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ConversasLaura Sinay: 'Não existe turismo sustentável no Brasil'
A atividade pode trazer benefícios econômicos e proteger as belezas naturais — mas o Brasil, apesar de possuir os recursos, precisa fazer muita lição de casa para chegar lá
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Laura Sinay: ‘Não existe turismo sustentável no Brasil’
A atividade pode trazer benefícios econômicos e proteger as belezas naturais — mas o Brasil, apesar de possuir os recursos, precisa fazer muita lição de casa para chegar lá
Um país tropical, bonito por natureza — a bênção divina evocada pela canção de Jorge Ben pode fazer do Brasil um destino turístico atraente aos olhos do mundo, mas belas paisagens não são tudo, na opinião da pesquisadora Laura Sinay. Defensora das viagens sustentáveis, ela acredita no turismo como uma atividade capaz de proteger reservas naturais e desenvolver a economia — coisa que só é possível, no entanto, com muito planejamento e uma boa vontade política nesse sentido. “O Brasil tem os recursos naturais, mas não o conhecimento técnico, nem o interesse político”, diz.
Sinay fala com a propriedade de quem pesquisa o assunto há mais de uma década. Como professora colaboradora da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), ela criou o primeiro programa de pós-graduação em ecoturismo e conservação do Brasil em 2015. Atualmente, vive na Austrália e trabalha como pesquisadora da Universidade de Sunshine Coast, desenvolvendo projetos relacionados ao turismo sustentável na região. Para ela, os australianos são modelo de profissionalização da área como atividade econômica — o que falta por aqui.
As tendências de viagem trazidas pela pandemia — destinos naturais e isolados, próximos de casa —, aliadas ao contexto específico do turista brasileiro, ainda barrado em vários países e desanimado com a alta histórica do dólar e do euro, seriam uma ótima oportunidade para o Brasil desenvolver o turismo nacional, principalmente o de natureza. Mas as crises ambientais — do derramamento de óleo nas praias do Nordeste aos incêndios na Amazônia e no Pantanal — e a maneira como o governo Bolsonaro tem lidado com elas, negando os problemas e desmontando os órgãos de proteção, parecem nos levar para uma direção completamente oposta.
A seguir, Laura Sinay conversa com Gama sobre a forma de viajar do brasileiro, a reputação do país pelo mundo e as vantagens que os investimentos em um turismo realmente sustentável poderiam trazer para os ecossistemas do Brasil.
A ideia de que o turismo destrói só é verdadeira quando não há planejamento e boa vontade política
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G |A pandemia parece ter trazido novas tendências de viagem para os brasileiros. Como este momento vai mudar nossa forma de viajar?
Laura Sinay |Acho que, na verdade, não vai mudar nada. É uma mudança momentânea. Neste momento em que o brasileiro não está conseguindo visto para entrar em outros países, ele vai viajar no próprio Brasil, mas assim que a situação for normalizada, vai voltar a viajar o máximo possível. O dólar e o euro tiveram um aumento significativo em relação ao real, mas outras moedas, como o dólar australiano ou o dólar neozelandês, continuam mais ou menos estáveis — talvez o brasileiro vá viajar menos para os EUA e para a Europa, mas vai acabar compensando com outras viagens na América Latina, no Canadá, na África. A viagem internacional tem uma questão de status: uma coisa é dizer “fui para a Bahia” e outra é “fui para a Bolívia”, até no sentido de como a foto vai para o Instagram.
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G |Mas agora é a única opção, e o brasileiro que não necessariamente conhece o Brasil passa a conhecer. Essa realidade deve mudar a partir da pandemia?
LS |Temporariamente talvez. A longo prazo, acho que não. Uma coisa é uma tendência que se forma porque as pessoas vão mudando de opinião e de desejo, e outra é uma mudança como agora, que simplesmente teve que acontecer. As pessoas não têm opção e têm que viajar no próprio país. Vai beneficiar o Brasil? Muitos empreendimentos turísticos quebrariam se o brasileiro não fizesse viagens nacionais agora, então acredito que essa situação vai salvar muitas empresas. E aí depende muito do que o governo vai fazer. É o momento de o Brasil utilizar essa oportunidade para consolidar o turismo nacional, mas me parece que o país não tem profissionais formados e competentes para realmente desenvolver o turismo aproveitando essa oportunidade.
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G |Você acha que é preciso ensinar os brasileiros a viajar melhor pelo Brasil?
LS |Acho que não é uma questão de ensinar os brasileiros. A gente precisa ensinar os profissionais que lidam com o turismo a planejar melhor o turismo. O problema não está no turista, o problema está na oferta. Por exemplo: no Brasil todo existe somente um mestrado em ecoturismo. Isso significa que, por ano, a gente só forma 16 profissionais capacitados para planejar o turismo em áreas protegidas. E esse curso foi criado e aprovado em 2015 e começou em 2016. Ou seja, até hoje a gente formou menos de 50 profissionais. Não é nada.
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G |O ecoturismo, aliás, é uma área de que o Brasil poderia se aproveitar? O país tem potencial para ser o grande destino de viagem de natureza do mundo?
LS |O Brasil tem os recursos naturais. Mas o país não tem o conhecimento técnico, não tem o interesse político e não tem segurança. O nível de violência nos destinos ecoturísticos é muito alto. Então, a gente tem que formar recursos humanos, tem que ter mais legislação, mais controle, mais monitoramento. Agora, com o desmonte do ICMBio, fica ainda mais improvável que o ecoturismo aconteça, porque quem é responsável pelo ecoturismo é o ICMBio. Se o instituto não tem condições de administrar as unidades de conservação, ou não vamos ter turismo, ou vamos ter um turismo completamente predatório.
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G |Então também falta uma vontade política?
LS |Completamente. Precisamos de um governo que entenda que a floresta vale mais em pé do que deitada, que os povos tradicionais não têm que ser assimilados em “processos civilizatórios” e que temos que criar essa estrutura para o turismo. Com essa estrutura, creio que o Brasil teria, sim, um potencial enorme. Todo mundo já ouviu falar do Brasil, é uma cultura que chama a atenção — o carnaval, a imagem de brincadeira, de festa, de belezas naturais. Mas isso por si só não permite o desenvolvimento turístico.
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G |E quais seriam as vantagens de aproveitar o filão econômico do ecoturismo?
LS |Em primeiro lugar, a gente deveria ter uma obrigação com as gerações futuras de proteger a Amazônia, o Pantanal, a Mata Atlântica — e estamos indo na direção contrária, porque o governo atual acha que o principal benefício da floresta é a área para agricultura, para extração de madeira, para extração de minerais. Existe uma série de estudos, no mundo inteiro, que mostram matematicamente que o turismo gera muito mais benefícios econômicos para o lugar que protege. Os benefícios são muitos: não só econômicos, mas de qualidade de vida para os povos tradicionais ou que vivem afastados. Um dos principais motivos que levam as pessoas a fazer ecoturismo é conhecer as culturas diferentes. Então, basicamente, temos que fazer tudo o que não estamos fazendo para ter essa oportunidade de melhorar o ecoturismo. Eu acredito que esse seja o melhor caminho de desenvolvimento para o Brasil, mas é um caminho muito longo.
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G |Até porque estamos vindo de uma série de desastres: óleo nas praias do nordeste, desmatamento e queimadas na Amazônia, o Pantanal pegando fogo. Como a devastação do meio ambiente pode afetar nosso turismo?
LS |Imagina que você esteja escolhendo para onde você quer viajar. Você vai viajar para um país que está destruindo toda a natureza e as culturas ou você vai escolher participar com seu dinheiro em algo mais positivo? O Brasil está criando uma imagem muito negativa. Então, para que eu vou para a Amazônia se a Amazônia está pegando fogo? Para que eu vou para o Pantanal se o Pantanal está pegando fogo? Eu prefiro ir para um ecossistema que está pelo menos com a aparência bonita, e não para um lugar que foi devastado por um incêndio. Estamos destruindo a imagem do país a passos largos.
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G |Você fala de o turista participar com seu dinheiro para algo positivo naquele ambiente. De que maneira o turismo pode colaborar com essas regiões afetadas pela devastação ou com as regiões naturais de uma forma geral?
LS |O ecoturismo, por definição, tem que colaborar. Se não colabora, não é eco. Existem mecanismos, inclusive fáceis de serem implementados, nos quais o dinheiro que entra pelo turismo contribui. O turismo comunitário, por exemplo: em vez de você pagar um hotel específico, você paga a comunidade que vai te dar alojamento, e esse dinheiro vai ser usado em escola, posto de saúde, melhoria de estrutura. Diferentes eventos mostram que o turismo pode trazer benefícios enormes para povos tradicionais e para povos afastados com mecanismos de distribuição de renda. A ideia de que o turismo destrói só é verdadeira quando não há planejamento ou quando o planejamento é inadequado. Com um planejamento adequado, com uma boa estratégia, o turismo traz muitos mais benefícios do que malefícios.
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G |Mesmo quando a gente pensa, por exemplo, que precisamos de transporte aéreo, garrafinha plástica, e agora máscara? Como melhorar a maneira de viajar do ponto de vista da sustentabilidade?
LS |Tem coisas que são inevitáveis, como o avião. Agora, de garrafinha plástica você não precisa. Se a gente faz um planejamento adequado — no qual eu não preciso de garrafinha, a máscara vai ter um lugar para ser despejada — e tem esses cuidados, os impactos negativos do turismo não só podem ser neutralizados, mas significativamente compensados com os impactos positivos. Vou te dar um exemplo: em Martins de Sá, perto de Paraty, a quantidade de lixo relacionado ao turismo mudou radicalmente, porque a comunidade começou a vender prato-feito. Antes as pessoas tinham que levar tudo o que iam comer; depois, em vez de carregar peso e comer miojo com sardinha, elas vão comer PF com peixe local. Não só se produz muito menos lixo como se produz renda para quem vende, para quem pesca, para quem planta. E, para o turista, é uma experiência muito mais autêntica. Então, existem mecanismos em que todo mundo ganha. O que precisamos é de um profissional capaz de desenvolver esse plano, que falta no Brasil.
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G |Você acha que existe turismo sustentável no Brasil hoje?
LS |Não. Não sei de nenhum lugar no Brasil em que o turismo seja sustentável de verdade. Pode ter um ou outro lugar que está um pouco melhor, mas com o atual cenário político parece cada vez mais impossível.
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G |Mas várias empresas de turismo se rotulam dessa forma no Pantanal e na Amazônia, por exemplo.
LS |As pessoas se rotulam do que elas querem. Para você poder dizer que é sustentável, você precisa monitorar uma série de indicadores que, até onde eu sei, o Brasil não tem. E mesmo que a gente venha para países altamente desenvolvidos… A Austrália está começando agora a andar nessa direção. Estou desenvolvendo agora o grupo de indicadores para medir a sustentabilidade da região de Sunshine Coast, aqui na Austrália. O Brasil pode ter um ou outro lugar assim, mas seria exceção à regra, e aí eu não sei te dar um exemplo.
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G |A Austrália é um país em que o turismo tem muita relação com a natureza, assim como o Brasil. O que te chama a atenção em relação aos investimentos em turismo por aí? O que poderíamos aprender com os australianos?
LS |A Austrália leva o turismo muito, mas muito, a sério. É a primeira atividade econômica do país, eles formam profissionais com muitos programas de mestrado e de doutorado. Eles têm realmente profissionais que levam isso adiante. Acho que essa é a lição a tomar. No Brasil, a gente tem essa ideia de que deus é brasileiro, o país é lindo e as pessoas vão vir só porque é bonito. A gente tem que aprender com a Austrália sobre o profissionalismo. O Brasil precisa olhar para o resto do mundo e entender que não dá para ser de maneira aleatória. O turismo tem que ser estruturado e tem que acontecer de maneira profissional, senão a gente vai continuar ficando para trás.
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CAPA Pode viajar?
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5Bloco de notas Os achados por trás disso tudo