Em tempos de temperaturas extremas, o protetor solar basta? — Gama Revista
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Ilustração de Isabela Durão

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Reportagem

Em tempos de temperaturas extremas, o protetor solar basta?

A resposta é um retumbante não. Para proteger bem a pele, é necessário usar filtro no corpo e no rosto, roupas e acessórios com proteção UV, ficar na sombra e se expor ao sol com cautela e sabedoria

Ana Elisa Faria 05 de Janeiro de 2025

Em tempos de temperaturas extremas, o protetor solar basta?

Ana Elisa Faria 05 de Janeiro de 2025
Ilustração de Isabela Durão

A resposta é um retumbante não. Para proteger bem a pele, é necessário usar filtro no corpo e no rosto, roupas e acessórios com proteção UV, ficar na sombra e se expor ao sol com cautela e sabedoria

O dress code da praia mudou. Os biquínis e as sungas não são mais os trajes principais indicados para curtir um tempo à beira-mar. Hoje, o código de vestimenta praiano inclui roupas e acessórios com proteção UV. Vendedores de picolé, caldinho, água de coco, biscoito Globo, abacaxi e afins que o digam. Caminhando por orlas marítimas, avistamos trabalhadores e trabalhadoras cobertos dos pés à cabeça. Esses são alguns dos sinais de um planeta em aquecimento, e a pele, nosso maior órgão, está na linha de frente desse impacto.

Segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), 2023 foi o ano mais quente da história, com eventos climáticos extremos que desafiam a nossa capacidade de adaptação — e, conforme projeções do centro Copernicus, 2024 deve superar esse recorde. Em meio a temperaturas que atingem mais de 40ºC e sensação térmica que ultrapassa os 50ºC em alguns locais, com no Rio de Janeiro, nos proteger do sol não é apenas uma opção acertada, tem de ser encarada como uma necessidade diária urgente.

O câncer de pele não melanoma é, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA), o tumor maligno mais incidente no Brasil, representando 31,3% dos diagnósticos. Esse cenário alarmante reforça a urgência da adoção de medidas de prevenção. Como, então, podemos cuidar da pele em tempos de mudanças climáticas?

A resposta vai muito além do protetor solar que passamos no corpo e no rosto e que, inclusive, já deveria ser considerado um item básico. Tanto que a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) defende a criação de políticas públicas para facilitar o acesso à proteção solar no país e reduzir os casos de câncer de pele.

Além do clássico “use filtro solar”

Especialistas ouvidos pela Gama explicam que a destruição da camada de ozônio, que contribui para o aquecimento global, faz aumentar a quantidade de radiação ultravioleta que chega à superfície da Terra, tornando a pele mais vulnerável a doenças e ao envelhecimento precoce. Com isso, os profissionais comentam que só o creme ou o gel que usamos como protetor não é o suficiente para aplacar os efeitos do sol. Ele é imprescindível, mas o cuidado precisa ser ainda maior.

É fundamental passar o protetor e também se valer de outros mecanismos com proteção UV

“O chapéu, uma camiseta, uma blusa que cubra o pescoço, que é uma área difícil de regenerar, agem como protetores. É fundamental passar o protetor solar e também se valer de outros mecanismos com proteção UV”, diz Samira Yarak, professora associada do departamento de dermatologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Comportamento comum do brasileiro sobretudo nas férias de verão, ir à praia ou à piscina para ficar horas e horas em cima de uma canga torrando no sol não é aconselhado atualmente. Nunca foi, na realidade, mas antigamente — não há muito tempo — as informações a respeito dos danos à saúde eram escassas.

Além disso, o primeiro protetor solar só chegou ao país em 1984 e apenas com FPS (Fator de Proteção Solar) de 4, 8 e 15, quando o mínimo recomendado para todas as peles é o de 30. “No caso de pessoas de pele clara, olhos claros, com maior risco de desenvolvimento de câncer de pele, o ideal é utilizar protetores com FPS maior, entre 50 e 70”, enfatiza a doutora Thais Buffo, assessora do departamento de oncologia cutânea da SBD.

A dermatologista Katleen da Cruz Conceição indica ficar debaixo do guarda-sol, com um chapéu, e passar e repassar o protetor. Atente-se: aplique o produto 30 minutos antes de sair de casa. Se transpirar muito, a reaplicação deve ocorrer a cada duas horas — caso não, de três em três horas — e logo após o mergulho. “Toda vez que entrar na água, é importante se secar e reaplicar o protetor solar”, recomenda. Por garantia, fala a professora Samira Yarak, mesmo os que se dizem à prova d’água precisam ser reaplicados após o tibum.

A pessoa que escolheu o sol agora não terá danos imediatos. Os problemas aparecerão daqui a três, quatro, cinco meses, às vezes até um ano depois

Conceição dá uma dica para quem não tiver condições financeiras de investir em vestimentas com proteção UV. “Usar um chapéu comum bem fechadinho e vestir uma camiseta preta ou branca já ajudam a proteger a pele de forma física.”

Ela lembra ainda que a exposição cumulativa à radiação é uma das principais causas do câncer de pele, que pode levar décadas para se manifestar. “A pessoa que escolheu o sol agora não terá danos imediatos. Os problemas, como ressecamento, manchas, melasma e rugas, aparecerão daqui a três, quatro, cinco meses, às vezes até um ano depois”, afirma. Já o câncer, desenvolve a médica, aparece anos mais tarde, após vários verões sob o sol forte sem proteções.

Apesar do aumento do conhecimento sobre os danos causados pela radiação solar, comportamentos de risco ainda são comuns, como a citada exposição prolongada ao sol sem proteção adequada. Soma-se a isso a propagação de mentiras que vêm sendo disseminadas. “Há um mito antigo de que a pele negra não precisa de protetor solar, mas isso é falso. Pessoas negras também estão sujeitas ao câncer de pele”, pontua Conceição.

A pele negra, ensina a dermatologista, tem uma fotoproteção maior por causa da melanina. “Mas não quer dizer que negros não têm câncer de pele. E, além do mais, é um tipo de pele mais propenso a manchas e ao melasma”, frisa.

Tecnologia protetora

Outra preocupação crescente é com a luz visível — a radiação solar que traz a claridade, ou grosso modo, é a iluminação que conseguimos ver —, que também impacta a saúde da pele.

Mauricio da Silva Baptista, professor titular e chefe do departamento de bioquímica da Universidade de São Paulo (USP), destaca que metade da energia solar é emitida como luz visível e que, muitas vezes, os protetores comuns, a grande parte dos que encontramos hoje nas prateleiras das farmácias, não protegem contra ela. “Para isso acontecer, são necessárias inovações nos produtos”, aponta.

Um dos problemas centrais, menciona Baptista, é que, passando o protetor, as pessoas se sentem 100% protegidas e, consequentemente, abusam do tempo embaixo do sol. “Com o filtro, elas podem estar protegidas contra a radiação ultravioleta, mas não contra a luz visível.”

Os avanços tecnológicos nos protetores passam pela inclusão, nas fórmulas, de elementos que, juntos, cheguem ao que é conhecido como filtro de amplo espectro, capaz de mitigar os danos causados tanto pela luz visível quanto pela radiação ultravioleta. Produtos assim já estão disponíveis no mercado, basta procurar o termo na embalagem, segundo orienta o cientista, que faz pesquisas de referência na área.

Baptista evidencia, no entanto, que a exposição ao sol não deve ser demonizada, mesmo em tempos de temperaturas extremas. O bom senso e o conhecimento devem ser utilizados para aproveitar os benefícios do sol para a saúde, que são muitos, como o aumento da produção de vitamina D, a melhora do humor e a diminuição da pressão arterial. Para ele, a exposição deve ser frequente e pequena.

Em um mundo em que o aquecimento global é uma realidade preocupante, proteger a pele é uma questão importante. A combinação de avanços tecnológicos, educação e medidas acessíveis pode diminuir os impactos na saúde do nosso maior órgão. Por isso, a professora da Unifesp Samira Yarak aconselha a realização de um check-up dermatológico uma vez por ano para detectar alterações precoces, a exemplo das condições pré-malignas, como as lesões chamadas queratoses actínicas.

A mensagem da fotoproteção, portanto, é luminosa como o sol. Ela não é opcional, é essencial para todos. Como dizia o famoso texto da jornalista norte-americana Mary Schmich que, no início dos anos 2000, ficou famoso no Brasil na voz de Pedro Bial: “Nunca deixem de usar filtro solar”. E de seguir as instruções que os especialistas deram nesta reportagem.