“Países tropicais serão os mais afetados pelas mudanças do clima" — Gama Revista
Sua cidade está preparada para as mudanças climáticas?
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Ilustração de Isabela Durão

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Conversas

Paulo Artaxo: “Países tropicais serão os mais afetados pelas mudanças climáticas”

As cidades estão atrasadas na prevenção e adaptação às mudanças climáticas, afirma físico e climatologista da Usp: “O tema sequer está sendo abordado na campanha eleitoral”

Luara Calvi Anic 22 de Setembro de 2024

Paulo Artaxo: “Países tropicais serão os mais afetados pelas mudanças climáticas”

Luara Calvi Anic 22 de Setembro de 2024
Ilustração de Isabela Durão

As cidades estão atrasadas na prevenção e adaptação às mudanças climáticas, afirma físico e climatologista da Usp: “O tema sequer está sendo abordado na campanha eleitoral”

O meio ambiente vem dando sinais bastante concretos e, muitas vezes, trágicos, de que o planeta não vai nada bem. Secas, enchentes, deslizamentos, calor excessivo. Se você está assustado, é ainda mais angustiante perceber que os cientistas também estão: “É provado pela ciência que esses eventos climáticos extremos, que a gente só esperava para 2040 ou 2050, estão ocorrendo com muito maior frequência e intensidade em 2024”, diz a Gama o físico e climatologista Paulo Artaxo, que é professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (Usp) e membro do IPCC – Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU.

Com 84,6% da população brasileira concentrada nas cidades, segundo o Censo 2010, ele afirma que são justamente essas regiões que devem sofrer mais. “Nos precisamos adaptar nossas cidades ao novo clima”, diz. “A grande maioria das cidades brasileiras não tem um sistema de prevenção de incêndios, de grandes secas, de deslizamento de terra e assim por diante.” Ele ressalta que, ainda assim, o tema não vem sendo tratado como prioridade pelos candidados que concorrem às eleições municipais deste ano.

Na conversa com Gama, Artaxo, que coordena o Centro de Estudos Amazonia Sustentável (CEAS) da Usp, explica por que países tropicais, como o Brasil, são mais vulneráveis às mudanças climáticas. Segundo o especialista, essa vulnerabilidade está relacionada às próprias características dessas regiões que, com a crise do clima, resultam no aumento das temperaturas em áreas já quentes, na intensificação das secas e queimadas, no aquecimento dos oceanos e no consequente aumento da frequência e da intensidade das tempestades. A seguir, você confere a entrevista.

Nós precisamos adaptar todas as nossas cidades ao novo clima

 Divulgação

  • G |Após enchentes em Porto Alegre, deslizamentos no litoral paulista e a fumaça resultante de queimadas em todo o país, de que outras maneiras as cidades brasileiras podem ainda sofrer com os impactos das mudanças climáticas?

    Paulo Artaxo |

    O desafio de adaptar as cidades brasileiras para as mudanças climáticas é enorme. O Brasil é um país em que 85% da população vive em áreas urbanas. Muitas dessas áreas certamente não estão preparadas para enfrentar o que a gente tem visto constantemente. Posso citar uma das cidades mais ricas e maiores do país, como São Paulo, que tem uma rede de drenagem hídrica projetada na década de 1950, quando a chuva tinha características radicalmente diferentes do que se tem atualmente. Nós precisamos adaptar todas as nossas cidades ao novo clima. Recentemente, o presidente Lula anunciou que vai determinar uma medida provisória obrigando as cidades com mais de 100 mil habitantes a terem Defesa Civil [composta por diferentes órgãos e instituições que atuam para prevenir, socorrer e mitigar os efeitos de desastres]. Isso é muito bom, muito positivo e absolutamente necessário. A grande maioria das cidades brasileiras não tem um sistema de prevenção de incêndios, de grandes secas, de deslizamento de terra e assim por diante.

  • G |E para quais outros desastres naturais ainda precisamos nos preparar nas cidades, considerando que o Brasil é um país com estados muito diversos entre si?

    PA |

    Esse é um ponto importante. A adaptação às mudanças climáticas não pode ser feita para o Brasil como um todo porque cada região, cada cidade tem as suas particularidades e cada uma delas tem que ter políticas públicas efetivas, cada cidade vai requerer estratégias diferentes. Mas, de uma certa maneira, existem algumas regras gerais que precisam ser seguidas. Uma delas é a questão do enfrentamento de deslizamentos de terra. Muitas das cidades têm encostas, particularmente as litorâneas, e essas cidades, em geral, são completamente desprotegidas do ponto de vista de grandes chuvas que causam deslizamentos. Agora, essa ciência da adaptação, digamos assim, é relativamente recente. Então muitas das cidades não sabem como fazer isso, uma questão importante que a gente tem que levar em conta. E é muito difícil sensibilizar os prefeitos que vão ser eleitos agora sobre a relevância e a importância dessa questão.

  • G |A agenda climática não está entre as prioridades das candidaturas nas eleições municipais. Por quê? Como esse interesse pode mudar?

    PA |

    Falando por São Paulo, minha cidade, esses temas sequer estão sendo abordados na campanha eleitoral, e a mesma coisa se repete nos milhares de municípios brasileiros. Em Porto Alegre, por exemplo, a cidade acabou de enfrentar um desastre sem precedentes no Brasil e o prefeito, que foi responsável por descaso de manutenção de equipamentos e que contribuíram para agravar muito a situação de Porto Alegre, vai ser reeleito. Então o Brasil tem um longo caminho para melhorar a qualidade da nossa democracia e até que os interesses da população sejam efetivamente levados em conta pelo poder público. Isso vale para todas as cidades brasileiras. Nos debates eleitorais a questão ambiental sequer aparece. Então nós vamos ter que evoluir. Em muitas cidades europeias, a questão da melhoria da qualidade de vida basicamente é o tema central. E no Brasil isso ainda não ocorre.

  • G |Dentro desse tema da adaptação à uma nova realidade, as queimadas são parte da cultura rural – da produção familiar, das populações originárias e também do agronegócio. Quais medidas deveriam ser tomadas nessas regiões onde se praticam as queimadas?

    PA |

    As queimadas têm que ser proibidas em todo o território nacional. Esse é um ponto importante. A queimada traz prejuízo para os ecossistemas, para a saúde pública e todos perdem. E existem técnicas que podem evitar as queimadas, que são menos danosas ao meio ambiente. O problema é que, evidentemente, 90% dessas queimadas são ilegais e coordenadas pelo crime organizado, em particular na Amazônia, no Pantanal e no Cerrado. E aí isso envolve montar estratégias para lidar com crimes ambientais. E está sendo elaborada pelo Ministério da Justiça uma resolução, uma proposta de lei para triplicar as penas de crimes ambientais, que hoje são irrisórias.

  • G |O governo federal destinou R$ 500 milhões para combater incêndios e a seca na Amazônia, uma medida emergencial. Como você vê o equilíbrio entre ações de emergência e prevenção de desastres?

    PA |

    Não há a menor dúvida de que a estratégia mais eficiente para lidar com queimadas seja a prevenção. E essa prevenção tem que se dar em vários níveis. Primeiro, em relação ao agronegócio. Segundo, em relação a queimadas criminosas. E terceiro, em relação a queimadas feitas para a manutenção da agricultura de pequenas propriedades e de agricultura familiar, por exemplo. Essas três questões requerem estratégias diferentes porque elas são efetivamente muito distintas. Então a gente precisa, primeiro, investir em educação ambiental em larga escala. Basicamente educar a população de assentamentos legais de que há outras maneiras de aproveitar os resíduos agrícolas. Uma delas é enterrar no solo para aumentar a quantidade de carbono orgânico, essencial para a agricultura. Bem como orientar para quando for necessário fazer uma queimada, como impedir o alastramento. Já a questão das queimadas criminais, como por exemplo por grilagem de terras, é um caso para a Polícia Federal efetivamente trabalhar na repressão a esses incêndios.

  • G |Nestes tempos de seca severa em diferentes regiões do país, tivemos uma piora nesse quadro de queimadas, com o fogo se alastrando mais facilmente. Como a população paga por isso?

    PA |

    Nós tivemos nas três últimas semanas 60% do território nacional coberto por fumaça. A minha filha que vive em São Paulo, se ela tiver muito exposta à fumaça, eu a levo em um pronto-socorro, ela toma oxigênio, antialérgico e em duas horas está bem. E quanto a criança de uma população indígena isolada? O que essa criança pode fazer para se defender dos problemas respiratórios causados por queimadas? Nessas populações indígenas ou ribeirinhas da região amazônica essas queimadas aumentam significativamente problemas cardiovasculares por causa do monóxido de carbono, que também é emitido junto com ao material particulado das queimadas. Nessas regiões o hospital fica a dois, três dias de barco. É uma questão extremamente difícil e complicada para um país de dimensões continentais como o Brasil, mas que tem que ser equacionada. Um trabalho que vai ser publicado pelo Paulo Saldiva [médico patologista] da Faculdade de Medicina da USP mostra que, a cada dia das últimas quatro semanas, pelo menos cinco mortes adicionais ocorreram pelas exposições à fumaça. A fumaça mata.

  • G |Esses eventos climáticos extremos chegaram antes do que os cientistas esperavam?

    PA |

    Sim. É provado pela ciência que esses eventos climáticos extremos, que a gente só esperava ocorrer em 2040 ou 2050, estão ocorrendo com muito maior frequência e intensidade em 2024. Então isso se deveu à aceleração das mudanças climáticas, que foi muito intensa nessa última década em particular. O país precisa se preparar urgentemente para isso, de uma ação coordenada entre o Judiciário, Legislativo e o governo federal com o suporte da ciência. É muito importante que efetivamente se estruturem políticas integradas entre os três poderes para lidar com a questão da emergência climática.

  • G |Como esse maior calor nas cidades brasileiras pode afetar o desenvolvimento econômico e social do país e como esse aumento de temperatura se dá no Brasil, um país tropical, se comparado aos países da Europa por exemplo?

    PA |

    É importante perceber que os países tropicais como o Brasil serão os mais afetados pela mudanças climáticas. Seremos muito mais impactados do que a Suécia, a Noruega, a Alemanha e assim por diante. Nós temos cidades como Palmas, Tocantins e Cuiabá, onde o verão bate normalmente 41, 42 graus. Com o aumento global de temperatura da ordem de 3 a 4 graus, como é que a população dessas regiões vai lidar com temperaturas de 45, 46 graus? Não vai ser trivial, isso vai causar um aumento de mortalidade muito significativa e o único remédio é reduzir as emissões de gases de efeito de estufa, que no caso do Brasil, significa acabar com o desmatamento da Amazônia e reduzir o máximo possível a exploração de combustíveis fósseis. Temos regiões muito vulneráveis ao aumento da temperatura e redução da precipitação (chuva, granizo, neblina, etc). Cidades como Brasília, daqui a algumas décadas, vão ter sérias dificuldades de abastecimento de água. Tem solução, mas essas soluções vão requerer trabalhos de longo prazo. É melhor o Brasil começar a se adaptar ao novo clima nas nossas cidades agora do que remediar os impactos negativos daqui a pouco.

  • G |O que o senhor espera da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (Cop30), que acontece no Brasil no próximo ano?

    PA |

    A COP30 vai ser extremamente importante não por ser no Brasil ou em Belém, mas porque os países vão ter que submeter os seus novos compromissos de redução de gases de efeito estufa. Vão basicamente indicar para que direção o clima do planeta vai até 2050. Então, é de uma relevância muito importante. Na COP30 também deverão finalmente ser assinados compromissos de transferência de recursos dos países desenvolvidos, e isso também é outra questão essencial para ajudar os países em desenvolvimento a reduzir as suas emissões e a se adaptar ao novo clima.