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ConversasErick Bretas: “Não estamos atrás de true crime sangrento e sensacionalista”
Diretor do Globoplay analisa o sucesso das séries sobre crimes policiais, diz que novela segue como carro-chefe no streaming e explica porque as plataformas operam no vermelho
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Erick Bretas: “Não estamos atrás de true crime sangrento e sensacionalista”
Diretor do Globoplay analisa o sucesso das séries sobre crimes policiais, diz que novela segue como carro-chefe no streaming e explica porque as plataformas operam no vermelho
Na última quinta-feira (1), às 19h, terminava no Globoplay o capítulo final de “Todas as Flores”. Apesar de ter sido exibido, ao vivo, exclusivamente para os assinantes da plataforma de streaming, naquele horário a novela de João Emanuel Carneiro ocupava os quatro primeiros lugares nos trendings topics do Twitter, onde os spoilers transbordavam. O desfecho “felizes para sempre” do casal Maíra (Sophie Charlotte) e Rafael (Humberto Carrão) – e os nem tanto assim das vilãs Zoé (Regina Casé) e Vanessa (Leticia Colin) – renderam 72 milhões de horas de consumo – a métrica usada para medir a audiência on demand.
Sérgio Zalis/Globo
“Alcançamos o que queríamos ao exibir a novela ao vivo, que era ter as pessoas falando e repercutindo em tempo real. O objetivo era ficar mais perto desse efeito de último capítulo na TV aberta”, comemorava Erick Bretas, diretor de produtos digitais e canais pagos da Globo, que falou à Gama logo após o término da trama. O executivo está no Grupo Globo há 26 anos — jornalista de formação, deixou o núcleo de notícias da emissora em 2015 para comandar o lançamento do Globoplay. Entre 2017 e 2019 assumiu a direção do hub de inovação da Globo no Vale do Silício, na Califórnia, onde são desenvolvidas parcerias com startups. Hoje, está à frente de todas as estratégias de tecnologia de dados e novos negócios da Globo no digital.
Nesta entrevista, Bretas avalia o posicionamento do Globoplay no mercado on demand — no Brasil, a plataforma só perde para a Netflix, segundo o Kantar Ibope Media, que analisa a performance das plataformas de streaming — explica porque as séries sobre crimes reais fascinam tanto os assinantes e defende que a programação linear da TV aberta não está condenada ao desaparecimento, por mais que o público tenha mudado seu jeito de assistir à televisão nas últimas décadas.
Nosso gênero mais consumido é a novela. O Globoplay se posicionou como o streaming que tem a maior oferta de novelas
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G |Como você avalia o comportamento do público em relação ao modo de ver novela no streaming?
Erick Bretas |“Todas as Flores” começou em outubro de 2022, quando o principal interesse eram as eleições. Alguns assinantes só começaram a assistir entre o Natal e o Ano Novo. Daí veio o “Big Brother Brasil”, entre janeiro e abril deste ano, que foi quando fizemos um intervalo e paramos de disponibilizar novos capítulos. Retornamos com a segunda parte em um patamar bem mais alto que o da estreia. Nesse intervalo em que ficamos fora do ar, muita gente começou a ver a novela do zero, graças à repercussão que foi gerada pelos 45 capítulos da primeira parte. “Todas as Flores” foi capaz de manter tanto o interesse das pessoas que assistiram desde o começo, quanto o daquelas que chegaram depois. Às vezes, o sentimento do público destoa dos dados. Muita gente reclamou dessa pausa de três meses que fizemos. Mas com todo o meu perdão àqueles que não curtiram, vamos fazer de novo na próxima novela, porque deu certo.
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G |Na TV aberta, pontos de audiência, número de anunciantes e repercussão midiática são medidores de sucesso. Como se faz esse cálculo no streaming?
EB |No Globoplay nossa primeira métrica são as horas de consumo. Mas é importante saber se a obra contribuiu para a aquisição de novas assinaturas e se estimulou aquela parte do público que andava usando menos a plataforma, voltar a usar. Tem outra métrica, mais objetiva, que é a financeira: quanto a obra custou e quanto retornou. Para calcular isso, fazemos um mix dos nossos assinantes novos e antigos e atribuímos uma parte da mensalidade que eles pagam a essa obra. Normalmente é pelo share total entre cada assinante. É uma métrica individualizada, muito mais sofisticada que a da TV aberta.
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G |E nesse cálculo, qual é o formato campeão?
EB |Nosso gênero mais consumido é a novela. O Globoplay se posicionou como o streaming que tem a maior oferta de novelas. Em primeiro lugar, vêm as novelas que estão no ar na TV Globo. Tem gente que adora, mas nunca consegue estar em casa no horário, então acompanham pelo streaming. Às vezes, perdem um capítulo e vão procurá-lo no Globoplay. É uma soma desses diferentes padrões de consumo. A obra campeã da história do Globoplay é “Pantanal” [remake da trama de Benedito Ruy Barbosa, que foi ao ar na Globo entre março e outubro de 2022]. Temos também nossas novelas originais , que faremos uma por ano [para 2024, o Globoplay prepara “Guerreiros do Sol”, trama inspirada no cangaço, dos autores George Moura e Sergio Goldenberg]. Tem as do “Projeto Resgate” que estão no nosso catálogo desde 2020 e inclui as clássicas da Globo, como “Tieta”, “A Favorita”… Temos ainda as internacionais: mexicanas, turcas, colombianas, portuguesas… As novelas são o carro-chefe, mas tem uma contribuição qualitativa que o Globoplay trouxe para o mercado audiovisual brasileiro que são os documentários. Começamos a lançar em 2019 e desde então conseguimos estabelecer uma marca: as pessoas sabem que os melhores documentários brasileiros são os nossos.
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G |“O Caso Evandro” e “Flordelis: Questiona ou Adora” são alguns dos documentários que tiveram bastante repercussão. True crime é a fórmula do sucesso?
EB |Sim, faz muito barulho, traz muita repercussão. Mas não estamos atrás de true crime sangrento e sensacionalista. Queremos fazer as pessoas pensarem. Se você olhar o documentário da Flordelis é claro que a gente está contando a história do crime, as pessoas querem saber como foi. Mas ali tem um baita trabalho de pesquisa. Investigamos as origens do trabalho dela, o fenômeno da Igreja Evangélica Pentencostal, que fez com que figuras como ela surgissem e se tornassem populares. Não é só exploração do crime. “O Caso Evandro” é um documentário sobre direitos humanos e o que pode acontecer quando o Estado abusa de suas prerrogativas.
A serialização e a expansão de horas fizeram com que o true crime tivesse esse revival poderoso
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G |O “Linha Direta”, um programa dos anos 1990, voltou agora à grade da TV Globo, mas repaginado, em formato true crime. Pode-se dizer que o êxito desse gênero no Globoplay foi o motivador?
EB |Tenho certeza que sim. Porque o núcleo responsável pelo “Linha Direta” é o do Mariano Boni [ Diretor de Gênero de Variedades dos Estúdios Globo]. Eles já tinham feito o documentário sobre o João de Deus [“Em Nome de Deus” (2021), disponível no Globoplay]. É um núcleo que chamamos de “Conversa.doc”, que está ali em torno do “Conversa com Bial”, mas fazendo também documentários. Esse grupo foi estruturado e se tornou uma unidade independente. Foi a incubadora, digamos assim, da volta do “Linha Direta”.
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G |Toda plataforma de streaming tem pelo menos um true crime para chamar de seu. Por que o público ama tanto esse formato?
EB |Pela mesma razão que amava as páginas policiais dos jornais impressos 70 anos atrás. Nelson Rodrigues e Rubem Fonseca escreveram em páginas policiais. Acho que o interesse por esse lado escuro do ser humano e até onde ele pode ir atiça a curiosidade das pessoas. Mas esse fenômeno hoje nas plataformas de streaming está muito ligado ao poder dos limites de horas para contar uma história. A série documental virou um produto importantíssimo do streaming. Antigamente, um documentário ficava confinado ao espaço das duas horas do cinema ou na grade da TV. A serialização destrancou o limite das duas horas. Você pega o “Making a Murderer”, da Netflix: é impossível contar aquela história em duas horas, é um caso com muitos desdobramentos. Então acho que a serialização e a expansão de horas fizeram com que o true crime tivesse esse revival poderoso.
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G |A concorrência na TV aberta acontece por faixa de horário. No streaming, o que define um líder de audiência?
EB |Cada plataforma tem seus dados e guarda isso muito bem, então é difícil medir. O modelo de negócio primordial ainda é a assinatura, embora a publicidade venha ganhando força. No Brasil, ninguém sabe exatamente quantos assinantes uma plataforma tem. Ninguém abre, é dado estratégico. Tem os números da Kantar Ibope Media, que passou a medir o consumo das principais plataformas desde janeiro. Ali, a Netflix é a líder, muito à frente do Globoplay, que é o vice, seguido pela Prime Video. Essa é a única métrica que traz dados auditados e confiáveis. Todos os outros estão em caixas pretas: os de consumo de cada produto individualmente, de assinantes, as receitas…
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G |Você já declarou que nenhuma plataforma tem alta rentabilidade e opera no limite do vermelho. Por que esse problema acontece?
EB |Não sei se é um problema, está mais para um sinal do estágio em que esse mercado se encontra. Segundo a Ancine, há 62 plataformas no Brasil. É uma quantidade muito grande e o consumidor não tem tempo, nem dinheiro pra ver tudo isso. Você assina uma plataforma que tem 200 canais, mas você tem tempo para assistir? Muitas vezes só assiste cinco ou seis. São muitas plataformas disputando o bolso e a atenção do consumidor no que eu chamo de guerra de posicionamento. Nessa guerra, para conquistar o consumidor você investe em conteúdo por um preço menor do que ele vale. Os serviços de streaming operam no vermelho porque gasta-se mais em conteúdo daquilo que é possível rentabilizar. E o crescimento é limitado pela própria competição. Como tem tanta plataforma competindo e como não tem nem bolso, nem horas disponíveis do consumidor, tem plataforma começando a estagnar. O que já está acontecendo é uma subida de preços das mensalidades e o investimento em conteúdo vai começar a cair. Um terceiro efeito são as plataformas que não são tão fortes saírem do mercado. Tem um monte de fusão também, como a da Discovery com a Warner. No futuro a gente não vai ter mais 62 serviços de streaming. Teremos bem menos.
O elemento ao vivo é muito importante para a Globo
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G |E o Globoplay nesse cenário?
EB |A gente continua investindo em conteúdo e tecnologia. Temos um plano de negócios que vai fazer com que na segunda metade desta década tenhamos equilíbrio nas nossas contas, e, num segundo momento, lucro. Se vamos cumprir essa meta vai depender de fatores como a competição no mercado, se vamos ter mais ou menos concorrência, o quanto que a gente consegue aumentar preços de assinatura que são muito baratos hoje. Quem já aumentou, por exemplo, foi a Netflix.
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G |Você passou pelo hub de inovação da Globo no Vale do Silício. Como ele funciona?
EB |Hoje está todo mundo impactado pelo tema da inteligência artificial e quando passei por lá essas discussões já eram o epicentro. Acho que essa minha passagem por lá ajudou a contribuir para uma maturidade no uso de dados. Hoje o Globoplay é muito orientado por eles nas decisões de negócio. Nosso algoritmo consegue calcular a rentabilidade dos conteúdos e isso foi muito acelerado por conexões que fiz, com empresas que ajudaram a gente, que contratamos os serviços de engenharia de dados. Eu voltei ao Brasil, mas ainda temos por lá um engenheiro que continua sendo a nossa conexão com todo o sistema de inovação e startups.
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G |Com o avanço do streaming, você acha que a programação linear acabará?
EB |Não. Existem tipos de conteúdos que são de consumo linear, como os esportivos. Pegue dois canais que competem pela liderança no segmento de esporte, como SporTV e ESPN. São canais que têm vários eventos e conseguem montar uma grade que vai ter o evento, os programas de mesa redonda e outros mais. Outro exemplo: reality shows e programas de auditórios que são ao vivo. O elemento ao vivo é muito importante para a Globo, é pilar dos programas lineares. Por que nós fizemos o último capítulo de “Todas as Flores” com uma transmissão ao vivo? Porque a gente queria estimular essa conversa social, ver a novela parar nos trending topics, gerar esse buzz. O que vai ser menos linear são as séries e filmes. Mesmo assim, vou falar aqui de “Succession”, meu concorrente lá na HBO. Todo mundo queria ver na hora que saiu, a curiosidade era muito grande na reta final. Claro que não é uma série inteira que vai ser assim, mas um último capítulo gera uma ansiedade. Até para evitar spoilers.
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