa também de uma negociação, porque não é uma coisa só individual. Tem que ter uma conversa no ambiente de trabalho para que as pessoas não tenham que ficar nessa pira o tempo inteiro. OK, tem aquele dia que está mais difícil e todo mundo trabalha muito, mas não pode ser assim 365 dias no ano, senão você vai ter uma equipe doente. Eu não sei o que eu faço com tanta gente pedindo atestado com depressão, com burnout, com ansiedade, com pânico. Precisamos criar brechas ao longo do dia para o prazer entrar. Cada um vai ter a sua experiência de prazer: uma boa conversa, ficar quieto, fazer um exercício, correr.

  • G |Hoje em dia a diferença entre urgência e ansiedade está um pouco confusa, perdemos a noção do que é urgente. Como retomar o sentido dessa palavra pode nos ajudar a lidar com a ansiedade do cotidiano?

    ACA |

    Primeiro, negociar isso com o outro. Falar assim, isso é realmente urgente? Porque eu não posso te responder agora, a menos que seja muito urgente. Se o outro responde que é, você dá espaço. Se você dá esse espaço e é uma bobagem, você tem que falar: “precisamos definir melhor o que é urgência”. Ao mesmo tempo, o paradoxo é que a gente pede menos ajuda hoje porque sente que está todo mundo nesse mesmo fluxo. Então, na hora que eu realmente preciso de ajuda, eu falo assim: para que eu vou incomodar as pessoas? Está todo mundo na sua loucura. Quanto mais damos limite entre a urgência e a ansiedade, mais construímos um mundo que acolhe. Essa quantidade de urgências que não são urgentes estão banalizando os pedidos de apoio, banalizando os momentos em que a gente realmente poderia se disponibilizar para o outro, ser útil e ser importante para a vida do outro.

  • G |O que você acha de piadas e memes da internet que fazem humor com esse espírito ansioso? Será que isso tem algum tipo de efeito psicológico bom ou ruim?

    ACA |

    O humor existe como uma forma também de mostrar o nosso ridículo. Quando um humorista faz um cartoon, ele não tem como identificar que aquilo vai ser gatilho para alguém. Muitas mães me disseram que seus filhos, crianças, tiveram crises de ansiedade durante o “Divertida Mente 2”. Este filme não poderia ser feito? Não acho que devamos deixar de falar, de fazer humor, mas a pessoa precisa ter consciência de que se ela tiver uma crise, ela precisa pedir ajuda. Na hora que acontecer isso, em vez de falar “que nada, que bobagem, é só um desenho”, dizer “como eu posso te ajudar?”.

  • G |O livro “Geração Ansiosa”, do Jonathan Haidt, nem foi lançado ainda no Brasil mas já causou um rebuliço tremendo e associações de pais têm se formado para discutir e restringir o uso de celular e redes sociais por crianças e adolescentes. Como vê essa mobilização?

    ACA |

    Acho importantíssimo. É inegável que as telas fazem parte da vida das crianças, é incontrolável esse movimento. Mas tem que fazer a campanha de tela zero na escola porque é um espaço protegido para eles poderem viver a vida em outra esfera de relação. Nas escolas que estão conseguindo fazer tela zero, as crianças estão voltando a brincar. Antes, era cada um no seu smartphone, jogando jogo online, um do lado do outro, no recreio. As escolas estão proibindo a tela e as crianças estão voltando a conversar. Da escola para fora, a gestão é de cada família. Mas existem espaços coletivos que precisam ter critérios comuns, como a escola, um lugar para a gente aprender a se relacionar também. O problema é que a tela dificulta a cognição e a atenção. Eu preciso estar atento para conseguir reter a matéria. O objetivo final da escola é incompatível com a presença de tela.

  • G |Apesar dessa movimentação anticelular para os jovens, os adultos falam pouco sobre reduzir seu próprio uso.

    ACA |

    Ah, sim! Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.

  • G |Acha eles poderiam também rever seu comportamento? O celular é um gerador de ansiedade?

    ACA |

    Sem dúvida, porque a notificação do celular é a ideia encarnada de que estamos devendo algo para alguém. Não vimos ainda todas as mensagens, todos os e-mails, todas as promoções que chegaram no aplicativo da loja, todas as notícias do banco sobre a conta, todas as séries que todo mundo comenta. Diminuir o tempo do celular é você dizer “eu não quero escutar o que você tem a me dizer agora” e nós também temos que fazer isso. E não adianta dar aquela maquiada na frente das crianças e falar “isso aqui é trabalho” porque a gente também precisa fazer as nossas concessões em nome da convivência.

A projeção da ansiedade sobre o outro também é enlouquecedora para as pessoas que estão perto

  • G |A ansiedade pode ser parte da personalidade de uma pessoa? Como identificar que essa ansiedade passou em um limite aceitável?

    ACA |

    Sim, pode ser parte de uma pessoa. Todas as pessoas são fruto de uma história que as deixam mais vulneráveis e suscetíveis a ficar mais ansiosas. É a relação dessa pessoa com o mundo e com o tempo. Se ela teve uma experiência em que ficou o tempo inteiro sendo pressionada a cumprir tudo no exato momento ou seria castigada, ela pode desenvolver uma maior ansiedade com o tempo. Existem pessoas com mais predisposição a isso, mas, de novo, é questão de discernir a urgência da ansiedade. A pessoa que é mais ansiosa vai tomar tudo como urgência. E o que se pode fazer? Cada pessoa vai ter a sua via. Por exemplo, eu, Alexandre, saio para correr. Quando eu estou muito ansioso, eu saio, dou uma corrida e aquilo dá um break no circuito ansioso do corpo, eu volto melhor.

  • G |Essa é a sua janela de prazer?

    ACA |

    Não, isso é outra coisa, é um instrumento para lidar com a ansiedade na hora em que ela chega, para você não ficar projetando no outro essa ansiedade, transformando tudo em urgência. Eu encontro estratégias cotidianas acessíveis a mim e das quais faço uso para não saturar as minhas redes, para não fazer com que as pessoas fiquem enlouquecidas na minha presença. A projeção da ansiedade sobre o outro também é enlouquecedora para as pessoas que estão perto.

  • G |Mas se a ansiedade afeta todos nós, por que não lidamos bem com a ansiedade do outro?

    ACA |

    A ansiedade ainda é uma emoção que traz muita vergonha. Se você pensa na cara da ansiedade do “Divertida Mente”, é uma cara de louca, certo? É importante falar dessa história de não julgar a ansiedade do outro. Estamos no tempo em que a dor fica sempre escondida. Eu dou um scroll no meu celular e a grama do outro é muito verde, está todo mundo na Ilha de Caras. Não tem ninguém com uma cara ansiosa ali no Instagram, está todo mundo com filtro, sem poro, sem ruga, com barriga de tanquinho. Não tem ninguém com pereba, banha e olheira. É preciso de um exercício de mais compreensão no sentido de mais autoconsciência, em primeiro lugar, eu também estou nisso, isso faz parte da cultura, todos estamos inseridos nesse funcionamento, mas também eu posso construir uma experiência coletiva mais saudável se, quando eu tiver uma pessoa ansiosa na minha frente, eu apoiá-la ao invés de julgá-la.

  • G |Qual é a solução para os ansiosos no dia a dia? As pessoas não vão parar de usar celular, os compromissos não vão diminuir…

    ACA |

    Solução não existe. O que a gente precisa desenvolver para lidar com ansiedade é flexibilidade, porque a ansiedade, de uma certa maneira, nos enrijece. Ela diz assim: “Já deu ruim, já deu ruim, já deu ruim”. E se acreditamos nessa voz, entramos numa perspectiva de rigidez com a vida. Tanto a flexibilidade física, tipo exercício, alongamento; quanto a flexibilidade mental, aprender coisas novas, sentir que é possível recomeçar quando não vamos bem em algo. Flexibilidade no sentido de que não está tudo perdido. Não é só viver, é contar para si mesmo uma história contrária à da ansiedade.

Produto

  • Toda Ansiedade Merece um Abraço
  • Alexandre Coimbra Amaral
  • Paidós
  • 192 páginas

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