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ReportagemViih Tube e influenciadores falam sobre saúde mental
Se a fama tem um preço, a nota fiscal de influenciadores pode ser encontrada no divã. Gama conversou com celebridades das redes para entender a quantas anda a saúde mental no mundo digital
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Viih Tube e influenciadores falam sobre saúde mental
Se a fama tem um preço, a nota fiscal de influenciadores pode ser encontrada no divã. Gama conversou com celebridades das redes para entender a quantas anda a saúde mental no mundo digital
Ser rejeitado é um dos medos mais comuns, presente até naqueles que se julgam autoconfiantes. A ideia de não agradar, ter alguma atitude reprovada ou ser preterido é perversa, capaz de mexer com a autoestima. Imagine então que, de 107 milhões de pessoas, 96,69% te rejeitam de maneira categórica. O que para muitos é um cenário digno de pesadelo, para Vitória Moraes foi a mais dura das realidades. Conhecida como Viih Tube, a polêmica youtuber foi eliminada do Big Brother Brasil 21 com essa porcentagem em um paredão de mais de 100 milhões de votos.
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Apesar de ter cerca de 22 milhões de seguidores no Instagram e mais de 1 bilhão de visualizações no YouTube, as atitudes da jovem dentro do reality – vistas como manipulativas por boa parte do público – lhe renderam a terceira maior rejeição da história do programa. Engana-se, no entanto, quem acha que a experiência foi negativa. Calejada pela internet desde a adolescência, a youtuber conta que, ao sair da casa, se sentiu livre pela primeira vez em muito tempo. Dentro do reality, ela combateu seu maior medo: o de se expressar. “Mostrei todas as minhas versões para o público e a sensação de liberdade foi maior do que qualquer outro medo. Foi algo único, valeu bem mais do que qualquer prêmio”, afirma Viih Tube.
A influenciadora já era conhecida na internet por seus vídeos, pelas séries que escreveu, dirigiu e atuou, por seu filme para a Netflix e também pelos cancelamentos, que começaram quando ainda era adolescente. No mais infame deles, aos 15 anos, a garota filmou a si mesma cuspindo na boca de seu gato de estimação. O vídeo viralizou e a reação do público foi previsivelmente negativa. Além de ouvir ofensas e xingamentos online, ela acabou sendo agredida na rua por um homem. “Foi bem ruim, cheguei ao ponto de tentar me suicidar. Passei por coisas que até hoje tenho de tratar na terapia, mesmo cinco anos depois”, conta a youtuber.
É importante reconhecer seus limites e saber cuidar de si mesmo. Fique sem celular, apague as redes sociais e se distraia. Observar o ódio das pessoas é pior e só vai te fazer mal
Hoje, Viih Tube se diz traumatizada. “Tem coisa que, mesmo antes de postar, já sei que vai causar hate. Minhas cicatrizes podem estar fechadas, mas é bem rápido para elas reabrirem.” O ódio na internet acabou prejudicando a influenciadora em diversas áreas e fez com que temesse se expressar. Apesar do trauma, tenta encarar seus erros como oportunidade de reflexão. No final de 2021, ela lançou o livro “Cancelada”, onde relata sua experiência com a internet e aconselha aqueles que, porventura, também sofram um cancelamento.
Foto Pedro Rocha
A recomendação da jovem para lidar com o problema além de frequentar a boa e velha terapia, é simples – sumir do mapa. “Tem quem ache que, quando você some, é porque é culpado. Mas é importante reconhecer seus limites e saber cuidar de si mesmo. Fique sem celular, apague as redes sociais e se distraia. Observar o ódio das pessoas é pior e só vai te fazer mal.” Caso o cancelado queira se retratar ou se explicar, Viih Tube afirma que o melhor é esperar. “Precisa dar um tempo a si mesmo, a cabeça não aguenta tudo de uma vez.” E, como lição, a youtuber aprendeu a ter responsabilidade e cautela com o que posta. “Pensou que algo pode ser mal interpretado? Não posta. Se surgir aquela vozinha questionando, é bom escutar.”
A experiência de Viih Tube não é única no meio de celebridades e influenciadores digitais. Nomes como Whindersson Nunes, Felipe Neto e Kéfera já relataram os problemas que enfrentam com sua saúde mental, causados não só pelo ocasional cancelamento, mas por toda a rotina e pressão de ser um influenciador. E, se para alguns o ato de cancelar não passa de uma responsabilização por ações problemáticas, para outros a prática é nociva e, além de não resolver o problema, só prejudica a saúde mental de influenciadores e os afasta de espaços públicos. No começo de 2022, por exemplo, a youtuber e escritora Lindsay Ellis anunciou que sairia de todas as redes sociais e deixaria de publicar vídeos em seu canal.
O motivo, contou em carta aberta aos fãs, foi o assédio constante que sofria por comentários e ações que alguns consideraram ruins. Mas mesmo depois de um longo vídeo onde pede desculpas, as críticas e xingamentos continuaram. “Estar no meio da opinião pública é um jogo perdido, e eu me arrependo de tudo”, afirmou Ellis. “E, para todos que dizem que preciso ou ser mais resistente ou me retirar completamente da conversa – vocês estão certos. Eu não tenho forças para a primeira opção, então farei a segunda.”
Certos ou errados em seus posicionamentos, o fato é que receber uma avalanche de comentários negativos não é saudável para ninguém. Tanto que a exposição na internet e nas redes vem afetando a saúde mental de celebridades da internet. E, em muitos casos, parece que só o divã salva. “Felizmente, com muita terapia, consegui ficar bem”, relata Viih Tube. “Hoje sou adulta e tenho minha cabeça no lugar. Sei onde errei e busco não me condenar por isso, mas sim melhorar e evoluir enquanto pessoa.”
Para entender de que forma o trabalho nas redes pode afetar a saúde mental e como uma boa terapia pode ajudar, Gama conversou com influenciadores que tiveram que aprender a lidar com algumas questões inerentes à atividade — rentável, sim, mas também profundamente estressante.
Manual para influencers
Hoje, falar de saúde mental e terapia já não é mais novidade entre os principais influencers do Brasil, alguns deles acumulando milhões de seguidores em suas redes. Em 2019, um grupo de dez deles se uniu para criar o Como Crescer, um guia informal sobre como lidar com problemas de saúde mental para quem tem na internet o seu principal ganha-pão. Integraram o projeto nomes de peso, como Spartakus Santiago, Ellora Haonne, Vitor DiCastro e Dora Figueiredo.
Em 15 vídeos curtos, além de conteúdos distribuídos entre o site e o perfil do Como Crescer no Instagram, os influencers se basearam em suas próprias experiências para abordar temas difíceis, como a pressão para produzir conteúdo, as respostas de seguidores — que, como se sabe, nem sempre são positivas — e distúrbios como ansiedade, depressão e burnout.
Quando você não está performando bem nas plataformas, isso te afeta. Você segue o que as pessoas estão falando e perde sua individualidade pelo medo
Lorena Monique dos Santos, a Negatta, foi uma das influenciadoras que participaram do projeto. “O público tem uma visão superficial do criador de conteúdo. Apesar de estarmos muito expostos, escolhemos tudo o que vamos postar. O que as pessoas veem na tela não somos nós de verdade, mas sim um recorte.” Para a youtuber, falar sobre a saúde mental dos criadores de conteúdo é humanizar a profissão e as pessoas que atuam no meio. “Ao trabalhar nessa área, estamos em contato direto com a opinião do outro a todo o momento. Isso faz com que você acabe se tornando refém do que os outros esperam e pensam de você.” A ideia do projeto foi “dar o caminho das pedras” para quem está começando, focando no bem-estar do influenciador, e não no algoritmo.
Divulgação
A influenciadora conta que a cobrança exagerada — seja do público ou dela mesma — afetou sua maneira de criar vídeos. “O que você produz pode até agradar uma boa parte do seu público, mas sempre vai haver uma porcentagem que não vai gostar. Só que nós acabamos anulando quem nos abraça e só escutamos quem critica.” Esse feedback negativo pode acabar moldando a produção do influenciador tornando-o do algoritmo. “Quando você não está performando bem nas plataformas, isso te afeta. Você segue o que as pessoas estão falando e perde sua individualidade pelo medo.”
Foi só com ajuda de terapia que Neggata conseguiu minimizar esses problemas e permanecer fiel às suas convicções. Parte do processo, que começou dois anos atrás, foi olhar para si mesma, e não para sua figura como influencer, reconhecendo as dores que a afetavam. “Entendi que tenho ansiedade e depressão e passei a lidar com as minhas questões de forma mais saudável. Trabalho em um mercado que adoece, mas hoje me sinto bem melhor. Graças à terapia, não entrei na lógica de me tornar um produto dos outros.”
O consultório e as redes sociais
Buscar um suporte psicológico é essencial para quem precisa lidar com o dia a dia das redes sociais, segundo o psicólogo Cristiano Nabuco. Especialista em questões que envolvem saúde mental e tecnologia e coordenador do grupo de dependência tecnológica do Hospital das Clínicas, ele afirma que uma das maiores questões das redes é que, dentro delas, tudo se intensifica. “O que acontece na vida virtual é um lado nosso muito superlativo. A gente não gosta das pessoas, a gente ama. Não tem antipatia, e sim odeia. Lidar com esses lados paradoxais é um grande desafio, porque as pessoas são muito agredidas”, explica.
Para Nabuco, a comunicação na internet difere daquela cara a cara em um ponto crucial. Enquanto nas interações presenciais as relações se baseiam na empatia, com possibilidade de modular o que dizemos ao longo do caminho, sempre de acordo com a reação alheia, um influencer que fala diariamente com milhões de pessoas não tem a mesma possibilidade. “É como se estivesse navegando por instrumentos. Você deixa de usar sua percepção pessoal, que norteia aquilo que você é, para se basear na opinião dos outros.”
Assim, segundo o especialista, a pessoa acaba submetendo tudo que vai dizer a um filtro que engloba a reação de uma enorme massa composta por milhões de pontos de vista conflitantes. E lidar com isso requer um equilíbrio emocional e psicológico difícil de conseguir. Para manter um nível alto de interações, muitos acabam tendo que conviver com medo e ansiedade constantes, que passam a permear sua vida pessoal em meio à ação de haters e ao cancelamento que está sempre à espreita.
“Por mais que compreenda logicamente que aquilo faz parte do processo, seu lado emocional nem sempre está bem estruturado. Quem não vive dificuldades? Quem não sofre de rejeição? Quando essas questões estão em alta, esse tipo de agressão tende a ter uma repercussão muito maior para você”, afirma Nabuco.
Foto Tassio Yuri
Pânico nosso de cada dia
Foi mais ou menos o que aconteceu com a influencer e jornalista Amanda Ramalho, 35, ex-integrante do programa Pânico tanto em sua versão na rádio quanto na TV. Em 2018, durante uma gravação ao vivo na rádio Jovem Pan, o cantor Biel, convidado do episódio, afirmou que, no passado, a jornalista tinha chegado a desejar sua morte. Após a discussão acalorada que se seguiu, ele acabou saindo no meio do programa e, mais tarde, Amanda pediu demissão.
“Eu acreditei no que ele disse e pedi desculpas nas redes sociais. Logo as pessoas começaram a me pintar como um monstro”, conta a jornalista. Só que o cancelamento foi revertido poucas horas depois. “As pessoas acharam o vídeo e viram que eu nunca falei aquilo. Acabei me retratando por algo que não fiz, mas não me arrependo.”
Hoje no comando de um premiado podcast sobre saúde mental, o Esquizofrenoias, Amanda teve seu diagnóstico de depressão e ansiedade decretado desde o início de sua participação no programa, lá em 2003. “Na realidade, eu só queria ser aceita. O processo do meu personagem [no programa] era ser uma adolescente chata, e eu era uma adolescente chata em depressão. Quando fui entendendo que as pessoas não gostavam de mim, especialmente os ouvintes e convidados, foi bem difícil”, diz a hoje influenciadora.
Com o tempo, Amanda acabou reprimindo seu temperamento combativo e passando a evitar conflitos, porque sabia que isso lhe fazia mal. “Às vezes tem um assunto de que todo mundo está falando, como o filme ‘Não Olhe para Cima’, e você tem que ter uma opinião sobre ele. Mas isso não é necessário. Você tem o direito de não se posicionar e de se proteger.” Segundo ela, a ansiedade requer uma rotina definida, algo praticamente impossível para quem atua como influenciador. “O like, as visualizações, tudo isso está muito ligado à sensação de compensação. Em outros trabalhos, o feedback é dado em reuniões semanais. O influenciador digital, por outro lado, necessita desse bônus diários”, aponta a jornalista, que lembra ainda que um feedback negativo é capaz de tirar toda sua energia e deprimi-la de maneira instantânea.
Personalidades múltiplas
Quando lançou o podcast Esquizofrenoias, onde entrevista famosos para falar sobre transtornos como depressão, ansiedade e bipolaridade, Amanda teve uma resposta até então rara: passou a receber elogios nas redes sociais. E percebeu que as pessoas gostavam mais da versão dela que era próxima de sua realidade. “Meu terapeuta me falava isso. Eu sendo eu mesma seria muito mais interessante do que a personagem que interpretava.”
Segundo o psicólogo Cristiano Nabuco, essa é uma temática comum para quem atua nas redes. Quando se interpreta um personagem, existe o risco de borrar os limites entre quem a pessoa é e a imagem que ela quer passar. “Essas celebridades sofrem muito disso. Elas têm dificuldade de entender o contorno psicológico de quem efetivamente são em detrimento dessa aceitação global que precisam manter”, declara o psicólogo.
O acompanhamento psicológico, portanto, seria imprescindível também para quem enfrenta esse tipo de descolamento de personalidade nas redes. Aliás, mesmo para influenciadores com menos seguidores ou não tão polêmicos, que não precisaram lidar com hate pesado, a terapia é muito bem-vinda e até necessária, como lembra Viih Tube: “Fazer terapia não é só para quem foi cancelado. É para todo mundo, para a vida toda.”