CV: João Wainer — Gama Revista

Curriculum Vitae

CV: João Wainer

Ale Ruaro

Fotojornalista e cineasta, o paulistano é especialista em contar histórias. Para ele, o profissional do futuro deve dominar as diversas linguagens disponíveis

Daniel Vila Nova 20 de Abril de 2021

João Wainer, 45, começou a trabalhar muito cedo, logo aos 16 anos. Na redação do Jornal da Tarde obteve o seu primeiro emprego como estagiário de jornalismo e ali aprendeu a escrever e fotografar, se encantando com a possibilidade de contar histórias. Foi em uma dessas pautas que Wainer teve a oportunidade de retratar o também fotógrafo Bob Wolfenson, na época já uma referência. A sintonia entre os dois foi instantânea e não demorou muito para que Wolfenson o convidasse para ser seu novo assistente. O que havia começado como mais uma tarefa profissional acabou se tornando uma nova oportunidade para o jovem Wainer. “Foi uma experiência incrível, aprendi o oposto do que estava fazendo no jornalismo. Entendi a importância de um cuidado técnico maior, do apuro com a iluminação, com o tratamento e com a edição”, relata Wainer.

O aprendizado durou dois anos, mas com o tempo João percebeu que o mundo da moda, especialidade de Wolfenson, não era para ele. Em 1996, ingressou na equipe de fotógrafos da Folha de S. Paulo. Ele conta que não deixava seus editores terem paz, sempre procurando e pedindo novas pautas e histórias para ilustrar. “Sentia que tinha que trabalhar o triplo do que os outros trabalhavam para não ser taxado como o ‘neto de Samuel Wainer‘ [Samuel Wainer foi um dos principais jornalistas do Brasil no último século, fundador da cadeia de jornais Última Hora e, de fato, avô de João]. Meu empenho acabou me destacando, cresci bem rápido lá dentro.”

Wainer passou 20 anos trabalhando na Folha de S. Paulo. Dentre seus principais registros, a foto de uma partida de futebol no Carandiru (Foto:Reprodução/Instagram)

A carreira de Wainer no jornal foi longa e ele ocupou diversos cargos ao longo dos seus 20 anos de colaboração com a Folha — repórter fotográfico, editor de fotografia, editor de imagem e repórter especial. Em 2010, assumiu a direção da TV Folha, o departamento de vídeo do jornal, e teve grande êxito na reformulação da linguagem audiovisual do jornal, que chegou a ganhar o prêmio Esso de Jornalismo em 2013. “Pedi demissão umas 4 ou 5 vezes, mas sempre que eu ia sair eles me convenciam a ficar e entrar em um novo projeto.” Atualmente, o cineasta é colunista do jornal e fala sobre temas sociais e culturais ligados às periferias.

“Minha família toda trabalha com vídeo, talvez por isso tenha tentado fugir dessa linguagem no começo. Acabei indo para a fotografia, mas comecei a perceber que me faltava algo, que as fotos limitavam o meu alcance.” O gosto pela aventura e pelo novo fizeram com que o jornalista se jogasse no mundo dos clipes de música e nos documentários. Dirigiu clipes de Emicida, Mano Brown, Ana Cañas, MV Bill, Rappin Hood e Dexter, além dos premiados documentários “JUNHO – O mês que abalou o Brasil” (2014) e “PIXO” (2009), quando ganhou notoriedade como cineasta.

O cineasta faz parte da cena do rap nacional e já dirigiu e fotografou grandes nomes do gênero, como Mano Brown e Djonga (Foto: Reprodução/Instagram)

“Nunca consegui ficar muito parado. Com o tempo, fotografar começou a se tornar algo mecânico. Gosto muito daquele nervoso da barriga quando você faz algo pela primeira vez. Hoje, sinto isso na ficção.” Wainer assume pela primeira vez a cadeira de diretor em um longa, com seu “4×4”, filme ainda sem data de estreia e que tem Chay Suede e Alexandre Nero no elenco. O filme é produzido pela TX, produtora audiovisual brasileira do qual ele se tornou sócio recentemente.

Para a Gama, o jornalista, fotógrafo e diretor falou um pouco sobre sua paixão na hora de contar histórias, as mudanças e novidades em sua área profissional e a importância da sua missão enquanto profissional.

  • G |Qual o segredo para contar uma boa história?

    João Wainer |

    A história é sempre soberana, é ela quem manda. Quando quero saber como vou narrar algo, pergunto à própria história e é ela quem me diz, todo o resto se adapta. É importante priorizar o que está se contando, priorizar as pessoas que fazem parte daquele universo e ter um interesse genuíno em relação àquele mundo. Quando se faz algo sem interesse real, o resultado nunca é o mesmo. Um bom filme, seja ele ficcional ou não, tem alma e a alma está no interesse verdadeiro pela história. Se isso ocorrer, todo o resto sai naturalmente.

  • G |Quem foi seu mentor?

    J.W. |

    Antônio Gaudério. Ele já era uma referência para mim antes de eu trabalhar na Folha e, quando entrei, foi um dos caras que mais me ajudou e que abriu meus olhos para coisas muito importantes na fotografia. Foi ele que me ensinou a pensar antes de apertar o botão e, pode parecer bobeira, mas faz toda a diferença. Infelizmente, ele sofreu um acidente há 12 anos e não fotografa mais. Mas foi ele quem me ensinou muito do que eu sei hoje.

  • G |Qual é a importância de uma boa formação acadêmica na sua área?

    J.W. |

    Eu não tenho uma formação acadêmica, comecei a trabalhar muito cedo com 16 anos. Mas os estudos são importantes em qualquer área, na minha não é diferente. Costumo brincar que fiz uma faculdade informal, no Jornal da Tarde tive as disciplinas de fotojornalismo, com o Bob Wolfenson tive meu segundo e terceiro ano de faculdade, aulas de moda, retrato e publicidade. E aí, quando fui para a Folha, foi a hora de fazer o meu TCC. Posso brincar, mas eu sinto falta e sei que uma formação acadêmica teria me ajudado bastante. Sempre procurei ler e correr atrás disso que não tive, mas teria sido bom ter feito uma faculdade.

  • G |O que você diria para alguém que pensa em trilhar um caminho parecido?

    J.W. |

    Não importa se é cinema, ilustração, fotografia, texto ou sinal de fumaça, se você tiver tesão na história, vai encontrar maneiras de contar ela de uma forma bacana. Com a tecnologia, há cada vez mais possibilidades para se contar uma história. Lembro que quando eu era repórter especial da Folha, eu escrevia, fotografava, filmava e editava. A depender da história, poderia trabalhar em qualquer uma dessas linguagens. A mesma câmera que fotografa, filma e o mesmo notebook que filma, escreve. O profissional do futuro é alguém capaz de contar histórias com várias linguagens. O mercado de trabalho está em transformação e é necessário ter muita persistência e jogo de cintura para saber aproveitar as oportunidades que surgem com um mercado em crise. A história é quem manda e tem história que pede para ser contada em texto, vídeo ou foto. Quem está começando nessa área tem que tentar manjar um pouco de tudo.

  • G |Qual a sua missão na sua profissão?

    J.W. |

    Eu não sei se é minha missão na profissão ou na vida, porque as duas coisas se misturam muito. Tenho pensando muito nisso, antigamente a minha maior missão era conhecer e retratar a realidade. Gostava de ir até as quebradas e ouvir o que as pessoas ali tinham a dizer, ouvir suas histórias e jogar luz em problemas que costumavam ser ignorados pela sociedade. Mas isso foi na década de 90, quando o acesso a uma câmera fotográfica era difícil. Hoje, qualquer celular é capaz de filmar e isso mudou a maneira com que eu entendo a minha missão. Quero que as pessoas contem suas próprias histórias e falem sobre suas realidades, quero ver a molecada da quebrada contando suas próprias histórias. Tudo o que posso fazer para colaborar nesse sentido, faço. Antes da pandemia, estava sempre dando aula e ministrando cursos na periferia, tento fazer com que as vozes e narrativas dessas pessoas ecoem. Com a experiência que tenho, posso ajudar para que isso ocorra. É bom poder ajudar as pessoas a contar suas próprias histórias do jeito e da maneira que elas acharem mais necessária.

  • G |Qual o melhor conselho profissional que você já recebeu?

    J.W. |

    Quando eu era bem novo, começando no jornalismo na Folha, fui fotografar o cineasta Cacá Diegues. Falei para ele que tinha vontade de fazer cinema e ele me deu uma dica preciosa: ficar no jornalismo por uns 10 anos, para entender a vida. Me disse que se eu entrasse com 20 anos em um set de cinema, poderia me tornar um ótimo diretor, mas seria um diretor que só viveu a realidade do set de cinema. No jornalismo, veria o mundo e suas tragédias, alegrias e misérias. “Você vai ver o mundo”, ele me disse “a vida de verdade. E quando voltar para fazer cinema, vai ser um cineasta muito mais potente porque vai ter histórias para contar.” Hoje, sei que foi muito importante ter passado pelo jornalismo antes de cair no cinema e na ficção. Consigo trazer a expertise do jornalismo, trazer as coisas que eu vi, que eu vivi, para a ficção. São 20 anos no jornalismo e os próximos 20 anos fazendo filmes baseados nas coisas que eu vi nessas duas décadas de jornalismo.

Quer mais dicas como essas no seu email?

Inscreva-se nas nossas newsletters

  • Todas as newsletters
  • Semana
  • A mais lida
  • Nossas escolhas
  • Achamos que vale
  • Life hacks
  • Obrigada pelo interesse!

    Encaminhamos um e-mail de confirmação