Além da barba, do cabelo e do bigode: a vaidade masculina hoje
Que tipo de homem é você?
Icone para abrir
Isabela Durão

4

Reportagem

A vaidade masculina hoje: para além da barba, do cabelo e do bigode

Muito mais vaidosos, homens deixam o básico de lado e vão às redes sociais para compartilhar dicas de moda, penteados e autocuidado

Ana Elisa Faria 19 de Maio de 2024

A vaidade masculina hoje: para além da barba, do cabelo e do bigode

Ana Elisa Faria 19 de Maio de 2024
Isabela Durão

Muito mais vaidosos, homens deixam o básico de lado e vão às redes sociais para compartilhar dicas de moda, penteados e autocuidado

Creme hidratante, protetor solar, depilação, perfume, desodorante íntimo, implante capilar, aplicação de botox, roupas da moda, sobrancelha desenhada, colares e pulseiras. Esses itens e tratamentos estéticos, além do tradicional trio barba-cabelo-bigode, que ganhou incrementos e inovações, fazem parte da rotina de autocuidado de muitos homens hoje. Quarenta e três por cento deles, aliás, se consideram “supervaidosos”, como indica uma pesquisa da Abihpec (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos).

MAIS SOBRE O ASSUNTO
O que é autocuidado pra você?
Como as redes sociais mudaram o mercado dos cabeleireiros
A batalha milenar dos homens contra a calvície

O conceito de vaidade masculina tem passado, de alguns anos para cá, por uma importante transformação. O mercado de cuidados pessoais focado no homem, no Brasil, representa 13% das vendas do setor no mundo — faturando bilhões —, segundo uma pesquisa da Euromonitor, e atesta essa mudança que, cada vez mais, supera barreiras e tabus machistas que geralmente a associam a futilidades de mulher, por exemplo.

Cuidar da pele, se maquiar e acompanhar as últimas tendências fashion não é um fenômeno masculino recente, mas essa forma de expressão atual, de se ver e de ser visto, e a aceitação social desse quesito, evolui notadamente.

Benedito Medrado, professor do departamento de psicologia da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e coordenador do Núcleo Feminista de Pesquisas em Gênero e Masculinidades, ressalta, no entanto, que a vaidade, historicamente associada ao universo feminino, também sempre esteve presente em figuras masculinas poderosas, como os monarcas franceses, que gostavam de ostentar a própria imagem usando perucas, maquiagem e roupas elaboradas como símbolos de poder.

No salão unissex, os homens não se sentiam tão à vontade quanto num espaço só para eles

O especialista recorda ainda do rei dos cangaceiros, Virgulino Ferreira da Silva, que, antes da entrada de Maria Bonita e de outras mulheres no cangaço, era quem produzia as roupas do bando. Depois, com as distribuições desiguais de gênero, as moças ficavam com a tarefa de costurar, porém, o chefe passa a ser o estilista. Há quem diga, inclusive, que o seu clássico chapéu tem inspiração no acessório de Napoleão Bonaparte. “Lampião tinha uma perspectiva estética de vaidade muito forte”, diz.

Medrado também destaca que, atualmente, certos preconceitos podem aparecer porque, ao considerarmos a vaidade como uma exposição para o outro, como as indústrias da moda e da estética construíram esse conceito, surge uma ideia de que a vaidade da mulher esteja “a serviço do outro, e não do próprio valor” e se deva a um “decorrente desejo de aceitação e, por isso, seja considerada uma objetificação do corpo feminino”.

Entretanto, conforme salienta Medrado, qualquer análise a respeito do assunto deve partir de marcadores sociais de raça, classe e faixa etária, assim como devem ser analisados contextos e tempos. Às vezes, o que num momento é considerado vaidade, noutro pode ser visto como desleixo. É o caso da barba.

“Tenho 52 e sou de uma geração que por muito tempo viu a barba como sinônimo de sujeira ou descuido. Mas nos anos 2010, entre 2012 e 2014, eu vi muito bem uma mudança nessa perspectiva acontecer. Lembro que, certa vez, estava no aeroporto e reparei que todos os homens na fila do embarque estavam barbados”, comenta. Ou seja, assim como a história, que é pendular, modas vêm e vão.

Barba, cabelo, bigode, depilação e sobrancelha

Foi nesse mesmo período que Anderson Matias, 33, começou a atuar na área. Primeiro, por necessidade — a chegada de um filho no fim da adolescência — e, depois, por gosto e investimento. Incentivado pela esposa, na época namorada, que trabalhava como manicure em um salão de beleza, ele se interessou pela ideia de estudar para se tornar cabeleireiro.

Assim, fez um curso de hairstylist no Senac e, após pouco tempo, já estava com a tesoura e o pente na mão. Iniciou os trabalhos cortando cabelos de homens e mulheres até se encontrar no ramo da barba, do cabelo e do bigode — e dos outros serviços que foram surgindo com o tempo. Agora, é barbeiro e empresário, proprietário da barbearia Attimo, na zona oeste de São Paulo, de onde acompanha as transformações do setor e do que os homens gostam quando o tema é o cuidado com os pelos.

Se antes a sua bancada abrigava apenas uma pomada básica para os cabelos e um creme de barbear, hoje ela exibe uma variedade de produtos — que Matias também vende ali —, como pomadas para diferentes tipos de cabelo e de variadas fixações, com brilho, sem brilho, leave-in, grooming, spray, balm e óleo para a barba.

A tabela de serviços foi na mesma direção e cresceu, passando a oferecer, fora os clássicos corte e barba, hidratação, depilação, selagem, volumetria, limpeza de pele, relaxamento, platinado e massagens. Matias conta que, dos extras, os procedimentos mais escolhidos pelos clientes são fazer a sobrancelha e depilar o nariz ou as orelhas. “Todo dia tem alguém que pede.”

O homem toma decisões com base no que vê. Se olhar o cara sentado ao lado se cuidando, fazendo algo diferente, ele também vai querer isso para si

O profissional acredita que o homem está muito mais aberto a sugestões de cuidados ou de tratamentos para algum incômodo com o visual no dia a dia e que as barbearias modernas contribuíram para esse comportamento. “Era nítido que, no salão unissex, os homens não se sentiam tão à vontade quanto se sentem num espaço só para eles”, afirma. Além disso, Matias analisa que o homem é um ser bastante visual. “Ele toma decisões com base no que vê. Se olhar o cara sentado ao lado se cuidando, fazendo algo diferente, ele também vai querer isso para si.”

 Reprodução/Instagram @attimobarbearia

Para Matias, celebridades, como o jogador de futebol português Cristiano Ronaldo, e atores de séries e novelas, servem também de referências para a sua clientela. “Quando o cliente vem com uma sugestão de corte, ele sempre traz uma foto de um cara muito bonito. Dificilmente é a imagem de alguém que ele não ache legal ou que considere feio, digamos assim.”

As influências da vaidade masculina

Tássio Santos, 31, ativista de pele, autor do livro “Tem Minha Cor? Quando Se Maquiar Se Torna um Ato Político” (Telha, 2024) e criador do perfil Herdeira da Beleza, que nasceu por volta de 2012 como uma página do Facebook, virou blog e hoje está presente em todas as plataformas digitais, fala que pessoas famosas, as redes sociais e os influenciadores foram e são cruciais para que a vaidade masculina seja celebrada, naturalizada e movimente o mercado.

 Editora Telha

Tanto que grifes renomadas, como a Chanel, têm linhas para homens, seja de skincare ou maquiagem. Há aquelas criadas especialmente para eles, com uma comunicação focada, como a War Paint, ou “pintura de guerra”, que vende maquiagens masculinas.

“Os influenciadores e os famosos têm um papel muito forte na mudança de comportamento e no agrupamento de pessoas que formam essas comunidades por meio de um interesse mútuo, criando uma demanda de mercado”, explica Santos.

Como exemplo dessa metamorfose dos cuidados masculinos, Santos cita os amigos do pai que, antigamente, só faziam a barba e, no máximo, passavam uma loção pós-barba, um desodorante e talvez um perfume.

“Era isso na época, mas olho para os meus amigos e percebo que a galera tem se interessado por outras coisas e cuidar da pele é uma delas. E não é só passar hidratante, não é só usar o protetor solar quando vai à praia, mas o pessoal está recorrendo a alguns ativos para melhorar a qualidade da pele, reduzir os poros, deixar um tom de pele uniforme, melhorar a firmeza da pele. Então, se antes eu via a turma do meu pai lá atrás usando só uma loção, hoje eu vejo o pessoal com a skincare completona”, observa.

Publicitário, criador de conteúdo e apresentador, Luca Scarpelli, 33, também nota uma virada de chave significativa. Ele pensa que a desconstrução da masculinidade tóxica que vem sendo pautada diariamente permite com que mais homens se cuidem sem medo de serem julgados, independentemente de identidade de gênero ou de sexualidade.

As pessoas estão entendendo que a sexualidade não tem nada a ver com você cuidar de você ou gostar de moda

Ele recorre ao irmão, um jovem heterossexual cisgênero, “bem bronco”, que está mais preocupado com o que veste e com os cuidados pessoais. “Vejo, sim, esse movimento de homens se preocupando mais com as roupas que usam, se preocupando em cuidar da pele, em usar um perfume bom, em usar o shampoo ao invés de passar sabonete no cabelo.”

Scarpelli acha que esse cenário se dá por variados fatores: mais acesso à informação, muita gente na internet mostrando o look do dia, como combinar peças, qual é o melhor jeito de cuidar das melenas e de tratar a pele, assim como o aumento da quebra de paradigmas. “Há alguns anos, qualquer sinal de autocuidado era tido como coisa de viado, mas, aos poucos, as pessoas estão entendendo que a sexualidade não tem nada a ver com você cuidar de você ou gostar de moda”, declara.

O ativista Tássio Santos conclui compartilhando a ideia de que a indústria da beleza precisa ir além das divisões de gênero e focar em necessidades individuais ou de grupos, como cor e tipo de pele. “O caminho para isso é não binário.”

A vaidade como autocuidado

“A popularização de conteúdos de qualidade na internet ajudou a mudar a percepção dos homens sobre o autocuidado”, diz Leonardo Coloral, 36, criador de conteúdo e autor do perfil Macho Moda, que começou como um blog em 2012 e ampliou o seu alcance ao chegar no Instagram, no YouTube e no TikTok.

 Reprodução/Instagram @blogmachomoda

Na juventude, Coloral fez parte de uma banda de rock chamada December e, desde então, sempre gostou de acompanhar tendências e falar sobre o que vestia, pedido feito também pelos fãs do grupo. Corta para 2024 e seus perfis nas redes já passam de dois milhões de seguidores que o assistem falar sobre moda e cuidados do homem.

O influenciador divide que o seu público cativo está acostumado com as dicas de perfumes, de vestimentas e de higiene pessoal, mas algumas divulgações, por vezes, “causam certa resistência quando fogem muito desse comum”. Ele relembra a publicidade que fez de um desodorante íntimo masculino e que, na primeira postagem, os seguidores pensaram que se tratava de alguma piada.

“O pessoal achou, no início, que era zoeira, mas foram três posts ao ar e, no terceiro, a marca avisou que o produto havia esgotado. Então, conforme as pessoas vão usando, vendo resultado e gostando, aquilo vira realmente um hábito.”

Autocuidado é para todo mundo, é uma demonstração de amor e de afeto por você mesmo

Nascido na Brasilândia, zona norte da capital paulista, o criador de conteúdo Matheus Pasquarelli, 25, que tem como foco a pele e os cabelos — ora trançados, ora no black power, ora no flattop —, evidencia a importância de se libertar dos estereótipos. “Percebo que muitas vezes as pessoas ficam mais incomodadas com o que os outros vão falar do que com elas mesmas. Gente, autocuidado é para todo mundo, é uma demonstração de amor e de afeto por você mesmo.”

 Reprodução/Instagram @matheuspasquarelli

Pasquarelli também acha fundamental a representatividade nas redes sociais: “Eu vejo a importância de ter um homem preto compartilhando cuidado, estilo, tendências. Isso é muito importante para encorajar mais as pessoas. Autocuidado não se trata de aparência, diz respeito a se cuidar e se amar. É autoconhecimento”, finaliza.