Do blog ao business, uma entrevista com Camila Coutinho do 'Garotas Estúpidas' — Gama Revista
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Conversas

‘Tem noção do peso de um like?’

De blogueira fashion a mulher de negócios, a pernambucana Camila Coutinho é um ás na administração de suas criações e de sua vida digital. Ela fala sobre excesso, política, cancelamento e o futuro da rede

Isabelle Moreira Lima 23 de Agosto de 2020
© Fabrizio Lenci

‘Tem noção do peso de um like?’

De blogueira fashion a mulher de negócios, a pernambucana Camila Coutinho é um ás na administração de suas criações e de sua vida digital. Ela fala sobre excesso, política, cancelamento e o futuro da rede

Isabelle Moreira Lima 23 de Agosto de 2020

Ela ajudou a forjar uma profissão, transformou um blog de zoeira com celebridades em um portal de moda e, na última semana, anunciou com alta dose de suspense o seu novo empreendimento. Aos 33 anos, a pernambucana Camila Coutinho é um rostinho bonito à frente de uma cabeça e tanto, especialmente para os negócios.

Munida de sexto sentido, foi esperta para agarrar as oportunidades que cruzaram seu caminho e para usar de jogo de cintura, capacidade de empatia e bom humor para atrair as que estavam longe. Hoje diz que seu barato é mais a realização que o dinheiro, embora seu feed no Instagram sugira que negócios ali não faltam e que as marcas seguem vendo nela uma mina de ouro. Entre suas conquistas relevantes estão o livro “Estúpida, Eu?” (Intrínseca, 2018) e o TEDx Ouse Ser Independente — , além de ser CEO do GE, sua publicação de moda.

Criado há 14 anos, o blog Garotas Estúpidas nasceu para tirar um sarro com a turma de Paris Hilton e Lindsay Lohan. Aos poucos, porém, a então estudante de moda foi se voltando para sua área de interesse, ganhou acesso e relevância, transformou o blog em revista digital e hoje pode-se dizer que, mais que uma influencer, é uma empresária. “Por muito tempo foi instinto, eu estava navegando num lugar que não tinha mapa. Há 14 anos, não tinha ninguém, não existia referência, não tinha blog de moda fora do Brasil, o que dirá no Brasil”, conta. Nesta semana, anunciou que sua exploração chega a novas áreas, com a GE Beauty, uma marca de cosméticos que promete ser afinada com os nossos tempos.

No mundo digital, Camila é também um bicho raro: ao mesmo tempo em que posta fotos de biquíni, raramente revela dados da vida pessoal; consegue andar tranquila na rua sem ser incomodada por fãs, apesar dos 2,5 milhões de seguidores nas redes sociais; diz que não gosta de falar de política, mas se posiciona e diz que hoje pega mal ser morno e se fazer de doido. Leia sobre isso e mais na entrevista a seguir.

  • G |Como é ser uma influencer na pandemia? O quanto o que você fazia antes mudou?

    Camila Coutinho |

    O momento da pandemia foi um catalisador de muita coisa que a gente estava cozinhando na nossa cabeça, muitos conceitos, muitas ideias, que já estavam ali. Por conta do GE Beauty, eu já vinha refletindo sobre o mundo da influência, já estou nele há 14 anos. É muito fácil ficar no caminho confortável. Mas as pesquisas me tiraram do conforto, a gente fez focus groups e eu percebi uma desconexão do público com esse mundo antigo dos influenciadores, “olha o que eu tenho e que você não tem”, muito eu, eu, eu. Agora é uma fase dois, de nós, grupo, comunidade, troca. Na pandemia isso ficou muito sensível porque as pessoas estavam trancadas em casa, com realidades muito diferentes, principalmente no nosso país, que é gigante e muito discrepante. Não era hora, mais que nunca, de criar incômodos. Muitos posts que fiz – passei três meses na praia, numa casa muito bonita — eu acabei não publicando ao pensar na minha irmã, trancada num apartamento em São Paulo. É esse momento de prestar mais atenção no outro.

  • G |É mais difícil ser influencer no Brasil, um país tão cheio de desigualdades? Você falou da pandemia, mas de uma maneira mais ampla, como você lida com isso?

    CC |

    Todo mundo sabe alguma coisa que a gente não sabe, ninguém sabe tudo; as pessoas aprendem todos os dias com as outras. Somos gênios ignorantes, todos nós. Não importa a classe social, você vai cruzar com pessoas que vão ter alguma coisa em comum com você, é apenas uma questão de ser curioso e sensível. Nasci numa família que me deu muita coisa, estudei numa escola boa, tive muitos privilégios, fiz todos os cursos que eu quis. E eu não devo me sentir culpada por isso, porque tudo que eu construí a partir disso veio de mim. Mas não se pode ficar cego porque existem outras realidades, você tem que ter curiosidade e sensibilidade e saber que o Brasil é gigante e que existem muitas outras realidades.

  • G |Você falou bastante sobre conexão. Como você busca essas conexões na prática?

    CC |

    Ter interesse. Sempre converso com as pessoas, pergunto. Vivemos um momento em que todo mundo quer ter a opinião absoluta, e não é bem assim. Temos que respeitar a opinião do outro, por mais que ela seja diferente. É por isso que chegamos a níveis tão feios de debate nas redes sociais — todo mundo quer lacrar, terminar a discussão. E não é assim, nunca acaba, é uma conversa. Sempre vão ter pontos de vista diferentes. Na minha casa tem muito isso. Meu pai tem uma opinião, às vezes dá um choque, mas eu, como boa libriana, estou sempre assim, escutando e intermediando as coisas.

  • G |Será que é por isso, Camila, que você não foi cancelada ainda?

    CC |

    Pode ser. Agora, tem coisas de libriana que não dá. Eu escuto muito, mais do que eu falo, e não dá para ser morno mais hoje em dia. Já deu e, por muito tempo, era esse o melhor caminho, você se fazer de louco. Hoje em dia não dá. O mundo está muito extremo, e as pessoas precisam saber mais ou menos onde estão pisando. Quando você consome qualquer coisa, segue, ou dá um like – você tem noção do peso de um like? É como se você fosse sócia daquele post. E aí, ao mesmo tempo que eu sei que as pessoas que me seguem sabem os meus valores, e pelo GE também, eu tenho minha maneira de me expressar. Então, política é uma coisa que eu realmente não falo. Você nunca vai me ver falando “vote fulano ou vote ciclano”, porque não é um assunto que eu domino, por mais que eu saiba que a gente está vivendo muitos absurdos. Não vou dizer para 2,5 milhões de pessoas “siga esse caminho” se é uma coisa que eu não posso me responsabilizar. Mas, ao mesmo tempo, elas sabem os meus valores, da maneira como eu comunico, do meu jeito, que eu sou a favor disso, ou a favor disso. Acho que a gente chegou a um ponto que não é mais uma questão de política, mas de humanidade.

  • G |Você falou que não está a fim de falar sobre política porque não é sua especialidade, mas não foi neutra nas últimas eleições, como mostra seu Instagram. Teve receio de perder contrato com marcas, por exemplo?

    CC |

    Quando foram as eleições de Dilma e Aécio eu recebi muita pressão para me posicionar, inclusive marcas vieram falar comigo, mas não quis. Eu tenho o seguinte raciocínio com negócios: eu adoro ganhar dinheiro, comprar minhas coisas; mas saber que eu tenho as minhas conquistas tem muito mais peso. A minha ambição é realizar. Ano passado, foi o que a gente mais faturou. E eu só fui saber no final do ano porque eu estava tão imersa naquilo, fazendo só o que eu tinha vontade, tem muito a ver com prazer. Eu recuso cliente, recuso o que não tem a ver comigo. Sempre olhei muito o longo prazo. O que me dá status é diferente do bem material, a minha ostentação é diferente. Na influência, há uma mudança: não é mais crescer, crescer, crescer. Se amanhã eu quiser aumentar um milhão de seguidores, eu sei exatamente o que eu tenho que fazer. Mas eu não estou disposta. Então, é cuidar da galera e da turma que é a sua comunidade. Entrega para ela o que ela quer, que está tudo bem.

  • G |E o que as pessoas querem?

    CC |

    Ficar onde elas querem. É bem ridícula essa resposta, mas é isso. A gente vê pontos de vista completamente extremos, algumas coisas que a gente acha absurdas, mas a internet é isso, ela conecta pessoas e pontos de vista, e existem de todos os tipos. Às vezes eu leio coisas e penso “uau, arrasou”, ou “putz, como essa pessoa teve coragem de dizer isso”, só que aí depois de dois segundos eu penso que está tudo bem porque a galera dela quer ouvir isso. Essa realidade que a gente vive hoje em dia é muito política; tudo vira política, as pessoas levam para um lado. E isso é muito o que eu não sou. Circulo por todos os lugares, escuto tudo. Talvez por isso eu não tenha sido cancelada — consigo parar e entender.

  • G |Mas o cancelamento é uma coisa que te dá medo?

    CC |

    Não. A palavra desculpa é uma armadura. Se você está disposto a pedir desculpa, você está todo protegido. Agora, se você é soberbo e diz “eu? De jeito de nenhum”, aí é que você está mais frágil, na chuva. A narrativa é da pessoa, do veículo, da marca, do político. E se você deixa as pessoas construírem narrativa por você aí você está ferrado, porque quando você voltar o nó já está feito e para desfazer é uma demora enorme. Agora se você chega e fala “espera aí galera, desculpa, eu não tinha essa intenção”, aí é outra coisa. Não tenho medo porque sei as coisas que eu faço, e tento ser o melhor que eu posso. Mas eu sou um ser humano que falha e que eventualmente pode fazer merda sim. Mas no dia que eu fizer uma merda, eu vou chegar lá e conversar. Agora, o que não pode realmente é a recorrência, porque aí vira um hábito, é você, não é desculpa. Você está manipulando alguma coisa. Você tem que olhar o histórico.

  • G |Desde o começo você sempre pareceu ter muita clareza sobre o seu lugar no mundo e também sobre os negócios. Tem um marketing consciente?

    CC |

    Sexto sentido. Hoje em dia, lógico que a gente pensa mais estrategicamente. Mas também vem muito da naturalidade. Por muito tempo foi instinto, eu estava navegando num lugar que não tinha mapa. Há 14 anos, não tinha ninguém, não existia referência, não tinha blog de moda fora do Brasil, o que dirá no Brasil. Mas desde o dia um decidi levar como um negócio, quando percebi que aquilo poderia me dar dinheiro, fui no contador, registrei o nome, comecei a pagar imposto. Virou a chave de um jeito que eu realmente comecei a levar aquilo a sério. Mas a movimentação estratégica veio do coração primeiro. Um deles o de separar o Camila do Garotas Estúpidas.

  • G |A transformação pela qual passou o Garotas Estúpidas é imensa, virou uma revista digital, e agora há a GE Beauty. Que mais o GE pode ser?

    CC |

    Nem eu sei onde eu estou me metendo. Essa história que a gente está criando para o GE, eu fico muito orgulhosa e tenho consciência que ninguém da minha área conseguiu fazer isso. Tudo hoje em dia é marca com branding: pessoas, veículos, governos. E as marcas de produtos têm muita responsabilidade social, no sentido de que elas têm voz, mudam hábitos, criam. Agora as pessoas têm ciência disso e consomem produtos de acordo com valores e posicionamentos. Óbvio que a gente vive num mundo capitalista, mas a gente está num caminho muito legal para conseguir mudar conceitos, ser um lugar de comunicação e consumo mais agradável, menos impositivo, mais inclusivo. Eu não quero mais aparecer no Garotas Estúpidas, mas eu quero que muitas meninas apareçam, eu quero que o GE tenha muitos rostos, e que as meninas se sintam o mais representadas possível.

  • G |E por que você quer aparecer menos no Garotas Estúpidas?

    CC |

    São duas plataformas, então quem quiser me ver, Camila, tem meus pontos de vista e o que eu penso lá [no Instagram]; e o GE é uma turma, uma comunidade, são as colunistas, as meninas que comentam. É muito mais do que eu, e a ideia é que seja mesmo. O negócio cresceu, tem uma vida própria. E até a longo prazo, para a minha vida, eu acho isso interessante. Não sei quanto tempo dura, a gente sabe o caminho que está indo, às vezes a gente fica muito na mão do algoritmo, acha que o engajamento caiu uma semana, aí recebe de volta um “mas tem que postar mais”, tudo é mais. É um pouco insustentável, sabe? E não é meu perfil, como eu te falei, esse crescimento “vou vazar um nude, fazer um babado aqui”, não é o meu perfil. Eu faço coisas na minha vida pessoal que ninguém sabe, estou namorando há seis meses e ninguém sabe.

  • G |Você consegue então andar incógnita por aí?

    CC |

    Consigo super. Meu assédio é muito diferente do assédio de Ivete Sangalo, ou até de uma blogueira que tem um público mais teen, tipo uma Kéfera. Meu público é mais velho e muito fiel, está comigo desde o início, tem uma relação de respeito. São poucas as vezes que me pedem foto, é uma coisa de admiração e são sempre meninas muito legais. Eu não tenho hater, eu não sei, hoje em dia, nesse mundo de robôs, como foi possível de manter isso até agora, mas se você procurar e ficar acompanhando um post meu em tempo real – não tem.

  • G |Quem te acompanha consegue te conhecer? Quanto da sua vida real está ali nas redes?

    CC |

    Elas conseguem conhecer os meus valores, o que eu acredito, a minha maneira de lidar com as coisas. Eu mostro menos que as outras pessoas, mas coisas importantes e simbólicas. De uns tempo para cá eu passei uma fase bem reclusa porque me separei e me mudei. Senti que isso me afastou [dos seguidores] um pouco naquele momento, mas era necessário, até para eu evoluir, amadurecer. O trabalho e a vida de influenciador é assim, está tudo misturado. Então, você precisa tirar momentos para refletir e para fazer uma coisa legal tem que estar bem. Não preciso mostrar tudo, minha intimidade, é uma escolha. Mas elas sabem que eu tenho cabelo branco e que eu passo o dia de roupa de academia.

  • G |Recentemente você criticou marcas que enviam mimos demais, “gasto de dinheiro, de energia, de lixo”. Como você vê os excessos da vida de um influencer?

    CC |

    Para mim, isso é gasto de dinheiro e preguiça. Precisa raciocinar, não é um negócio aleatório. Já que isso tem tanto peso na sua venda e na sua conversão, dê o peso que ele merece dentro disso. É feio o excesso de coisa, de papel, de embalagem, mandar todas as cores de base para uma pessoa que é uma só, não é uma maquiadora. Está na hora de assumir todo o peso que isso aqui tem, né? Mudou o peso, então vamos colocar o povo para raciocinar e executar da maneira que merece.

  • G |Você lançou livro, fez TED, o que você quer fazer mais, onde você quer chegar?

    CC |

    Quando eu vejo o post da menina sentada lendo meu livro — quero escrever outro, falta cérebro para parar e fazer — e dizendo top 10 coisas que eu aprendi, ou então a pessoa que viu meu TED. Tinha muita coisa pessoal, sabia que eu ia me expor, mas a mensagem que eu queria passar era a do meu processo de independência. Me realiza quando os meus amigos de Pernambuco pegam o telefone e dizem “tenho filha, vi o seu TED, gostei muito, quero que minha filha seja como você, mudei a minha cabeça em algumas coisas”. É o que importa. Se eu ganhar dinheiro fazendo isso, quero mais o quê?

  • G |Seu barato então não é aspiracional, é inspiracional, é isso?

    CC |

    Eu acho que sim, mas veja: eu inspiro, mas alguém aspira. Sempre tem que ter alguém que aspira. A gente aspira coisas não necessariamente materiais. Então, eu acho que o grande luxo, a grande onda hoje é que é muito mais rico você ter inteligência emocional. Com isso bem sedimentado, você conquista muito do que quer, dependendo das oportunidades, claro. Não é uma questão de ser a pessoa mais rica, mais bafo, mais linda, mais magra. Se você não cuidar da ansiedade, da cabeça, que é um problema de todos, nada do que você conquistar vai te satisfazer. Isso é o grande luxo do mundo de hoje, ter essa consciência.

  • G |Você que está há 14 anos na vida digital, para onde ela vai?

    CC |

    Eu tenho um pouco de medo do próximo passo, por isso essa conversa sobre consciência não pode ser deixada de lado. Vem o 5G aí, e não é uma mudança de velocidade, mas de mundo. Tanto é que está acontecendo todo esse embate mundial. As grandes revoluções, os grandes conflitos vão acontecer no ambiente da internet, com Tik Tok, 5G, as fake news. O ambiente da internet pode apresentar um cenário muito bom ou muito ruim. Tem que trazer humanidade e consciência do consumo disso, informação é um negócio muito sensível. Não pode deixar de escutar, de conversar, não pode ficar cego ali porque senão você fica vivendo um mundo paralelo, que não é a realidade. O algoritmo é uma coisa que já manda na nossa vida, mas daqui a pouco a gente só vai ver o que o algoritmo quer que a gente veja. Parece papo Jetsons, mas não é. Se você parar para pensar, se você não furar a sua bolha, você só escuta um tipo de música, porque no Spotify, se você só escuta sertanejo, ele só vai te sugerir sertanejo. Agora, se você está no Tinder e só dá match em ruivos, você nunca vai ter a oportunidade de conhecer um negro, um loiro. A gente vai sendo levado. Isso me preocupa e que acho que está linkado com educação, que deveria ser prioridade. Dar ferramentas para que as pessoas cheguem às conclusões delas. Por enquanto, é uma escolha nossa, de ter essa consciência.

  • G |Você está com medo dessa nova fase?

    CC |

    Não, porque o avião está voando já, não tem mais como descer.