Leitores da Gama compartilham suas histórias de amor em várias formas, entre casais, mãe e filha, neta e avós, amores virtuais e pandêmicos
Um amor necessário (e francês)
Christian Queiroz
“Quem diria que eu iria ser grato aos algoritmos de que tantas pessoas reclamam? Mandei um “oi” aleatório em um desses apps de intercâmbio. Ela me respondeu no dia seguinte de forma tímida. Demorou até pegarmos o rumo certo da conversa, mas o clímax veio quando falamos de sonhos: ela quer ser atriz, e a paixão dela me seduziu. Os dias que se seguiram foram especiais, era como se eu estivesse morando ao lado dela. Trocávamos mensagens, fotos e vídeos o dia inteiro, e eu passava a noite com ela. O que os franceses chamam de bonheur, eu tive naqueles dias. E me perguntava como me sentia tão próximo a alguém que estava a mais de 8 mil quilômetros de distância? Eu queria abraçá-la, mas é impossível atravessar o Atlântico em um barquinho de papel. Quando ela começou o curso de artes cênicas e conheceu uma pessoa nova, tudo mudou. Demorei a entender isso — na minha fantasia virtual, esqueci que quando ela mandava mensagens tristes, a única coisa que ajudaria era um abraço, mas eu estava longe demais. Nada tira o carinho que sinto por ela; ainda tenho planos de conseguir encontrá-la. Sartre dizia que Beauvoir era seu amor necessário. Acredito que esta francesa seja o meu.”
No luto e na luta
Vinicius Marchezini Brahemcha
“Quando meu pai morreu, minha namorada veio ficar na minha casa para me fazer companhia. Ainda em luto, tive suspeita de covid-19 e tivemos que nos isolar, juntos. Uma semana depois, já era março de 2020. Não podíamos mais sair de casa nem após os 15 dias de quarentena que planejamos inicialmente. Fiquei desolado. Foi quando, de uma hora pra outra, minha companheira decidiu se mudar definitivamente para minha casa, fazer do meu quarto o quarto dela, me apoiar no luto e na luta contra a covid-19, que felizmente não tivemos. Sem ela, nem sei como teria pago meu aluguel. O amor dela me salvou.”
Um encontro após desencontros
Pypa Dusapin
“Após algumas tentativas falhas de heterossexualidade compulsória, tive meu primeiro encontro de Tinder com uma moça em 2016. Lembro de interromper nosso primeiro beijo para anunciar: “É, acho que gosto de garotas mesmo”. Trocamos mensagens, mas nunca conseguimos marcar um segundo encontro. Em 2017, encontrei-a em um bloquinho de Carnaval. Em 2018, nos desencontramos na França. Em 2020, me deparei com um story dela, e decidi comentar. Ficamos num vaievem de mensagens, mas eu não sabia se estava apenas sendo simpática (eterno dilema no mundo sapatão). Depois de muitos meses de pandemia eu já estava exausta — de estudar, de chorar ao ler as notícias, de não ver nenhuma perspectiva de um futuro feliz. Até que chegou a mensagem: “Vamos dar um rolê qualquer dia desses?”. A oferta parecia irrecusável e ao mesmo tempo impossível, considerando o cenário. Descobri que ela era minha vizinha e o que seguiu depois disso foi uma série de encontros ao ar livre, separados por períodos longos de quarentena, sempre com o alívio de saber que estava a menos de 1km da minha casa. Hoje posso chamá-la de minha namorada e juntas passamos nossas tardes imaginando cenários alternativos para os nossos desencontros anteriores.”
Amor antiansiedade
Giovanna Lemos
“Cenário caótico. Crises de ansiedade. Choro. Dez horas na frente das telas. Não foi e não é fácil. Não temos previsão para sair disso. Mas, em meio a tudo isso, eu, que sempre me achei alguém de portas fechadas para amar, mais preocupada no autoconhecimento, me abri ao amor e comecei amando minha família. Estabeleci um vínculo (que já existia, mas que não era nítido) com a minha melhor amiga, mais conhecida como minha mãe. Depois, aprendi a ouvir e respeitar a opinião do meu pai, mesmo que ele duvide disso até hoje. Vi que meus irmãos eram minha base. Tudo isso para entender que sim, eu estava pronta para abrir a porta e retomar contato com um amigo. Como naquelas cenas de filme bem clichês, eu me vi chorando ao assistir a “História de um Casamento” (2019), enquanto ele roncava nos meus braços e eu chorava com a trama. Ali entendi que eu estava apaixonada, que estava ao lado da pessoa com quem eu queria estar. Não vou fazer uma lista dos momentos bons (porque são muitos) mas não posso esquecer da primeira vez que dissemos o tão simples e tão complexo “eu te amo”. Ainda fico dez horas na frente do computador, choro e o cenário ainda é extremamente caótico, pior do que antes. Mas eu aprendi a amar, e quando eu aprendi isso, nada mais me segurou.”
Um amor e um segredo
Martina*
“Vivi um amor em forma de Diadorim, meses antes da quarentena e essa história me salvou. Desde de que me lembro de mim, eu tenho rituais de viver, de não adoecer e de não morrer. Brinco que a pandemia revelou ao mundo, como é minha vida em alerta. Sem trégua, com o imponderável à espreita, sempre. Se alguém me dissesse que eu atravessaria uma pandemia, com marido e filhos, eu diria, comigo, não. Mas, cá estamos há mais de um ano, isolados, eu, os meninos e meu marido.
Mas confesso que grande parte dela passei na companhia de um amor inventado, que me tomou, que me alienou, me manteve lúcida. Em seus braços, passei meus dias. No seu cheiro, me enterrava a cada notícia triste, a cada pensamento obsessivo. No meu corpo pulsando quente, me senti viva frente à tanta morte. Mergulhada nesse universo de pulsão e gozo, ainda sinto meu corpo vivo, minha alma sedenta e faço planos de futuro, enquanto monitoro seu perfil Instagram.”
*pseudônimo
Minha razão de seguir
Giullia Heinzelmann Nogueira
“A primeira vez que o amor dos meus avós me salvou foi após o falecimento da minha mãe, quando eu tinha 12 anos. Não acredito que teria sobrevivido se não fosse por eles, que mudaram de casa, de cidade e de vida, somente pra colocar um sorriso de volta no meu rosto. Os anos passaram, a convivência trouxe intimidade, carinho, briga, conversa e acolhimento. Eles se tornaram minha casa.
Desde o início da pandemia, estamos isolados em cidades diferentes, mas nos falamos todos os dias por telefone, talvez seja o compromisso mais sagrado do meu dia. A realidade tem sido dura, difícil, indigesta, como um filme sobre uma distopia muito cruel. Quando tudo perde o sentido e me falta a vontade de seguir em frente, é neles que eu penso: na vovó e no vovô. Os verdadeiros sobreviventes dessa história, que passaram as piores dores do mundo, mas continuam firmes e fortes, amando e sendo amados. A distância física não muda o quanto eles preenchem minha vida de todas as formas. São minha razão de seguir, de sonhar, de lutar, de nadar contra a maré.”
Hoje o amor me salvou
Luana Mathias Fagundes
“O amor motivou todas as escolhas que já fiz, principalmente quando percebi que minha vocação era cuidar. Frequentar constantemente o ambiente hospitalar renova a nossa fé entre chegadas, despedidas e milagres. Presenciei o amor de uma mãe durante o parto de sua filha, declarações fervorosas entre os grunhidos de dor, o desabar de felicidade ao ver aquele pequeno ser pela primeira vez. Também vi uma partida solitária, alguém prestes a se tornar lembrança, esquecido pelo tempo, mas não por mim. Em uma época obscura, quando o negacionismo briga pela dominância, é preciso acreditar em uma medicina humana, baseada não somente em protocolos, mas em princípios. Entre aprendizados e reinvenções residem os amores de alguém. Entre diagnósticos e prognósticos estão nossas histórias que se cruzam. Era simplesmente eu quem estava ali para trazer conforto e cuidado naquele repouso distante do resto do mundo. É assim que o amor me salva diariamente, por isso eu o coloco em tudo. Amei todos os que passaram por mim, mesmo que por 40 minutos no ambulatório. Independentemente de quando você ler esse texto, tenha certeza que hoje o amor me salvou. E amanhã me salvará também.”
Corrente de força e amor
Bárbara Bom Angelo
“Em julho de 2020, minha mãe foi diagnosticada com um câncer de mama agressivo. Ela passou por uma cirurgia no começo de agosto e logo começou as sessões de quimioterapia. Os primeiros dias após o diagnóstico foram de profunda angústia. Eu não sabia o que fazer, nem onde colocar o medo que eu estava sentindo. Já não bastava a pandemia? Chorei durante as madrugadas e acordei meu marido muitas vezes para conversar. Despejei tudo que se passava pela minha cabeça e ele pacientemente ouviu e me deu suporte. Mas eu precisava mais, de mais gente, de mais carinho, eu ansiava por uma verdadeira rede de apoio. E o que eu fiz? Fui atrás. Contei o que estava acontecendo e como eu estava me sentindo. Pedi orações, pedi amparo. Falei dos exames que estavam por vir — um deles em especial diria se o câncer tinha ou não se espalhado. Aguardamos todos juntos pelo resultado. Gente que nem conhece minha mãe, mas que estava lá torcendo. Gosto de acreditar que a energia dessa comunidade contribuiu para o resultado: o câncer não se espalhou. Passamos pelas sessões de quimio, pelas de radioterapia e temos os anos de remissão pela frente, mas agora sei que andamos acompanhadas.”
O amor numa videochamada corporativa
Rose Carreiro
“Ninguém aguenta mais lives e videoconferências. Mas o amor pode estar aí. O meu estava em uma videochamada corporativa. Quer dizer, não era tão profissional assim, era um happy hour online, uma noite pandêmica solitária e um copo de cachaça com gelo. Eu, recém-separada, jurava pra mim — e pros outros — que este era o meu momento de ficar sozinha. Dificilmente encontraria alguém que cumpriria os requisitos para ser meu par: tinha que ser parceiro, me apoiar, me achar foda, me admirar, me desejar e me ouvir. Ou, neste caso, me ler. Dormi em frente à câmera do notebook. Ele printou. Daí surgiu o fio pra uma conversa que foi virando outras, e nos levou a dias e noites de trocas de mensagens. O companheirismo veio desde ver filmes online juntos a me fazer companhia, ainda que virtualmente, nas idas ao mercado, opinar nos dilemas cotidianos. Apesar de eu relutar, ele tinha aqueles requisitos que para mim pareciam tão inatingíveis antes. Desde a primeira viagem para nos conhecermos, até quando decidimos morar juntos, tudo conspirou para nos juntarmos.”