Alergias respiratórias: sem remédios milagrosos — Gama Revista
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Reportagem

Alergias respiratórias: sem remédios milagrosos

Pessoas com rinite ou asma podem levar uma vida com mais bem-estar aliando imunoterapia a mudanças de comportamento

Ana Elisa Faria 19 de Março de 2023
Mariana Simonetti

Alergias respiratórias: sem remédios milagrosos

Pessoas com rinite ou asma podem levar uma vida com mais bem-estar aliando imunoterapia a mudanças de comportamento

Ana Elisa Faria 19 de Março de 2023

No universo das alergias respiratórias, não existe remédio milagroso nem simples. A receita para que a pessoa alérgica tenha uma vida com mais bem-estar tem dois ingredientes fundamentais que devem ser salpicados diariamente na rotina: tratamento e mudanças de comportamento e no ambiente.

Segundo a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), cerca de 10% da população brasileira tem asma e 30% é acometida pela rinite alérgica. São pessoas que sofrem com sintomas como chiado no peito, coceira no nariz, na garganta e nos olhos, congestão nasal, coriza, espirros repetidos, falta de ar e tosse seca. E esses alérgicos podem encontrar na imunoterapia – procedimento realizado com base numa vacina feita de alérgenos, ou seja, aqueles mesmos agentes que causam a alergia em questão, elevando assim a imunidade do paciente para que, posteriormente, ele apresente menos sensibilidade a certas substâncias – um método terapêutico eficaz. Lançada há mais de cem anos, em 1911, a imunoterapia para alergia tem eficácia que gira em torno de 75%.

De acordo com Clóvis Galvão, professor e médico-assistente do Serviço de Alergia e Imunologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), para fazer uso desse tratamento, o indivíduo precisa ser avaliado por um especialista que, por meio de testes, estabelecerá o que está causando o sintoma respiratório “e, a partir dessa sensibilização, vai propor a imunoterapia”.

Como funciona a imunoterapia

Galvão explica que a imunoterapia para alergia é um método bastante individual. “Por exemplo, se o paciente tem a rinite causada por ácaros, ele vai receber a imunoterapia específica com extrato do ácaro da poeira. E aí o tratamento consiste em administrar doses progressivamente crescentes desse ácaro até o que a gente chama de uma dose de manutenção. Então, nos primeiros três, quatro meses de tratamento, a cada semana o médico dá uma dose maior. A partir do quarto ou quinto mês, essa dose se estabiliza.”

O especialista acrescenta que, a partir dessa estabilização, a pessoa passa a receber o medicamento em uma quantidade fixa por mês, por, pelo menos, três a cinco anos. Isso para que a proteção seja mantida por uma média de 15 a 20 anos após o término do tratamento, que pode ser administrado por injeção subcutânea ou via sublingual.

Mesmo com a união de imunoterapia, alterações ambientais e uso de medicamentos, é difícil um paciente deixar de ser alérgico

“Trata-se de uma prática constante, não existe uma dose única ou uma vacina de reforço da imunoterapia. É um tratamento para mudar a resposta imunológica do alérgico, que passa a tolerar mais aquele ácaro, aquele pelo de gato, aquele fungo ou aquele pólen que, antes, estava causando os sintomas respiratórios”, diz Galvão.

As doenças que mais são tratadas com essa imunoterapia, segundo o médico, são a rinite, a asma e a conjuntivite alérgica, além da anafilaxia – reação aguda, como irritação na pele, choque e dificuldade respiratória, que podem ocorrer imediatamente à exposição a um alérgeno – provocada pelas proteínas de venenos de vespas, abelhas e formigas. A Organização Mundial da Saúde (OMS), inclusive, indica a imunoterapia para esses casos, mas há algumas contraindicações. A entidade, assim como a Academia Europeia de Alergia e Imunologia não indicam o método a pacientes com asma fora de controle ou em crise aguda. A imunoterapia também não deve ser administrada em crianças menores de cinco e em pessoas com câncer, problemas autoimunes e com doenças cardiovasculares.

“Para a anafilaxia desses venenos, a eficácia é maior do que 90%. Então, quando a pessoa tem uma anafilaxia ao ser ferroada por uma abelha, depois de três anos de tratamento, se ela voltar a ser ferroada pelo inseto, não terá mais aquela reação anafilática grave que teve antes”, conta.

Ao longo do tratamento e para a vida toda, porém, as pessoas com esses tipos de alergia precisam mudar de hábitos e, além disso, caso necessário, utilizar medicamentos auxiliares. Conforme relata o profissional da FMUSP, “essas alergias são multifatoriais”.

“Então, o tratamento também deve ter várias abordagens: primeiro, o controle ambiental. Não adianta nada tratar um paciente alérgico, por exemplo, ao ácaro da poeira se ele não faz uma mínima gestão ambiental; a casa dessa pessoa não pode ter tapetes sem manutenção de limpeza ou ser empoeirada, é preciso diminuir esse problema. A outra coisa é que nunca abrimos mão do tratamento com medicamentos.”

Galvão fala que, se o paciente usa uma medicação de rotina para asma ou para rinite, como antialérgicos ou anti-inflamatórios, ele tem que manter esse tratamento, pelo menos até que a imunoterapia comece a agir de uma forma mais contínua. “E aí, sim, um dos primeiros sinais de que o tratamento com a imunoterapia está sendo eficaz é conseguir diminuir a dose da medicação, tanto de controle da doença como também as medicações utilizadas para conter a crise. Esse é um dos parâmetros usados para saber se a imunoterapia está dando certo e o paciente começar a ter menos crises de asma e de rinite.”

Mesmo com a união de imunoterapia, alterações ambientais e uso de medicamentos, é difícil um paciente deixar de ser alérgico. Por isso, o cuidado precisa ser constante. “Se depois de três ou cinco anos de tratamento, a pessoa repetir o teste alérgico, mais da metade ainda vai continuar com positivo para a alergia. O que vai mudar é que ela passa a ser uma alérgica mais tolerante ao alérgeno que causa os sintomas da alergia”, esclarece Galvão. Assim, caso o indivíduo se descuide do controle ambiental e, no início do tratamento, não tiver uma boa aderência às aplicações das vacinas, a eficácia estará comprometida.

O especialista ouvido pela Gama chama a atenção ainda para um aspecto da imunoterapia. “Apesar de ser um tratamento bastante eficaz e seguro, ele envolve alguns riscos e, por isso, deve ser feito com um especialista, já que você está injetando um alérgeno. Eventualmente, no dia da aplicação, a asma pode piorar, a rinite pode atacar. Então, é necessária uma supervisão médica. No entanto, o tratamento é, sim, bastante eficaz e seguro, embora não deva ser visto como o único tratamento, ele faz parte de uma abordagem mais ampla que o médico vai ter com o paciente, que varia de caso a caso.”