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Conversas'Branding é uma estratégia de manipulação'
Best-seller dinamarquês e guru do marketing de multinacionais, Martin Lindstrom acredita que a pandemia mudará de forma definitiva a forma como consumimos e alerta para a falta de empatia no serviço e no varejo
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‘Branding é uma estratégia de manipulação’
Best-seller dinamarquês e guru do marketing de multinacionais, Martin Lindstrom acredita que a pandemia mudará de forma definitiva a forma como consumimos e alerta para a falta de empatia no serviço e no varejo
É no mínimo esquisito que um escritor best-seller do marketing seja também o autor da frase que dá título a essa entrevista, com críticas tão eloquentes à gestão de marca das empresas. Pois o dinamarquês Martin Lindstrom, autor de sucessos como “A Lógica do Consumo” (Harper Collins, 2018) e “Small Data – Como poucas pistas indicam grandes tendências” (idem, 2016), tem essa clareza de espírito ao responder a Gama sobre que conselho daria a um consumidor considerando a experiência que tem de décadas de consultoria a multinacionais e de pesquisas que pedem viagens por todos os continentes e milhares de dólares de investimento.
Lindstrom parece meio triste com o mundo. Fala sobre como as empresas e as pessoas perderam o bom senso (assunto de seu novo livro, a ser lançado no Brasil em 2021) e a empatia — e sobre a importância de conseguir colocar-se no lugar do outro para oferecer um bom serviço e ser mais humano –, sobre como existe um sentimento geral de vazio causado pelo longo isolamento social, sobre como estamos exaustos de tudo e buscando o consumo como forma de escape. Mas não deixa de ser otimista ao dizer que no pós-pandemia valorizaremos mais as experiências, especialmente aquelas capazes de ficar na nossa memória para sempre. Ele prevê também que, quando for seguro e permitido, vai haver uma retomada forte do turismo.
Neste futuro esperadamente próximo, o dinamarquês, que já figurou na lista das cem personalidades do ano da revista americana Time, em 2009, faz previsões de mudanças dentro do varejo como pontos-de-venda híbridos (cafés que são também lojas de roupa; restaurantes que são também casas de shows) como regra; um migração total do consumo de conveniência para o online; e uma busca ainda maior pelo que é artesanal. No campo pessoal, prevê que relações de amizade e amorosas serão reavaliadas e que o plano físico será, pela primeira vez em muito tempo, mais relevante que o online.
Sua mensagem é a de que o mundo está complicado, mas se conseguirmos olhar para o macro, e não só para os detalhes de perto, há saída. Por isso mesmo, ele explica, desistiu de ter um celular e aposta na conscientização dos jovens sobre o que o consumo realmente significa.
Quanto mais marcas eles usam, mais inseguros eles são
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G |Como a pandemia tem mudado os hábitos do consumidor?
Martin Lindstrom |Muito. No marketing estudamos os momentos marcantes de uma vida, como quando se tem um filho, quando se inicia um novo trabalho, quando chega a aposentadoria. Essa é a primeira vez na história recente que estamos vivendo um momento desses coletivamente, numa profunda sincronização global de comportamento. Quando você se tranca como estamos trancados, você não confia mais nas pessoas. Claramente isso está causando uma depressão ao redor do mundo — as pessoas sentem essa ansiedade, algo está faltando e ninguém sabe explicar o que é. É por isso que as vendas de bichos de estimação cresceram 350% nos últimos seis meses. Nós também vemos que as pessoas sentem falta de um sentido na vida. Essa é a razão pela qual muita gente está tentando produzir sua própria lista do que fazer antes de morrer, que inclui coisas como ver o mundo, a torre Eiffel. É uma maneira de fazer um link entre o lugar onde estão agora e onde almejam estar. Por fim, as pessoas estão reavaliando as amizades. Muitas pessoas concluíram que não têm amigos. Eles achavam que tinham, porque têm muitos likes e seguidores no Facebook, mas elas estavam quase subconscientemente estimuladas pelo fluxo constante de fotos e mensagens de eu te amo, e coraçõezinhos e isso dava uma sensação de pertencimento. Mas agora que estamos completamente isolados, esses estímulos simplesmente não são suficientes. E, de repente, esse fluxo não preenche mais a necessidade mais profunda de pertencimento, que foi substituído por uma sensação de vazio. Com isso, dá para dizer que o conceito de amizade vai ficar mais profundo depois da covid-19. As pessoas viajarão mais, procurarão mais eventos ao ar livre, farão coisas com mais foco em experiência e em memórias duráveis, provavelmente terão novos formatos de relacionamento e recuperarão o senso de pertencimento. Acredito também que a tela, pela primeira vez, vai ser uma ferramenta que se usa exclusivamente para trabalho. Para a vida privada, será preferível o tempo fora das telas.
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G |Então as pessoas vão aproveitar mais o seu tempo offline?
ML |Eu acho que as pessoas estão com um sentimento de perda por ter de usar o Meets e o Zoom para reuniões depois de tanto tempo e sentem que os seus níveis de criatividade estão caindo, assim como a sua habilidade de pensar e visualizar as coisas. Não há tempo para sentar, relaxar e fazer conexões mentais de uma maneira diferente. Então eu acredito que as pessoas vão buscar coisas mais manuais e artesanais. Acredito que vamos ter uma alta no número de pessoas que vão buscar aprender um instrumento, que fazem coisas com madeira, que praticam a jardinagem e até que brincam de Lego.
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G |Acha que esse crescimento do comércio online é algo sem volta? O que imagina que vai ser do comércio físico de agora em diante?
ML |Comprar vai ser dividido em duas categorias. Uma delas será totalmente online, a compra de conveniência, em que se adquire coisas do cotidiano que não precisam ser inspecionadas porque já são conhecidas, o suco, o leite, o barbeador. A concorrência vai aumentar neste setor e os preços devem cair. Muitos varejistas vão perder a guerra para as Amazons da vida ou para os donos de marcas, como as Krafts e Unilevers, que vão vender produtos direto para seus consumidores. Isso é novo, já houve alguma experimentação desse tipo na Ásia, mas é a maior novidade para o restante do mundo.
Do lado oposto, teremos a experiência sensorial das compras. Trata-se de uma jornada de descobertas, que é mais do que uma transação, mas a experiência que a envolve. Ela resgata dois players importantes, o velho varejista e o comerciante local, mas com novos conceitos. É um café que tem uma loja de roupa também, ou um restaurante que traz algum tipo de entretenimento. Você funde diferentes indústrias e cria um negócio híbrido. -
G |Soa como algo próprio do mercado de luxo. Seria algo de nicho? Ou imagina que esses formatos podem se voltar a diferentes classes sociais?
ML |As duas coisas podem andar juntas: as pessoas com renda menor vão à loja da esquina, algo que sempre fizeram, e os ricos começaram a se perguntar: como seria minha vida sem a lojinha da esquina? No passado, moravam em bunkers, quem fazia as compras eram as empregadas, viajavam muito, mas com a pandemia podem se preocupar mais com o local. Luxo não é só uma bolsa Hermés, Louis Vuitton, é também tempo, ter as pequenas rotinas do cotidiano em uma comunidade local, poder ir a uma feira de pequenos produtores. As pessoas vão querer tocar nas coisas, ter experiências.
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G |Se a experiência fica mais poderosa, o que pode acontecer com dark shops e dark kitchens, que cresceram tanto na pandemia?
ML |Elas também se mantêm. E, de certa forma, representam uma transição, são o yin e o yang. Os showrooms vão ficar cada vez mais populares: você vai lá, experimenta, toca no produto — é uma experiência –, volta para casa e compra online.
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G |Durante a pandemia nós vimos muitas pessoas falando de compras como uma fonte de prazer, uma vez que as restrições são tão grandes. Como você vê esse movimento?
ML |É um conceito que está por aí há muitos anos. Mas agora vejo como algo temporário e transitório para um próximo passo. Se você não tem um monte de dinheiro ou não está autorizado a viajar, o consumo é o próximo passo na escala da compensação. Assim que as pessoas estiverem autorizadas a viajar, isso vai ultrapassar o consumo. Acredito que o que estamos vendo agora na China, onde as pessoas estão comprando uma quantidade absurda de produtos de luxo, é apenas um reflexo da proibição de viajar. É claro que tem também uma coisa de gastar dinheiro consigo mesmo durante a pandemia como uma recompensa por ter passado por esse período de dor e privação.
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G |Na última década falamos muito sobre consumo consciente, mas não é um assunto fácil. Alguns acreditam que só é possível entre os ricos. Outros dizem que simplesmente não é possível. Qual sua opinião?
ML |Sinceramente, eu não acho que seja algo possível no Brasil, especialmente no presente momento do país. Quando as pessoas ainda estão sofrendo para colocar comida na mesa e você fala sobre plástico, isso não ressoa nelas. E, francamente, elas não têm como pagar por um consumo consciente porque significa trocar o refrigerador porque está gastando muita energia. Isso significa comprar ovos mais caros, significa comprar coisas, não funciona.
Os países estão em tamanha crise financeira no momento e a população está tão pressionada, que esse tópico parece um pouco quando os americanos foram ao Iraque e disseram “é uma questão de liberdade, nós vamos dar liberdade a vocês”. Como assim liberdade se as pessoas nem tinham o que comer? É um pouco onde estamos aqui. -
G |Como foi sua experiência no Brasil?
ML |Eu amo o Brasil, é um país fantástico, mas é também um país com aspectos muito tristes. A distância entre ricos e pobres foi algo que me impressionou, era algo extraordinariamente grande e imagino que agora está ficando maior. O que mais me entristeceu foi quando visitei periferias e vi que muitas das crianças nem poderiam andar até a escola porque havia tantas gangues e traficantes que elas tinham de ser protegidas pelos professores — que por suas vez também sentiam medo. Percebi que o fator medo e ansiedade é muito alto. E que os jovens têm grandes sonhos — muitos querem ser jogadores de futebol –, e quando chegam aos 16 é como se levassem uma pancada na cabeça, eles concluem que estão apenas perdidos, não há nada que possam fazer, porque o sistema hierárquico do país é completamente estanque. Esse impasse paralisa o país porque torna incrivelmente difícil gente com muito talento subir no sistema e romper barreiras.
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G |Como autor, seus temas giram em torno do marketing, mas você fala também de empatia, algo difícil de se ligar às grandes marcas. Como acha que elas podem ser mais transparentes, justas e corretas com o consumidor?
ML |Quando se tem empatia você consegue se colocar no lugar da pessoa, sentir e ver o que ela está sentindo e vendo. Mas a empatia está sumindo no mundo e nas empresas também, onde as pessoas estão mais interessadas na própria performance do que em ajudar os outros. Consequentemente, há uma desconexão crescente entre empresas e o consumidor final. Perguntei a uma companhia farmacêutica quanto tempo eles ficam com os pacientes, e a resposta foi: nunca. Eles são fabricantes de produtos respiratórios. Decidi levar alguns cientistas à casa de uma paciente de asma. Ela nos mostrou um canudo e disse que quando se tem asma, é fácil se sentir um esquisitão, como se não fosse bom o suficiente para fazer parte de um grupo. “Então eu peço para que as pessoas respirem por um canudo para saber como é ter asma”, ela disse. Eu peguei essa ideia emprestada e pedi que os profissionais da farmacêutica respirassem por um canudo. Eles ficaram chocados com o quanto é difícil respirar dessa maneira, e entenderam como os pacientes se sentem todos os dias. Isso teve um impacto profundo em toda a companhia, que mudou a sua forma de se comunicar com os clientes. De repente eles alcançaram o senso de empatia. Se você tiver a cultura da empatia dentro de uma empresa, você começa a olhar para o mundo de fora para dentro. Muitas empresas — e o Brasil certamente não é uma exceção aqui — estão vendo o mundo de dentro para fora. E, geralmente, quanto maior a empresa menos empatia há em sua cultura.
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G |Você é visto por muitos como um guru das marcas. Que conselhos pode dar ao consumidor com a expertise que tem do outro lado do balcão?
ML |Branding é uma ferramenta de manipulação, usa estratégias para que você se apaixone por algo. E os jovens, cada vez mais, são zoados na escola se não usam as coisas “certas”, se eles não agem da maneira correta, se não compram as marcas da moda. E isso pode causar impactos muito negativos enquanto crescem na sua autoestima. A saída é educar as crianças desde muito pequenas. Se fosse um pai, eu mostraria uma pedra a meu filho pequeno, diria que é minha “pedra da sorte” e perguntaria quanto ele pagaria por ela. Ele provavelmente diria que não pagaria nada. Eu diria que aquela é uma pedra muito especial porque veio da lua e perguntaria de novo pelo valor. A criança possivelmente responderia então muito dinheiro. E aí eu explico que o que eu fiz com essa pedra foi um trabalho de marca. O branding infusiona emoções em um produto ou serviço para fazer com que as pessoas paguem mais por isso. É importante deixar isso claro e dizer que ele ainda será muito afetado por esse tipo de estratégia, até na vida adulta. Quando as pessoas estão tirando sarro de você na escola porque você não está vestindo a marca certa saiba que quanto mais marcas eles usam mais inseguros eles são.
Você tem que armar sua criança enquanto ela cresce porque, se você não o fizer, ela tomará o caminho errado. É claro que há boas marcas, é importante saber separar as boas das ruins. É bom comprar um carro sabendo que a roda não vai cair enquanto dirigimos. Mas elas podem ser muito prejudiciais quando causam fenômenos como “eu vou parar de comer porque quero ter um iPhone”. É isso que você tem que mostrar aos seus filhos. -
G |Você já disse em muitas entrevistas que não usa mais celular. Você acha que de alguma maneira suas pesquisas perdem com isso? Principalmente num momento em que as redes sociais são um grande lugar de exploração de marcas e comércio?
ML |De maneira alguma, está ficando mais forte. Eu lembro que fui a Dinamarca onde nasci e fui criado com um antropólogo americano, Paco Underhill, autor de “Por que Compramos?”. Ele me perguntou se eu já tinha notado como as pessoas andam na rua ali de forma desestruturada. Ele tinha razão, ninguém anda à direita ou à esquerda, eles andam entre uns e outros, meio caoticamente. Esse fenômeno é chamado de Kulturgläser, ou óculos de cultura em alemão. Basicamente significa que quanto mais perto você está de uma coisa menos você consegue enxergá-la. Se você está no mundo das redes sociais e do e-commerce, tenho certeza que notaria alguns detalhes que eu não notaria, mas perderia a ideia macro. Você está no meio da floresta e consegue apenas ver as árvores.
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G |No seu livro “A lógica do Consumo” você investiga o cérebro do consumidor para entender tendências de consumo e de comportamento. O que, nesses 12 anos desde o lançamento, mudou mais radicalmente, e o que se mantém como verdade?
ML |A comunicação está menos ligada às emoções e o jeito de se fazer propaganda se transformou, você não vê mais aqueles incríveis comerciais de TV que iam bem até no cinema. Mas os fundamentos do livro ainda são exatamente os mesmos. O livro fala sobre religião e depois da pandemia as pessoas estão se voltando ainda mais para elas porque precisam se um sentido na vida, um propósito. O livro também fala sobre a importância dos sentidos e como eles nos animam. Agora eles estão sendo justamente suprimidos tornando qualquer coisa que os estimule algo muito sedutor.