As redes sociais mudaram o mercado dos cabeleireiros — Gama Revista
O que o seu cabelo diz sobre você?
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Reportagem

Como as redes sociais mudaram o mercado dos cabeleireiros

Seja com dancinhas virais ou dicas capilares, o Instagram e o TikTok alteraram a lógica dos salões de beleza. Entenda como os hair stylist estão sobrevivendo à essa nova era

Daniel Vila Nova 03 de Dezembro de 2023

Como as redes sociais mudaram o mercado dos cabeleireiros

Daniel Vila Nova 03 de Dezembro de 2023

Seja com dancinhas virais ou dicas capilares, o Instagram e o TikTok alteraram a lógica dos salões de beleza. Entenda como os hair stylist estão sobrevivendo à essa nova era

Você precisa de um novo salão de beleza para cortar o seu cabelo. Logo, consulta amigos, parentes e conhecidos a procura de uma recomendação confiável. Após receber a resposta daquela pessoa considerada a mais estilosa, você abre o seu Instagram e procura o perfil do salão recomendado. Se a página na rede social for bonita o suficiente para te convencer a arriscar, você entra em contato com os profissionais de beleza e marca um horário.

Ou então, você encontra no TikTok ou no Reels um estabelecimento que produz os vídeos e fotos dos cabelos mais bonitos que você já viu. Interessado no corte, você checa se algum dos seus amigos segue aquele salão e, caso sigam, corre para mandar mensagens perguntando se o serviço vale a pena.

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O Instagram e o TikTok se tornaram uma espécie de crivo digital para cabeleireiros. O boca a boca pode ainda ser forte, mas ao receber a recomendação de um novo salão, hoje as pessoas abrem o Instagram e checan o perfil do estabelecimento. “Dependendo da sua conta, você pode perder a oportunidade ali mesmo”, diz a Gama Ulisses Petri, do ROM.

Gama conversou com cabeleireiros do Rio de Janeiro e de São Paulo para entender como o mundo digital mudou o negócio, quais são as tendências que bombam nas redes e quais são os aspectos negativos da presença online.

As tendências

No TikTok, um cabeleireiro e sua cliente dançam a música do momento. No começo do vídeo, a mulher está sem maquiagem, com um cabelo “normal” e ainda veste o avental do salão. A coreografia é perfeita e segue todos os passos da tendência da rede social. No ápice da música, a cena corta e dá lugar a uma versão superproduzida da mulher. Além da maquiagem completa e uma roupa elegante, o novo cabelo chama atenção. A legenda da postagem ressalta a repaginada no visual da cliente, que agradece de forma efusiva nos comentários.

As postagens de Léo Silva, 26, cabeleireiro e maquiador de São Paulo, chegam aos 40 milhões de visualizações. Ele, que é um sucesso no TikTok, afirmou à Marie Claire que sua demanda de trabalho triplicou após a viralização do seu conteúdo. Conhecido por suas dancinhas, Silva uniu as trends dançantes do TikTok ao tipo de conteúdo que faz mais sucesso no mundo digital da beleza: o antes ou depois. Cada vez mais, viralizar nas redes se traduz em mais clientes.

@studioleosilva

Assistam até o final essa transformação radical. Você teria coragem de fazer esse cabelo? Amo um loiro #loiro #beleza

? som original – Léo Silva

Vídeos que apresentam a transformação de uma cliente sempre vão bem e acabam sendo o carro-chefe de muitos Instagrams de beleza. No caso de Michelle Araújo, 28, especialista em corte de cabelos cacheados e dona do salão de beleza Miara Conceito, no Rio de Janeiro, as postagens de clientes se emocionando com seus novos visuais ainda carregam um outro fator: o da aceitação.

Em um dos seus vídeos mais famosos, uma garotinha de nove anos se emociona ao ver seu cabelo cacheado transformado. “Durante muitos anos, as pessoas não viam beleza em cachos”, afirma Araújo. “Quando mostramos em uma rede social que esses cabelos são bonitos, isso surpreende.” Para ela, que durante toda sua juventude teve de alisar o cabelo, postar esses vídeos é uma forma de libertação.

Outro tipo de conteúdo que também faz bastante sucesso são as dicas. Araújo entende que pessoas com cabelos naturais foram ensinadas a se odiar e que, exatamente por isso, não sabem como cuidar dos próprios cabelos. “Sempre falo para minhas clientes que, se elas aprenderam a alisar sozinhas, conseguem finalizar sozinhas o cabelo natural delas”.

Quem também é adepto das dicas no Instagram é o hair stylist francês Yohan Nicolas, 39, fundador do Studio ICÓ e um dos integrantes do Queer Eye Brasil. Segundo ele, que tem uma série de vídeos em seu perfil com sugestões de beleza e de como cuidar dos cabelos, a inspiração para sua entrada nas redes sociais surgiu no próprio reality.

“Acabei dando muitos conselhos e opiniões sobre cabelo e percebi que era algo que tocava muito as pessoas, sejam os participantes do programa, a produção ou o público.” De acordo com Nicolas, alguns conhecimentos que eram óbvios para ele não eram tão claros para outras pessoas e poderiam fazer toda a diferença em suas vidas. “Então, comecei a produzir conteúdo para as redes.”

O antes e depois das redes

Entre trends de dancinhas, cabelos chamativos, dicas de cuidado capilar e muitos “antes e depois”, as redes sociais se tornaram o melhor local para cabeleireiros angariarem novos clientes. E se é verdade que boa parte dos profissionais das mais diversas áreas tiveram de se adaptar ao mundo dos influenciadores digitais, o apelo visual dos cortes de cabelos parece ter obrigado todos os profissionais de beleza a se tornarem produtores de conteúdo. Queiram eles ou não.

“É um mercado muito concorrido e o número de seguidores chama atenção”, relata Nicolas. Ele admite que não é tão empenhado em suas redes sociais quanto poderia ser, mas planeja aumentar sua frequência de postagens em 2024. Yohan entende que o sucesso do seu trabalho se deve a qualidade do seu serviço e não ao quão bonito seus cortes ficaram no Instagram. “Sei que algumas clientes sentem falta disso, elas gostariam que eu tirasse fotos e mostrasse os resultados no meu Instagram”, relata o cabeleireiro. “Porém, eu prefiro passar esses dez minutos focado na qualidade do corte e do atendimento.”

Já Ulisses Petri, do ROM. Concept, enxerga que os cabeleireiros que vieram antes do boom das redes sociais até conseguem manter uma clientela sem uma forte presença online. No começo do ano, Petri recebeu a primeira-dama Janja Lula da Silva em sua cadeira. Ela se preparava para a posse do Presidente Lula e não conhecia um cabeleireiro de confiança em São Paulo. Segundo Ulisses, a indicação foi feita por uma amiga de Janja que era cliente dele. “O boca a boca ainda funciona. Mas, para quem é da nova geração, é bem mais difícil”, diz o profissional.

“Como vou me apresentar fora das redes sociais se, hoje, todos estão nelas?”, questiona Vanessa Calazans, dona do Studio Vanessa Calazans, com sedes no Rio de Janeiro e São Paulo, e cabeleireira especializada em apliques. “Se eu estiver fora da rede social, eu estou fora do mercado.” Ela, que começou a trabalhar aos 13 anos no bairro Santa Cruz, no Rio, só conseguiu expandir sua clientela ao viralizar durante a pandemia. “A internet me abriu grandes portas e me tornou uma profissional renomada no mercado.”

A história de Michelle Araújo também é parecida. Natural de Brasília, ela se mudou para o Rio de Janeiro e tentou a sorte como cabeleireira em terras cariocas. “Ninguém me conhecia aqui. Me perguntei ‘onde eu vou arranjar clientes?’ Entendi logo cedo que precisava do Instagram para mostrar ao público carioca que eu existia”, relata Araújo. “É possível fazer sucesso sem as redes sociais, mas o seu alcance vai ser menor. Se você quiser ficar conhecido no seu bairro, não vai precisar do Instagram. Agora, se quiser ficar conhecido fora do seu bairro, vai precisar.”

A exposição

No mundo da beleza, nem tudo são flores. Araújo conta que lidar com o hate online também é danoso, especialmente quando ele é voltado para os clientes. “Lembro de uma vez que fiz um vídeo com uma criança e o cabelo dela foi chamado de ‘horroroso’. Quem faria isso com uma criança? É algo que machuca muito.”

No salão da cabeleireira, a prática é sempre conversar com as clientes e pedir permissão para que os vídeos sejam postados. “Quando um vídeo começa a ter muitos comentários, sempre entro em contato e digo que, se algo incomodar, eu tiro do ar na hora.”

Araújo afirma que seu perfil não costuma sofrer muito hate, mas que às vezes isso ocorre quando um vídeo viraliza e acaba saindo de sua bolha. “Já aconteceu de uma página voltada para cabelos lisos pegar o vídeo de uma cliente minha e postar para os seus seguidores com a legenda ‘o que acharam?'”

Os comentários eram horríveis, xingavam o cabelo da cliente e ofendiam o trabalho da cabeleireira. “Senti que foi feito na maldade. Quando pedi para a página retirar o vídeo do ar, eles se negaram. Tive de insistir por dias, mas consegui que eles derrubassem o post”.

Além das postagens, a vida pessoal dos cabeleireiros também podem virar foco de comentários maldosos. “O lado negativo é que as pessoas querem saber além do profissional”, relata Vanessa Calazans. “Eu sou muito reservada em relação a isso, mas o pouco que eu exponho já é questionado. Tem gente que fala da religião, tem gente que fala de posicionamento político ou da falta dele.”

De acordo com ela, uma das críticas mais repetidas se deve ao fato de que ela trabalha com cabelo cacheado, mas gosta de usar um penteado escovado. “Eu tento não me importar, mas isso às vezes me afeta. Em um dia que estou mais vulnerável, se torna uma invasão.” Para Calazans, o segredo é encontrar um equilíbrio. “Eu ainda preciso da internet para sobreviver.”