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Domínio público/ Kamisaka Sekka's Cho

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Repertório

Jeitos de colaborar

Inspire-se em diferentes formatos de doação e na história de pessoas que doam tempo, dinheiro, conhecimento e colaboram para a transformação social

16 de Outubro de 2022

Jeitos de colaborar

16 de Outubro de 2022
Domínio público/ Kamisaka Sekka's Cho

Inspire-se em diferentes formatos de doação e na história de pessoas que doam tempo, dinheiro, conhecimento e colaboram para a transformação social

  • “É preciso exercitar a prática das pessoas negras escolherem para onde devem ir os recursos”

    Giovani Harvey, diretor executivo do Fundo Baobá para Equidade Racial

    Todas as questões sociais urgentes no Brasil passam pelo racismo. “Não há como fazer investimento em educacão, questões de gênero, diversidade, moradia sem olhar para a equidade racial”, diz a Gama Giovanni Harvey, diretor executivo do Fundo Baobá para Equidade Racial.

    Criado em 2011, esse fundo patrimonial — um montante formado por doações de empresas, organizações não-governamentais e pessoas físicas — é dedicado à promoção da equidade racial para a população negra.

    O fundo é parte da Rede de Filantropia para a Justiça Social, um espaço que reúne fundos, fundações comunitárias e organizações doadoras que mobilizam recursos para apoiar grupos da sociedade civil que atuam nos campos da justiça social, direitos humanos, cidadania e desenvolvimento comunitário.

    A diferença em relação aos fundos tradicionais é que ele é gerido por pessoas do movimento social negro ou alinhadas a esse tema. “Doar é sempre legítimo, mas é condicionado pelos parâmetros de quem doa”, lembra Harvey. Segundo ele, quando não se reconhece determinados temas, não se destina recursos para eles. Daí a escolha de profissionais com esse histórico e experiência para definir a alocação de recursos no financiamento de projetos de enfrentamento ao racismo no Brasil.

    Harvey, que já atuou em cargos públicos do governo federal pela promoção da igualdade racial, acredita que, após séculos de descaso com essa causa, há uma transformação em curso desde a última década, quando essa agenda ganhou mais visilidade. Ele diz que, nesse cenário, a atuação do fundo se expande, tornando-se referência. “Ao exercitarmos a pratica de pessoas negras decidiram onde o dinheiro vai ser colocado, nós podemos ainda influenciar outras organizacoes filantrópicas que têm aderência a essa pauta.” (Luara Calvi Anic)

  • “A gente entrega comida para quem está passando fome, mas é emergencial. O negócio mesmo é educar”

    Shackal, rapper e fundador da Tropa da Solidariedade

    Quando a pandemia começou e as pessoas precisaram entrar em lockdown, o rapper carioca Shackal, 49, não teve dúvidas do que fazer. Ele, que chegou a morar nas ruas da Lapa durante quase 20 anos, decidiu se unir a amigos para distribuir quentinhas aos moradores de rua do bairro. Assim nasceu a Tropa da Solidariedade. Além de contar com doações e com o trabalho de voluntários, Shackal também conseguiu arrecadar dinheiro com eventos artísticos e a venda de obras de arte de colaboradores voluntários. “A gente conhece o bairro, conhece todas as pessoas. A Lapa tem gente do mundo inteiro, mas também tem casebres, ocupações, morador de rua pra caramba”, conta. “Na pandemia, ficou tudo fechado, sem um bar ou restaurante aberto. Organizamos esse movimento aqui durante todo esse tempo, de fazer uns corres, juntar dinheiro e entregar comida para quem precisava.”

    Este ano, o projeto se instalou em um imóvel no Beco dos Carmelitas. Atualmente, a Tropa está reformando a sede, que conta com uma cozinha e deverá inaugurar também um estúdio musical. Além de continuar distribuindo quentinhas e cestas básicas, Shackal e seus colaboradores têm tocado em frente um projeto de revitalizar a ruela onde ficam, apelidada de Beco do Pantera — uma referência ao turístico Beco do Batman, em São Paulo. O grupo já trocou lâmpadas da rua e grafitou paredes da viela antes degradada, num trabalho que segue acontecendo a todo vapor.

    Shackal diz ter se ligado que, apesar da importância de ações emergenciais para combater a fome, o que transforma mesmo é a educação. Por isso, busca parcerias para sediar cursos de pré-vestibular e profissionalização em áreas como audiovisual dentro do espaço do projeto. Ele também detalha as dificuldades para conseguir doações, cujo volume caiu após dois anos de pandemia — atualmente, a Tropa conta apenas com uma cesta básica disponível no local. Mas o rapper, que hoje tenta retribuir a ajuda que recebeu no passado, valoriza inclusive os pequenos gestos. “Uma pessoa que me deu um bom dia já matou minha fome. Parou de doer a cabeça, o olho encheu de água. Para quem é invisível, às vezes um oi é melhor que comer.” (Leonardo Neiva)

  • “Promovemos transformação social por meio da educação e da arte”

    Edilson Ventureli e Isaac Karabtchevsky, maestros do Instituto Baccarelli

    Tudo começou com um incêndio, há mais de 25 anos. O fogo destruiu parte da comunidade de Heliópolis, na Zona Sul de São Paulo. Em uma tentativa de oferecer alento aos jovens da região, o maestro Silvio Baccarelli ofereceu o que tinha de melhor para dar: ensino musical. No início, um grupo pequeno tinha aulas em uma singela garagem na Vila Mariana. Hoje, na sede no Ipiranga, já são mais de mil crianças e jovens, quatro orquestras, dezesseis corais e vinte grupos de musicalização.

    O Instituto Baccarelli, para proporcionar ensino de excelência a jovens em situação de vulnerabilidade, combina três grandes eixos: cultural, educacional e social. “Promovemos inclusão e transformação social, além do resgate da cidadania por meio da educação e da arte”, afirmou o diretor executivo Edilson Ventureli, em entrevista. Por mais que, no Brasil, por conta de impostos e burocracias, a filantropia cultural seja escassa, a organização é referência no desenvolvimento pessoal de seus alunos e ainda oferece oportunidades de profissionalização musical.

    Com direção artística do maestro Isaac Karabtchevsky, que se emociona ao falar sobre a experiência de reger a Orquestra de Heliópolis, o instituto já se apresentou nas principais salas de concerto de São Paulo, e assim democratizam o acesso à cultura. “Hoje, eles se constituem na camada mais importante que permeiam as orquestras brasileiras. E estão lá, jovens de Heliópolis”, disse Karabtchevsky.

    Além do maestro indiano Zubin Mehta, um dos maiores do mundo, ter aceitado ser patrono da instituição em 2005, a orquestra já se apresentou sob regência de nomes como Peter Gülke, Yutaka Sado e Marin Alsop. Também realizou concertos com artistas populares consagrados, como Milton Nascimento, Fafá de Belém, Mano Brown e Criolo. Desde março de 2020, o instituto abriu uma nova frente de atuação com a campanha Tocando Juntos Por Heliópolis, que luta pelo combate a fome nas casas de família da maior favela de São Paulo. (Manuela Stelzer)

  • “Entendi que a minha ferramenta para trazer alguma mudança era a gastronomia”

    Edson Leite, chef, assistente social e fundador da Gastronomia Periférica

    Foi no curso de serviço social que Edson Leite, aprendeu o que são direitos. Cofundador da Gastronomia Periférica, um negócio social que capacita cozinheiros, ele vinha de uma temporada em Portugal, onde aprendeu a cozinhar meio por acidente no início – era garçom e o único funcionário disponível no dia em que o cozinheiro faltou.

    Sete anos e passagens por diversos restaurantes depois, um problema na coluna o fez voltar ao Brasil. Chegando aqui, percebeu que, embora ele tivesse mudado depois da experiência, no país “tudo estava no mesmo lugar”. “Entendi que a minha ferramenta para trazer alguma mudança era a gastronomia. Para falar sobre aproveitamento total da comida, para mostrar que as pessoas têm direito à alimentação e à educação. Ela poderia ser essa ferramenta de transformação social para as pessoas da periferia”, conta.

    Nascia assim, há dez anos, o projeto da Gastronomia Periférica Leite juntou-se à psicóloga Adélia Rodrigues, sua sócia até hoje, para desenvolver o projeto. Seis anos mais tarde, em 2018, conseguiram abrir sua primeira escola de gastronomia. A ideia naquele começo era formar pessoas periféricas na profissão de cozinheiro junto a organizações locais. Mas pouco depois, a pandemia de covid-19 fez com que eles revissem os planos: afinal, ninguém podia ir aos lugares, e como garantiriam a alimentação? O jeito foi improvisar e rapidamente migrar para a educação à distância, o que pressupunha outro tipo de educação: o letramento digital. “Demos suporte de internet e tutorial para que nossas alunas conseguissem acessar o conteúdo que quem tem grana já acessava. Fizemos então essa outra formação para o mundo digital.”

    Com a EAD a todo vapor, a pandemia acabou por acelerar a expansão da GP para 20 estados do país. Hoje, Leite a define como uma escola híbrida: a primeira parte do curso é ministrada toda de forma virtual, e a segunda, de formação e estágio, de forma presencial. Um dos lugares de estágio é o Restaurante da Quebrada, na Vila Madalena (zona oeste de São Paulo), montado em parceria com a marca de produtos orgânicos Mãe Terra.

    A pandemia fez também com que Leite e Rodrigues criassem um fundo para as necessidades básicas de alunos com menos poder aquisitivo, usado para comprar itens que vão desde alimentos a fraldas e absorventes. “Esse fundo nos dá liberdade para direcionar os recursos para a necessidade real: do que adianta receber fralda P se eu preciso de G?”. Parcerias com marcas de alimentos também entram na pauta de doações. “Com a Barilla, por exemplo, a gente doa 500 quilos de macarrão por mês; uma equipe multidisciplinar mapeia as necessidades de cada quebrada. Por isso digo que a Gastronomia Periférica é um universo vivo. Não é uma ONG, não é um instituto, não é poder público, não é só um negócio. É um negócio social.” Entre alguns dos parceiros da GP, estão o Instituto Tide Setubal, em São Miguel Paulista, na zona leste; e o Instituto Baccarelli, em Heliópolis, na Zona Sul.

    Desde que abriu a escola, já são 700 formados em gastronomia. “O que fazemos hoje é garantir direitos que foram retirados das pessoas. Não quer dizer que dentro do nosso trabalho não haja filantropia. Mas a gente não precisaria de filantropia se todos os direitos tivessem garantidos”, afirma Leite.

    Aliás, é em torno dos direitos que está também o maior desafio. “É fazer com que o poder público e a própria periferia entenda o quanto o estado deve garantir e o quanto a gente deve exigir. A gente não fala de direitos dentro das escolas de formação, mas temos que mudar isso, temos que falar.” (Isabelle Moreira Lima)

  • “Para aprender, você precisa chegar perto”

    Cristina Penz, diretora da Future Brand e apoiadora do Confluentes

    Um grande tema da filantropia é a confiança que doadores precisam ter nas instituições que apoiam. Foi esse um fator importante que fez Cristina Penz, comunicóloga e diretora da Future Brand, empresa que faz consultoria para marcas, escolhesse apoiar o Confluentes. A instituição faz justamente esse trabalho de curadoria e de criar pontes entre apoiadores e apoiados. A cada ano, um conselho escolhe um conjunto de organizações para receber os fundos arrecadados.

    Para Penz, é a oportunidade de fazer uma doação certeira para instituições qualificadas. “É como se eu estivesse ali com a minha bandeirinha formando uma grande massa de apoiadores para a causa que acredito”, diz a Gama. Ela lembra ainda da necessidade de doações financeiras recorrentes, e não apenas pontuais, como é comum no Brasil, para que seja possível um trabalho especializado e contínuo frente a determinado problema.

    “Certas causas são muito desafiadoras não apenas pela complexidade, mas também porque é preciso transformá-las em iniciativas estruturadas, o que demanda dinheiro”, diz. “Eu sempre doei, mas hoje consigo ter mais certeza de que estou fazendo a diferença.”

    Colaborando com o Confluentes ela tem acesso a profissionais que trabalham nas instituições apoiadas e a doadores que acreditam nas mesmas causas que ela. “Para aprender, você tem que chegar perto”, diz a Gama. “Não é apenas sobre levantar uma grande quantidade de dinheiro, que também é importante, mas ter trocas, aprendizados, conhecimentos que depois a gente transforma em acão da sociedade civil organizada.” (Luara Calvi Anic)

Este conteúdo foi produzido com o apoio de Confluentes, Gife e Movimento Bem Maior.