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PessoasComo ela ajudou a mudar as regras do Instagram
Após ter sua foto nua apagada, a modelo britânica Nyome Nicholas-Williams, que falou a Gama, iniciou uma cruzada contra o preconceito na rede social
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Após ter sua foto nua apagada, a modelo britânica Nyome Nicholas-Williams, que falou a Gama, iniciou uma cruzada contra o preconceito na rede social
Em julho de 2020, a modelo britânica Nyome Nicholas-Williams, 29, postou em sua conta no Instagram uma foto de um ensaio que tinha feito recentemente. Na imagem, Nyome, nua da cintura para cima, abraçava os seios enquanto mantinha uma expressão de enlevo no rosto, ambos os olhos bem fechados. Algumas poucas horas após a postagem, no entanto, a foto foi sumariamente deletada. Em seguida, ela recebeu um aviso: sua conta na rede social poderia ser até mesmo encerrada.
Não foi a única vez. Imagens do mesmo ensaio foram repetidamente apagadas pelo Instagram, que tinha uma política de impedir fotos com seios à mostra, mesmo parcialmente ocultos por mãos ou braços, pelo temor de associação à pornografia. O problema, alegaram a modelo, que é gorda, e uma irritada legião de seguidores, era que várias fotos semelhantes, com mulheres brancas e de corpos magros, seguiam existindo na rede social e raramente recebiam o mesmo tipo de tratamento
Sempre vai ter gente que vai perguntar por que eu quis ficar nua. Minha resposta é: por que várias outras pessoas têm esse direito e ninguém faz esse tipo de pergunta para elas?
“Por que essas fotos em particular estavam sendo retiradas?”, questiona Nyome em entrevista a Gama. “Nas mídias sociais como o Instagram, há um favorecimento à beleza branca e convencional. Sempre foi assim. Há uma discrepância entre eu ou mulheres negras também muito bonitas e pessoas brancas. Nossas imagens são retiradas do ar enquanto outras que deixam até mais coisas à mostra continuam lá.”
O caso gerou revolta entre os seguidores da modelo e milhares de outros usuários da rede. Como forma de protesto, eles criaram posts replicando a imagem original, acompanhada da hashtag #IwanttoseeNyome (em inglês, quero ver a Nyome).
O começo
Naquele que chama de mundo pré-covid, Nyome conta que sofreu bastante com o racismo estrutural, “algo pelo que todas as pessoas negras passam”. A partir de sua vivência no colégio, quando ganhou peso, a condição física teve grande impacto em sua vida pessoal e social, estigma que durou até seus 22 anos.
“Eu achava que gordo era uma palavra ruim. Bem depois fui entender que não, é só um adjetivo. Na época, tudo que eu queria era ser magra, mais parecida com as outras pessoas com quem andava.”
A carreira como modelo começou apenas em 2016, já aos 25, quando entrou para uma competição cujo prêmio era representar a marca de lingeries para pessoas gordas Simply Be. Ficou entre as 30 finalistas. Olhando ao redor, no entanto, percebeu que praticamente não havia outras mulheres negras.
Foi então que ela notou que algumas modelos gordas estavam ganhando bastante atenção. “Pensei: eu consigo fazer. Tinha um rosto bonito o suficiente para isso”, conta Nyome, que é formada em fotografia, atividade que ainda considera sua maior paixão
Apesar de nunca antes ter pensado em deixar de lado sua profissão por trás das câmeras para passar a atuar na frente delas, começou imediatamente a entrar em contato com outros fotógrafos. A intenção era se testar como modelo e fazer um trabalho de networking. Aos poucos, foi construindo e intensificando suas relações dentro dessa comunidade.
Em julho do ano passado, ela se uniu à fotógrafa Alexandra Cameron para um ensaio artístico nu, que reforçaria conceitos de amor ao próprio corpo e autoaceitação. “Acho as imagens feitas pela Alex bastante artísticas, então foi ainda mais estranho que tenham sido apagadas.”
Sobre pequenas vitórias
Assim que as fotos foram tiradas do ar, Alexandra procurou a ajuda da ativista Gina Martin. Com um histórico de defesa de causas sociais, principalmente envolvendo mulheres, ela foi a responsável por tornar o upskirting — prática de levantar saias para tirar fotos de partes íntimas — ilegal na Inglaterra e no País de Gales, após ter sido vítima do delito. Como a campanha começou a partir de um post em rede social, Gina parecia perfeita para atuar no caso de Nyome.
Foi a ativista quem deu a ideia de fazer viralizar a hashtag #IwanttoseeNyome e de pedir para os fãs da modelo repostarem sua foto, para avaliar como a rede social agiria. A campanha chegou a reunir famosos como a atriz Jameela Jamil (a Tahani, da série “The Good Place”). O resultado foi que as imagens, mesmo em outros perfis, foram apagadas. O problema, portanto, era com as fotos em si.
Depois que o movimento ganhou visibilidade, representantes do Instagram entraram em contato com elas para pedir desculpas e confessar que a retirada das fotos foi um erro. Ainda assim, a equipe decidiu escrever uma carta aberta à rede social, assinada por 18 ativistas, esclarecendo os principais motivos das reclamações. O documento acabou chamando a atenção de quem mais importava: o CEO da rede social, Adam Mosseri.
Embora tenha negado as acusações de preconceito, o Instagram, assim como o Facebook, anunciou que mudaria sua política sobre nudez. Desde outubro do ano passado, imagens de mulheres segurando os próprios seios passaram a ser aceitas e só passarão a ser analisadas caso seja levantada alguma controvérsia. A mudança, no entanto, não engloba imagens em que seios estão sendo apertados ou sofrendo alguma pressão. Nesses casos, elas continuam sendo deletadas da rede. Mamilos (apenas os femininos) também seguem terminantemente proibidos.
“Fico feliz que tenhamos tido uma parte importante nessa alteração, que é pequena. Sinto que existe ainda um preconceito racial em toda a situação e gostaria de promover ainda mais mudanças… mas tem que ser uma coisa de cada vez”, declara Nyome, para quem as redes deveriam abrir linhas de comunicação mais claras e diretas com seus usuários.
Outros casos
A modelo não é a única fora dos padrões a sentir que sofreu um tratamento diferenciado na rede social. Em 2019, a influencer e ativista gorda Thais Carla teve uma foto sua em comemoração ao Dia dos Namorados, em que o companheiro aparecia segurando seus seios, apagada pelo Instagram.
Em um post na rede, ela comparou a imagem a outras semelhantes postadas por casais famosos, como Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank e Belo e Gracyanne Barbosa. “E as fotos deles estão lá, não estão sendo excluídas. Por que será que a minha foi excluída? Por que será que só a da gorda foi excluída?”, questionou.
A comediante australiana Celeste Barber, que também tem um corpo fora dos padrões, decidiu ela mesma reproduzir imagens de modelos nuas. Porém, quando seus mais de 7,6 milhões de seguidores tentaram compartilhar sua imagem, deram de cara com um aviso de que a foto quebrava as regras da rede social. Depois de postar uma contundente reclamação em seu perfil, ela recebeu como resposta um pedido de desculpas da empresa.
Corpos e raças
De acordo com Nyome, ter uma variedade maior de corpos e raças presentes na mídia ajuda a refletir a sociedade e a realidade do mundo em que vivemos. Portanto, se todos existimos e estamos aqui consumindo esse conteúdo, também deveríamos ter o direito de ser vistos e representados. “Somos todos diferentes, é o que faz o mundo girar e nos torna seres maravilhosos.”
Apesar de receber com frequência mensagens preconceituosas ou inconvenientes em relação ao e seu peso e a seu trabalho, Nyome diz ter aprendido a não deixar que elas a incomodem. Hoje, só leva em conta as opiniões de familiares e amigos próximos, que não querem vê-la mal ou machucá-la.
O que para algumas pessoas não é atraente acaba parecendo errado. Eu só quero que as coisas sejam niveladas e justas para todo mundo
“Sempre vai ter gente que vai perguntar por que eu quis ficar nua. Minha resposta é: por que várias outras pessoas têm o direito de estar nuas e ninguém faz esse tipo de pergunta para elas? O que para algumas pessoas não é atraente acaba parecendo errado. Eu só quero que as coisas sejam niveladas e justas para todo mundo.”
Para ela, não se trata de “body positivity” (positividade corporal), expressão que tomou de assalto as redes sociais nos últimos anos. A modelo considera que o termo, nascido para representar corpos de minorias, hoje abrange todos os tipos, incluindo aqueles mais próximos dos padrões estabelecidos de beleza.
“Então não sinto que body positivity me defina mais. Eu advogo é pelo amor pelo próprio corpo e a auto aceitação. É sobre essas duas coisas que tento falar.”
Kid Circus (@kidcircus)
O que vai mudar?
Além da pandemia, o ano de 2020 foi marcado pelos protestos generalizados devido à morte do americano George Floyd. O movimento Black Lives Matter voltou a ocupar posição de destaque nos noticiários e o racismo institucionalizado acabou sendo uma das pautas mais debatidas ao longo do ano.
Embora muitos considerem que o fato de essas questões estarem sendo mais e mais discutidas é um sinal de que os tempos estão mudando, Nyome tem outra visão. “Todo mundo diz que as coisas vão mudar, mas como uma mulher negra eu não vejo nada disso. Não sou otimista.”
A modelo considera inegável que alguns passos importantes estão sendo dados, mas ainda há um caminho longo e difícil pela frente. “É difícil afirmar algo assim porque o racismo pode ser insidioso e silencioso. Vamos precisar da ajuda de todo mundo, principalmente de pessoas negras, para desmantelá-lo.”
“Para mim, sempre vai existir preconceito. Há muitas nuances relacionadas a raça, corpos e principalmente corpos negros. Pode parecer óbvio, mas as pessoas são bem diferentes entre si e todas deveriam ter espaço para se expressar. Nossos corpos são nossos lares, precisamos começar a nos aceitar mais.”