O futuro é chinês?
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Ilustração de Isabela Durão

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Reportagem

Conceitos da medicina tradicional chinesa para aplicar no dia a dia

Com milhares de anos de existência, prática inclui acupuntura e outras técnicas que visam a harmonia entre corpo, mente, espírito e ambiente

Tereza Novaes 03 de Agosto de 2025

Conceitos da medicina tradicional chinesa para aplicar no dia a dia

Tereza Novaes 03 de Agosto de 2025
Ilustração de Isabela Durão

Com milhares de anos de existência, prática inclui acupuntura e outras técnicas que visam a harmonia entre corpo, mente, espírito e ambiente

Reconhecida pela Organização Mundial da Saúde, disponível no SUS, no Brasil, e em outros 113 países, a acupuntura abrange um amplo espectro de conhecimentos e tratamentos da medicina tradicional chinesa (MTC), que, ao longo de milênios, evoluiu, se modernizou e ganhou respaldo científico.

A acupuntura é a técnica em que agulhas finas são inseridas na pele para tratar problemas de saúde. Essas agulhas trabalham pontos dos meridianos energéticos, relacionados aos nossos órgãos e vísceras. “Há meridianos do pulmão, do coração e dos intestinos etc. Eles percorrem trajetos diferentes no nosso corpo, e cada um tem pontos específicos para tratar o paciente”, explica a massoterapeuta e acupunturista Mariana Crispim, mestranda em filosofia chinesa.

A medicina tradicional chinesa foi desenvolvida por meio da observação da natureza e da observação clínica, associada à filosofia e o olhar dos chineses sobre a saúde e o corpo

Apesar de ser a faceta mais famosa, ela não é a única prática da medicina tradicional chinesa. São cinco ramos: acupuntura e moxabustão, que usa o calor gerado pela queima da erva artemísia; fitoterapia ou farmacoterapia – a farmacologia chinesa também usa produtos de origem animal, proibidos no Brasil; a dietoterapia, a alimentação na visão da medicina chinesa; tuiná, um tipo de massagem; além das práticas corporais, qi gong, tai chi chuan e lian gong.

“A medicina tradicional chinesa foi desenvolvida por meio da observação da natureza e da observação clínica, associada à filosofia e ao olhar dos chineses sobre a saúde e o corpo”, explica Leandro Sartori, acupunturista especializado no tratamento da dor.

Mas será que esse olhar e filosofia podem ajudar a pensar e prevenir doenças hoje? No contexto dos dias atribulados em que vivemos, a medicina tradicional chinesa tem muitos ensinamentos que podem facilmente ser aplicados no cotidiano, especialmente nos lembrando que, na vida, equilíbrio é tudo.

Origem milenar

A medicina tradicional chinesa se popularizou no Ocidente na década de 1970, mas sua origem é milenar. Segunda dinastia registrada na historiografia oficial, a Shang dominou o vale do rio Amarelo, berço da civilização chinesa, entre 1600–1046 a.C. Os seus artefatos arqueológicos incluem peças feitas com ossos, bronze e jade, além de escritos, alguns pesquisadores defendem que agulhas do período sejam indícios do uso da acupuntura já naquela época.

Embora falte consenso sobre esse início exato, há um marco notável sobre a prática: um documento escrito, datado de cerca de 100 a.C. Trata-se do clássico “Princípios de Medicina Interna do Imperador Amarelo”, referência para quem estuda o tema ainda hoje. Acredita-se que o texto, em formato de perguntas e respostas, seja uma compilação de tradições transmitidas ao longo dos séculos, apresentando desde os termos da filosofia taoísta e conceitos sobre meridianos, fundamentais para a prática.

O princípio básico é que a saúde resulta do equilíbrio entre forças opostas, como o Yin e Yang – frio e quente, ou repouso e atividade –, e da livre circulação do Qi (ar ou energia vital) pelos meridianos, os canais energéticos do corpo. Além disso, há os cinco elementos (Wu Xing): madeira, fogo, terra, metal e água – usados para entender funções corporais e suas relações.

Nem tão esotérico assim

No processo de popularização no Ocidente, especificamente no Brasil, há mais de 50 anos, a transmissão do conhecimento passou por processos de tradução indiretas, que levaram a alguns mal entendidos, incluindo uma ligação da medicina tradicional chinesa ao esoterismo.

“É uma relação equivocada, mas isso está mudando. Muita gente ainda vê como uma medicina alternativa, em um sentido pejorativo. Vários nomenclaturas já foram dadas ao longo do tempo, atualmente é medicina integrativa”, afirma Sartori.

Usado pela Organização Mundial da Saúde, o termo medicina integrativa é associado a outras terapias não convencionais, como a ayurveda, de origem indiana, e a antroposófica. “Muitas dessas práticas, apesar de serem medicinas não convencionais, já possuem evidências científicas e diretrizes para tratamento de diversas condições”, diz o acupunturista.

Neste aspecto, cabe destacar que especialmente em tratamentos de longo prazo, a MTC não substitui tratamentos médicos convencionais, especialmente em casos agudos ou graves, como câncer, infecções ou doenças autoimunes.

Yin e Yang

Há um aspecto importante relacionado ao Yin Yang, relacionado a atividade e repouso, e a importância de manter o equilíbrio entre eles. “Durante o dia, estamos no período Yang, mas o Taijitu, como é chamado o símbolo do Yin Yang, tem um pouco de cada um dentro do outro. Ou seja, é um equilíbrio dinâmico”, aponta Sartori.

Para quem trabalha o dia inteiro sentado, a dica é fazer movimentos de tai chi chuan ou qi gong

A ideia é que, ao longo do dia, Yang, haja pausas, uma pitada de Yin, para equilibrar. Isso significa almoçar com calma, por exemplo. Além disso, o acumputurista recomenda pequenas pausas para respirar. Outro dica é, para quem trabalha o dia inteiro sentado, por exemplo, é fazer movimentos de tai chi chuan ou qi gong. “São excelentes práticas que, às vezes, em cinco minutos conseguem despertar seu corpo e melhorar a circulação.”

Alimentação

A medicina tradicional chinesa observa o ambiente, em especial, as estações do ano, e preconiza que a alimentação deve se adaptar às mudanças do clima. “De forma geral, devemos prestar atenção na temperatura. Se está frio, não se deve colocar mais frio para dentro do corpo. É preciso fazer o contrário, trabalhar com o oposto, ou seja consumir alimentos quentes para manter o calor interno. No verão, a ideia é consumir alimentos mais frescos”, afirma Mariana Crispim.

Ela, porém, faz uma ressalva: “Neste ponto, entra uma outra questão da da medicina chinesa que é muito importante, evitar alimentos crus e frios em excesso. Na visão da medicina chinesa, consumir muitas saladas, comidas cruas e frias, pode ser prejudicial à sua digestão, com vários desequilíbrios a longo prazo.”

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O mais importante, ele diz, é sempre ter algo quentinho na refeição, que pode até ser um prato de salada, mas finalizado com um chá quente.

Beber água gelada também não é costume na China. “Lá é muito fácil conseguir água quente, não só para fazer chá ou para preparar um lamen instantâneo, mas para beber mesmo”, conta a acupunturista, que recentemente esteve no país para aprimorar seus estudos.

Sono

A medicina tradicional chinesa tem diretrizes sobre o horário. “É importante estar dormindo entre 23 horas e 3 da manhã”, afirma Sartori. “Não é dormir somente nesse horário, mas, para a medicina chinesa, nesse horário o órgão que está em maior atividade é o fígado, e isso está relacionado a desintoxicação e a purificação do corpo”, justifica.

É importante estar dormindo entre 23 horas e 3 da manhã; isso está relacionado a desintoxicação e a purificação do corpo

Ele lembra ainda que essa recomendação vai de encontro com a visão convencional biomédica. “Hoje há estudos de diferentes áreas sobre a importância do horário que dormimos, não só a quantidade de horas.”

Muita em alta hoje, a higiene do sono também tem entre suas orientações evitar telas, luz muito clara e interação social intensa. “Tudo o que deixa mais alerta está relacionado ao Yang, à noite deve ser um momento mais Yin, relacionado ao escuro, ao recolhimento, à quietude.”

Para quem acupuntura é indicada?

Apesar de a acupuntura ter uma ampla diversidade de tratamento, no Brasil e no Ocidente, ela costuma ser mais usada como tratamento para dor. “Com certeza, há benefício para tratar de dores de um modo geral, articulares, musculares, questões ginecológicas ou gastrointestinais, enxaqueca e por aí vai”, diz Crispim. Ela indica ainda a acupuntura para tratar questões emocionais. “É excelente em casos como transtorno de ansiedade, pânico e depressão. É impressionante como ajuda esses pacientes.”

Para finalizar, Crispim afirma que a medicina chinesa é interessante para praticamente todas as questões relacionadas à saúde. “Nós, acupunturistas, brincamos que a medicina chinesa só não vai funcionar se a pessoa sofrer um acidente e precisar de um hospital para fazer uma cirurgia.”

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