Os caminhos para respirar um ar melhor — Gama Revista
Como está sua respiração?
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Ilustração de Isabela Durão

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Reportagem

Os caminhos para respirar um ar melhor

Especialistas apontam soluções individuais e coletivas para proteger a saúde e reduzir os danos da poluição causada, sobretudo, por veículos a combustão, indústrias e queimadas

Ana Elisa Faria 03 de Novembro de 2024

Os caminhos para respirar um ar melhor

Ana Elisa Faria 03 de Novembro de 2024
Ilustração de Isabela Durão

Especialistas apontam soluções individuais e coletivas para proteger a saúde e reduzir os danos da poluição causada, sobretudo, por veículos a combustão, indústrias e queimadas

Em setembro, durante cinco dias consecutivos, São Paulo encabeçou a lista das metrópoles com a pior qualidade do ar no mundo, ultrapassando os limites seguros de concentração de poluentes recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

No interior do estado, locais outrora considerados refúgios de ar puro foram igualmente sufocados pela fumaça das queimadas, intensificadas pela seca extrema. No mesmo período, Porto Velho, capital de Rondônia, atingiu índices considerados muito insalubres de poluição. E foi assim de norte a sul do país, das pequenas às grandes cidades.

Respirar níveis altíssimos de material particulado fino — emitido sobretudo em processos de combustão —, ozônio e dióxido de nitrogênio faz mal à saúde no curto e no longo prazo, podendo levar, por exemplo, a problemas respiratórios crônicos e cardiovasculares e ao câncer de pulmão.

Além das enfermidades comumente associadas ao contato com o ar tóxico, como asma, tosse, bronquite, rinite, alergias e cânceres, a poluição atmosférica está ligada também a doenças neurodegenerativas, conforme explica Thiago Nogueira, professor do departamento de saúde ambiental da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP). “Hoje sabemos que a exposição prolongada à poluição do ar pode causar AVC [acidente vascular cerebral], Alzheimer e demência”, diz.

Anualmente no Brasil, cerca de 50 mil pessoas morrem por questões relacionadas à poluição, segundo um estudo coordenado pela WRI (World Resources Institute). De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), 50% da carga global de pneumonia infantil tem correlação com poluentes atmosféricos. Com esse cenário cada vez mais crítico e cinzento à vista, uma pergunta ecoa: quais são os caminhos para respirar um ar melhor?

Há tempos esse debate está na mesa. Um relatório da OMS revelou que, caso as metas do Acordo de Paris fossem atingidas, aproximadamente um milhão de vidas por ano em todo o planeta, até 2050, seriam salvas com as reduções da poluição do ar.

Monitoramento e frentes de atuação

Pesquisadora do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), Helen Sousa fala sobre a importância de monitorar os níveis de poluição, uma prática ainda insuficiente por aqui. “Não possuímos uma rede de monitoramento abrangente em todo o território nacional, o que nos deixa um pouco às cegas em relação à qualidade do ar que respiramos.”

Para entrar na direção certa rumo a um ar mais saudável, é necessário atacar as três principais fontes de emissão: veículos, indústrias e queimadas. “Em centros urbanos, uma das maiores necessidades é o investimento em transporte público de qualidade e menos poluente”, enfatiza Nogueira.

O professor aponta que a substituição de frotas movidas a diesel por veículos elétricos seria uma mudança crucial. “A criação de faixas exclusivas para ônibus e de corredores de transporte de massa também ajuda a reduzir o número de carros nas ruas, diminuindo, assim, as emissões de poluentes.”

No setor industrial, a situação também requer atenção. “As indústrias precisam ser monitoradas rigorosamente para que suas emissões fiquem dentro do limite permitido. Hoje, embora exista o licenciamento ambiental, muitas vezes falta o acompanhamento efetivo dessas empresas”, frisa Helen Sousa.

A poluição não respeita barreiras geográficas

As queimadas integram o trio de vilões da qualidade do ar. O aumento de incêndios florestais nos períodos de seca, exacerbado pelas mudanças climáticas, gera nuvens de fumaça que atingem até mesmo regiões afastadas das áreas do fogo. “A poluição não respeita barreiras geográficas”, afirma Sousa. Por isso, mesmo cidades menores e afastadas das grandes capitais foram fortemente impactadas pela fumaça, algo que ficou evidente em setembro de 2024.

Nogueira sugere ainda que, para proteger e promover uma melhor qualidade do ar, as cidades devem investir em soluções baseadas na natureza, como o aumento de áreas verdes. “Essas áreas ajudam a remover a poluição do ar e a reduzir a temperatura local”, comenta.

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Para a população que deseja melhorar a qualidade do ar dentro de casa, algumas medidas simples podem ser eficazes, como o uso de purificadores de ar, umidificadores ou bacias com água e toalhas molhadas.

Nos Estados Unidos, virou moda entre os mais abastados — milionários, principalmente — a instalação de sistemas residenciais de filtragem para melhorar a qualidade do ar interno da casa inteira. Nogueira ressalta, no entanto, que esses equipamentos, de alta eficiência e sofisticados, ainda são escassos e têm custo elevado.

Políticas de mobilidade urbana

No âmbito governamental, a implementação de políticas de incentivo ao uso de transporte ativo – como ciclovias e calçadas acessíveis – é fundamental para reduzir a dependência de veículos particulares. “Precisamos pensar na mobilidade urbana como um todo, priorizando alternativas de transporte menos poluentes e que coloquem a pessoa em primeiro lugar”, defende a pesquisadora do IEMA.

“Quanto menos carros nas ruas, menos queima de combustível e, consequentemente, uma menor concentração de poluentes”, reforça.

Embora medidas como o rodízio de veículos em São Paulo tenham sido eficazes em alguns momentos do passado, Helen Sousa acredita que, atualmente, o impacto dessa ação é limitado. “O rodízio foi contornado pela população, que, em muitos casos, adquiriu mais um carro, passou a usar aplicativos de transporte e mudou os horários. Talvez seja necessário repensar o modelo, ampliando restrições ou incentivando mais fortemente o uso de transportes alternativos.”

Na Europa, Bruxelas e Berlim, por exemplo, adotaram práticas que podem servir como inspiração, como zonas de baixa emissão e investimentos significativos em infraestrutura de transporte ativo. Sousa salienta, porém, que o perfil urbano e energético desses locais é diferente, e não seria correto comparar com o Brasil. “Essas cidades já possuem estruturas que incentivam a mobilidade ativa, o que precisa ser mais incentivado aqui.”

A Política Nacional de Qualidade do Ar, sancionada em maio e que prevê a divulgação à população do indicador sobre o impacto de poluentes na saúde, representa um avanço importante, mas ainda é necessário muito mais. “É um processo de gestão completo”, sublinha Sousa. “Precisamos monitorar de perto as emissões e as concentrações de poluentes para ver se as ações estão realmente surtindo efeito.”

Embora o caminho para respirar um ar mais puro no Brasil passe por uma série de etapas complexas e coordenadas, é fundamental que elas sejam colocadas em prática o quanto antes. Respirar um ar limpo não é apenas uma questão ambiental, mas de saúde pública.

Ações individuais também têm papel relevante no todo, como observa Sousa, do IEMA, especialmente sobre a cobrança por mais transparência, informação e ações governamentais. “A qualidade do ar é uma questão de interesse coletivo. Precisamos de políticas sérias e de um sistema de monitoramento eficaz que garanta o direito de todos a respirar um ar seguro.”