"Fácil é ter boas intenções. Difícil é produzir dinheiro" — Gama Revista
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Sariana Fernández

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"Fácil é ter boas intenções. Difícil é produzir dinheiro"

O empresário e professor de Harvard Michael Chu afirma que a pandemia não alterou o perfil do empreendedor, mas apresentou novas demandas e oportunidades para o mercado

Leonardo Neiva 16 de Maio de 2021

“Fácil é ter boas intenções. Difícil é produzir dinheiro”

Leonardo Neiva 16 de Maio de 2021
Sariana Fernández

O empresário e professor de Harvard Michael Chu afirma que a pandemia não alterou o perfil do empreendedor, mas apresentou novas demandas e oportunidades para o mercado

Quando a pandemia chegou, em 2020, um de seus primeiros efeitos, além das milhares de mortes no mundo todo, foi o impacto causado no universo financeiro e empresarial. Lojas fecharam as portas sem uma previsão definida de reabertura, empresas mandaram seus funcionários em peso para trabalhar em home office e investidores seguraram as rédeas de suas ações, sem saber o que seria dos próximos meses e anos. O mundo entrou num panorama praticamente instantâneo de crise financeira, o que está causando e ainda deve ter um impacto profundo tanto em questões sociais quanto no mundo do empreendedorismo ao longo dos próximos anos.

Nascido na China e criado em Montevidéu, no Uruguai, o empresário e professor de negócios na Universidade de Harvard Michael Chu vem estudando há décadas o mercado latino-americano. Suas pesquisas são focadas especificamente em negócios voltados para populações de baixa renda e no uso de plataformas comerciais para responder demandas sociais e questões de responsabilidade pública. Uma temática que, ele lembra, ganha ainda mais visibilidade em meio à pandemia, que teria invalidado os avanços da última década na redução da desigualdade no Brasil.

Para Chu, o perfil ideal do empreendedor não deve sofrer grandes mudanças devido à pandemia, mas algumas das necessidades e demandas da população sim se modificaram. “Os correntistas que viraram clientes do Nubank [banco digital em que não há contato físico com os clientes] aumentou com a pandemia. Inclusive entre os brasileiros mais velhos. Cidadãos idosos não eram o foco quando a empresa começou, mas, devido à pandemia e ao fato de essas pessoas — que são grupo de risco — quererem minimizar o contato humano, evitando ir pessoalmente ao banco, esse crescimento aconteceu. É um exemplo de como alguns negócios que facilitam a interação à distância cresceram”, explica. E algumas dessas tendências, como o crescimento das compras online, segundo ele, vieram para ficar.

Além de professor e bem informado sobre o mercado brasileiro, Chu também é sócio do Grupo IGNIA, empresa de capital de risco mexicana que investe em empreendimentos voltados para a classe média emergente e a população de baixa renda. Também é conselheiro sênior e cofundador do Grupo Pegasus, de Buenos Aires, e participou da fundação de vários bancos de microfinanças em países como Peru e Bolívia. Atualmente, integra o conselho da Arcos Dorados, que opera a franquia McDonald’s na América Latina e Caribe, e da startup de supermercados automatizados Takeoff Technologies.

Em entrevista a Gama, ele lança um olhar sobre o impacto da pandemia e as perspectivas de recuperação nos mercados latino-americanos, fala do papel do empreendedor e também da importância de focar o lucro em empreendimentos sociais.

O acesso à vacina é uma das questões mais importantes para a recuperação econômica, e a América Latina está tendo problemas com isso

  • G |O que mudou no mercado com a pandemia? O que deve permanecer?

    Michael Chu |

    A pandemia afetou o mundo inteiro. O que ela fez foi limitar algumas coisas e acelerar outras. No curto prazo, todos os mercados tiveram que lidar com o fato de que há pessoas morrendo, uma crise de saúde que trouxe grande disrupção à forma como as pessoas vivem suas vidas, como fazem compras, cozinham e têm acesso ao entretenimento ou ao trabalho. E isso fez crescer dificuldades que já existiam na sociedade, como a desigualdade. Todos esses problemas foram elevados a ponto de se tornarem muito visíveis e impossíveis de ignorar. O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Se olhar para a sociedade brasileira, há os que têm acesso a muitas coisas e aqueles que têm acesso a uma parcela reduzida delas, cerca de 70% da população. Essa camada é caracterizada pela classe média, classe média baixa e classe baixa, o que na América Latina é chamado de classes C e D. Acima, estão as A e B e abaixo está a E. A pandemia, segundo muitos observadores, mandou essa camada da população uma década para o passado, jogando fora todo o progresso que vinha até ali, porque os níveis de desigualdade no Brasil tinham melhorado nas últimas décadas. É um movimento que também está acontecendo em outras partes da América Latina. Outra das principais tendências do mundo é a aceleração da era digital, que permite que muita gente se comunique e trabalhe de casa. E essa é uma das mudanças fundamentais da pandemia, que deve ter um impacto enorme porque provê uma plataforma da qual quase todo mundo pode participar.

  • G |Hoje está mais difícil empreender? Ou há novas oportunidades?

    MC |

    Para começar um negócio, você precisa de uma boa ideia, que atenda a uma necessidade. E também precisa de capital. Os mercados financeiros praticamente pararam no início da pandemia porque as pessoas estavam incertas, não sabiam o que estava acontecendo, mas eles logo retornaram. Então muitas das condições para abrir um negócio voltaram a algo semelhante ao que era antes. O que está diferente é que, para negócios que requerem contato, como o varejo, baseado em consumidores, o risco é grande porque o setor sofreu uma série de restrições, seja pelas regulações ou por como as pessoas mudaram seus comportamentos. Então, se você for abrir um restaurante, as condições são muito diferentes do que eram.

  • G |E que setores ganharam mais destaque?

    MC |

    Recentemente, tive a oportunidade de interagir com uma grande empresa brasileira, o Nubank. Os correntistas que viraram clientes do Nubank [banco digital em que não há contato físico com os clientes] aumentou com a pandemia. Inclusive entre os brasileiros mais velhos. Cidadãos idosos não eram o foco quando a empresa começou, mas, devido à pandemia e ao fato de essas pessoas — que são grupo de risco — quererem minimizar o contato humano, evitando ir pessoalmente ao banco, esse crescimento aconteceu. É um exemplo de como alguns negócios que facilitam a interação à distância cresceram. Mas não é o único fator. Também trabalhei em uma pesquisa com outra empresa brasileira, a Sorridents, que oferece tratamento dentário a preço baixo. O Brasil tem um sistema de saúde pública nacional que também inclui tratamento dentário, mas na pandemia, em meio ao caos da covid-19, muita gente optou por pagar pelo que a Sorridents oferece, tanto em termos de equipamento, atendimento e limpeza do ambiente. Um tratamento mais eficiente, com menos risco de infecção e sem ter que esperar tanto tempo na fila. Isso mostra o impacto da pandemia em alguns negócios, um efeito que deve durar mesmo depois que esse momento passar.

  • G |Qual é o perfil ideal de um empreendedor para os próximos dez anos?

    MC |

    Não acho que isso tenha mudado. As características fundamentais do ambiente empreendedor continuarão iguais. O que vai mudar é a forma de fazer algumas coisas, como a aceleração digital. Então a diferença vai ser a necessidade de utilizar de forma mais intensa essas ferramentas dentro do ambiente profissional. Se não reconhecer essa necessidade, será um problema. Mas, para ser bem-sucedido, um empreendedor continua tendo que atender uma demanda. É essencial ter uma visão, um impulso pessoal para perseverar e a capacidade de se adaptar muito rapidamente. Os empreendedores bem-sucedidos são aqueles que criam modelos de disrupção. E, se você trouxer uma solução muito inovadora, no início será difícil atrair o consumidor. Então é preciso adaptar a mudança às pessoas. Como se diz no futebol, “jogo de cintura”, é isso que é preciso ter.

  • G |O que empresas que foram bem-sucedidas nesse período tiveram que fazer para se adaptar?

    MC |

    Pelo que vimos até agora, apostaram no digital. A pandemia separou vencedores de perdedores, quem se adaptou e quem não. Não sei o que está acontecendo no Brasil, mas nos Estados Unidos e no resto do mundo houve um salto nas compras de mercado online, por exemplo. Então quem investiu nisso tem colhido frutos. Outro caso emblemático é o do McDonald’s no Brasil, que teve uma resposta extraordinária à pandemia. Eles apostaram em ambientes em que as pessoas se sentiam seguras, incentivando o uso do drive-thru e criando estratégias para intensificar as compras em delivery. Foi uma adaptação que reforçou formas seguras de ter acesso aos produtos, importantíssima para compensar parte das perdas nos restaurantes.

  • G |Sua principal área de estudo, o empreendedorismo social e inclusivo foi mais duramente afetado na pandemia?

    MC |

    Com certeza. Como mencionei, a pandemia afetou os 70% abaixo da elite. Muitos que precisavam ir pessoalmente trabalhar todos os dias perderam o emprego. Se você trabalha com vendas ou no setor de construção, é obrigado a interagir o tempo todo. São os mais afetados e os que mais estão morrendo. Então há um custo humano enorme. A forma como essas pessoas acessam as compras de mercado ou planos de saúde também é muito diferente. Quando as classes A, B e C adoecem, têm muito mais possibilidades para se cuidar do que a maioria da população. Ainda assim, a maioria dos brasileiros vai continuar vivendo e tendo necessidades, e os negócios seguirão encontrando formas de servi-los. De certa forma, com a crise econômica, algumas pessoas devem cair da classe média para classes mais baixas e vão precisar dos serviços oferecidos por empreendedores sociais, que pode até ganhar mais importância e valor.

  • G |Pode falar um pouco sobre sua experiência como empreendedor e investidor na América Latina?

    MC |

    Já fiz negócios nos EUA, na Europa e na América Latina. Tudo que é preciso para ser bem-sucedido em países desenvolvidos também é necessário nos emergentes, mas com questões adicionais. A América Latina é uma das regiões com maior desigualdade de renda no mundo. O acesso ao capital é muito mais difícil e há um ecossistema empresarial menos desenvolvido. Nos EUA, pode-se dizer que o que você precisa é de uma grande ideia e de pessoas talentosas que a coloquem para funcionar. Com isso, vai conseguir o capital necessário para ir em frente. Na América Latina — e o Brasil não é exceção —, você também começa necessitando de uma grande ideia e de profissionais de talento, mas é muito difícil conseguir financiamento. Quando seu negócio é bem-sucedido, você busca ainda mais financiamento porque precisa dele para fazer a empresa crescer. Uma empresa que cresce muito rápido também vai ter perdas grandes. Na América Latina, não existe essa compreensão. Há muito dinheiro para investir em negócios bem-sucedidos e que estão conseguindo lucro. O mais absurdo é que, no momento em que você tem lucro e é bem-sucedido, não precisa desse dinheiro. Você precisa dele quando seu negócio está crescendo e busca alguém para dar apoio a esse risco.

  • G |Esse e outros problemas devem atrasar a recuperação da região pós-pandemia?

    MC |

    Essa recuperação vai depender de muitos fatores. Em primeiro lugar, uma coisa muito simples: o nível de vacinação. O acesso à vacina é uma das questões mais importantes para a recuperação econômica, e a América Latina está tendo problemas com isso. Outro fator é a recuperação da renda, o que deve levar anos para a vasta maioria da população. Portanto, as pessoas terão menos fundos para gastar. E, finalmente, a América Latina vive um contexto político muito difícil. Não estou falando de esquerda, direita ou posições políticas do tipo. O que realmente importa é que a maioria dos países da região não tem ecossistemas de negócios que ofereçam soluções viáveis para os problemas que enfrentam. E, além de tudo que citei, ainda existem os problemas no contexto mundial, que vive um momento de desaceleração.

  • G |No Brasil, tem crescido o número de micro e pequenos empreendedores durante a pandemia. Isso está acontecendo em outros lugares? Qual deve ser o destino desses empreendedores?

    MC |

    Não posso responder com números precisos, mas minha impressão é de que isso está acontecendo por toda a América Latina. A maioria dos negócios que estão nascendo vão lutar para sobreviver. Alguns vão crescer, vários vão perecer. A necessidade de alimentar a família é o que norteia a maioria. Já andei por áreas pobres do Brasil e de outras partes do mundo. A atividade econômica está sempre presente porque as pessoas têm necessidades e ninguém lhes dá nada. As pessoas têm o que têm, antes ou durante essa pandemia, porque precisam fazer algo que não dependa da ajuda alheia. Pessoas que abrem restaurantes porque sabem cozinhar ou que produzem algo. Nos bairros de baixa renda da América Latina, vejo pessoas criando coisas autênticas, em busca de fazer algo novo. Às vezes, surge um negócio que atende tão bem as necessidades das pessoas, com um bom modelo de negócios, que aquilo acaba decolando. É o caso do Sorridents, que nasceu numa vizinhança pobre. Eles apostaram numa solução difícil, conseguir tratamento dentário de alta qualidade para pacientes de baixa renda. Mas, uma vez que deu liga, cresceu bastante porque atendeu uma demanda importante.

  • G |O que um empreendedor começando agora no Brasil deve fazer para ser bem-sucedido?

    MC |

    Encontrar uma demanda que as pessoas considerem realmente urgente e responder a isso de uma forma visivelmente melhor do que as demais alternativas. E fazer isso de forma a ganhar dinheiro, porque você precisa disso para poder crescer.

  • G |Você conhece outros exemplos de empreendedores ou empreendimentos que foram bem-sucedidos na pandemia?

    MC |

    Outro grande negócio que também foi bem é a rede Dr. Consulta, que oferece atendimento médico a um preço baixo. A pandemia criou novas necessidades ou colocou uma ênfase diferente em certas demandas. Hoje, qualquer solução que minimize o contato físico é de grande importância. Isso provavelmente vai acabar, a pandemia também deve passar. Mas coisas que começamos a fazer por causa dela devem permanecer. Por exemplo, as pessoas descobriram as compras online. Muita gente gostou do que descobriu, e isso deve ficar para o futuro. Sempre que existem grandes problemas, surgem oportunidades. Para aqueles que conseguem capturá-las, a pandemia, apesar de horrível, deve ajudar a acelerar a performance. A guerra também gerou oportunidades e respostas inovadoras. E, mais do que novas respostas, meios diferentes de entregar bens e serviços se tornou algo importante.

  • G |O empreendedorismo social se tornou mais importante do que nunca nesses tempos?

    MC |

    Não mais do que nunca porque ele sempre foi importante, a pandemia é apenas um lembrete dessa relevância. O maior desafio é oferecer soluções efetivas e acessíveis. O sucesso nesse caso se define pelo número de pessoas que você atinge. Por isso, criar negócios comercialmente bem-sucedidos e lucrativos é essencial. Quando você cria um modelo atrativo, outros vão chegar para expandir esse serviço. Se pudesse mandar uma mensagem para todos os empreendedores sociais, diria que o que importa não são suas intenções, e sim o que e quão abrangente é o que você entrega. Fácil é ter boas intenções. Difícil é produzir dinheiro. O que precisamos é de pessoas criativas e com pensamento focado em realmente levar o negócio adiante.